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Técnico Imortal – Rinus Michels

Rinus Michels
Foto: Getty Images

 

Nascimento: 09 de Fevereiro de 1928, em Amsterdã, Holanda. Faleceu em 03 de Março de 2005, em Aalst, Bélgica.

Times que treinou: Ajax-HOL (1965-1971 e 1975-1976), Barcelona-ESP (1971-1975 e 1976-1978), Seleção Holandesa (1974, 1984-1985, 1986-1988 e 1990-1992), Los Angeles Aztecs (1978-1980), Köln-ALE (1980-1983) e Bayer Leverkusen-ALE (1988-1989).

Principais títulos por clubes: 1 Liga dos Campeões da UEFA (1970-1971), 4 Campeonatos Holandeses (1965-1966, 1966-1967, 1967-1968 e 1969-1970) e 3 Copas da Holanda (1966-1967, 1969-1970 e 1970-1971) pelo Ajax.

1 Campeonato Espanhol (1973-1974) e 1 Copa do Rei (1977-1978) pelo Barcelona.

1 Copa da Alemanha (1982-1983) pelo Köln.

Principal título por seleção: 1 Eurocopa (1988) pela Holanda.

 

Principais títulos individuais:

Eleito o Melhor Técnico do Século XX pela FIFA: 1999

Eleito o Melhor Técnico Holandês do Século XX: 1999

Eleito para a Seleção dos Sonhos da Holanda do Imortais: 2020

 

“Técnico Total na mais pura essência da arte”

 

Por Guilherme Diniz

 

Os primórdios do “Futebol Total” nasceram com Herbert Chapman, lá nos anos 30, quando o treinador comandou um inesquecível Arsenal multicampeão inglês. Tempo depois, o argentino Carlos Peucelle fez algo parecido com o River Plate dos anos 40, que mudava constantemente seus atacantes de posição. Na década de 50, Gustav Sebes transformou a seleção da Hungria numa máquina de jogar bola e por muito pouco não levou a Copa do Mundo de 1954. Mas o futebol só ficou “total” mesmo a partir do final dos anos 60, graças a um dos mais notáveis, inteligentes, disciplinadores e míticos treinadores que o mundo já viu: Marinus Jacobus Hendricus Michels, ou Rinus Michels, o “General de Ferro” que levou um time territorial como o Ajax a se tornar a maior força da Europa no começo dos anos 70. Alguns anos depois, Michels fez da seleção holandesa uma das mais exuberantes equipes de futebol em todos os tempos.

Correto, direito e ávido pela arte em campo, Michels revolucionou o futebol com um padrão de jogo insano e surpreendente, no qual nenhum jogador guardava posição fixa, todos iam atrás da bola como se ela fosse o último prato de comida na face da terra e os passes deveriam sair com a mais pura perfeição, transformando os jogos do Ajax e da Holanda nas maiores rodas de bobinho do futebol. O Futebol Total de Michels virou uma obra de vida, um método que foi amplamente discutido e celebrado por décadas, mas jamais copiado. O Barcelona de Guardiola chegou perto disso, principalmente com as trocas de passes, mas os craques da Catalunha não trocavam de posição como trocavam Ruud Krol, Arie Haan, Johnny Rep e o maior de todos aqueles laranjinhas: Johan Cruyff, a exemplificação máxima do jogador total. A maior lamentação, sem dúvida, foi aquela Holanda de 1974 não ter vencido uma Copa do Mundo. Mas isso vamos discutir nas linhas a seguir. É hora de relembrar.

 

Do campo para o banco

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Rinus Michels nasceu respirando futebol, vizinho do estádio Olímpico de Amsterdã. Virou jogador de futebol e construiu uma carreira de sucesso no Ajax, clube de sua infância e onde conquistou os campeonatos nacionais de 1947 e 1957. Foi no clube alvirrubro que Michels teve seus primeiros ensinamentos de táticas e do futebol bem jogado por meio de seu treinador na juventude, Jack Reynolds, que comandou a equipe holandesa por nada mais nada menos que 33 anos. Reynols treinou o então jogador Michels, que aprendeu com seu mestre a arte da rotatividade em campo. Ao se aposentar com apenas 30 anos por conta de uma lesão nas costas, depois de marcar 122 gols em 264 partidas pelo Ajax, Michels decidiu seguir a carreira de técnico e os ensinamentos de Reynolds, criando o seu estilo de jogo, de treinos e de táticas. Michels comandou equipes amadoras da Holanda no início de sua carreira até despertar o interesse do Ajax, que vivia um incômodo jejum de títulos. Em 1965, Michels assumiu a condição de treinador do clube e rapidamente implantou seu estilo. Beneficiado por uma safra exuberante de jovens promessas (tais como Suurbier, Hulshoff e um certo Johan Cruyff), Michels iniciou os trabalhos do Futebol Total com muita disciplina, concentração e força física. Começava ali o período de ouro do futebol holandês. E de Rinus Michels.

 

Títulos e amadurecimento

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Já na temporada 1965-1966 o Ajax levantou o título da Eredivisie com sete pontos de vantagem sobre o vice-campeão, o Feyenoord. Nas temporadas seguintes vieram mais duas taças nacionais, fazendo do clube o maior campeão do país na época (e que perdura até hoje). Cruyff começava a se destacar com uma genialidade fora do comum, habilidade, explosão, técnica e capacidade de raciocínio velocíssima. Em 1967, o craque foi o artilheiro do campeonato com 33 gols e se tornava rapidamente o líder do time, além de levar para dentro de campo as recomendações e táticas de Michels, com quem se dava muito bem e discutia sobre fundamentos e espaços do campo constantemente.

Naquele ano do bicampeonato, o Ajax surpreendeu a todos com um ataque devastador que marcou 122 gols em 34 partidas –média superior a três gols por jogo. O poder ofensivo do time era estrondoso e Michels fazia questão de aqueles garotos jogarem sempre para frente, mas com inteligência na hora de defender. Uma das armas criadas na época por Michels era a linha de impedimento, que pegava de surpresa por várias vezes os atacantes adversários. Como sempre mais de dois jogadores iam pra cima do rival que tinha a bola, quando este passava para o companheiro, quase sempre ele estava sozinho. E impedido. Uma loucura!

Na temporada 1968-1969, Michels sofreu um duro golpe que serviu para aparar arestas e corrigir alguns pontos ainda fracos naquele time. Depois de três títulos nacionais e uma Copa da Holanda, a equipe alcançou pela primeira vez uma final de Liga dos Campeões da UEFA. Depois de eliminar Nuremberg-ALE, Fenerbahce-TUR, Benfica-POR e Sparta Trnava-RCH, a equipe encarou o Milan do treinador Nereo Rocco e das estrelas Schnellinger, Trapattoni, Sormani, Rivera e Prati. Quem esperava um jogo disputado viu um chocolate dos italianos, que venceram por 4 a 1, com direito a um hat-trick de Pierino Prati, o primeiro de um jogador em uma decisão de Liga desde o húngaro Ferenc Puskás em 1962. Aquela derrota mostrou que o Ajax ainda era inexperiente e precisava amadurecer mais se quisesse conquistar a Europa. Mas novos craques iriam ajudar a equipe a chegar, enfim, ao topo, casos de Rep, Haan, Neeskens e Krol, já no elenco, mas ainda sem ser titular.

Michels, em 1969, pensando em como armar seu time contra o forte Benfica pela Liga dos Campeões da UEFA daquele ano.
Michels, em 1969, pensando em como armar seu time contra o forte Benfica pela Liga dos Campeões da UEFA daquele ano.

 

 

Carrossel de Amsterdã

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No final de 1969 e início de 1970, o Ajax se reforçou e tinha o elenco que precisava para voltar a brigar pelo título europeu. Para isso, era preciso vencer novamente o Campeonato Holandês, o que aconteceu de fato. O time de Michels marcou exatos 100 gols e sofreu apenas 23 em 34 partidas. Uma campanha impecável, com 27 vitórias, 6 empates e apenas uma derrota. Para coroar a temporada, o time ainda venceu a Copa da Holanda em cima do PSV. Os títulos credenciaram a equipe na Liga dos Campeões de 1970/1971.

Esboço do time do Ajax comandado por Michels: movimentação constante, Cruyff polivalente e jogadores disciplinados construíram um esquadrão quase invencível.
Esboço do time do Ajax comandado por Michels: movimentação constante, Cruyff polivalente e jogadores disciplinados construíram um esquadrão quase invencível.

 

Em 1970, mesmo com as taças conquistadas, o Ajax estava “mordido” pelo fato de o maior rival, o Feyenoord, ter sido o primeiro clube holandês campeão europeu. Na temporada 1970-1971 o time tinha a chance de igualar o feito do rival e colocar aquela brilhante geração comandada por Cruyff no campo e Rinus Michels no banco no mapa da Europa. Na primeira fase, o time passou pelo Nëntori Tirana, da Albânia, após empate em 2 a 2 e vitória por 2 a 0. Na segunda fase, duas vitórias contra o Basel, da Suíça, por 3 a 0 e 2 a 1. Nas quartas de final, embate duro contra o bom Celtic (ESC) daquela época. No primeiro jogo, Cruyff, Hulshoff e Keizer fizeram a diferença e anotaram os 3 a 0 do Ajax. Na volta, a derrota por 1 a 0 não foi suficiente para eliminar o time holandês, que avançou. Nas semifinais, o time encarou o Atlético de Madrid (ESP). No primeiro jogo, vitória espanhola por 1 a 0. Na volta, o baile de sempre do Ajax em Amsterdã: 3 a 0, gols de Neeskens, Suurbier e Keizer.

 

Europa conquistada

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Na final, disputada no estádio Wembley, em Londres, o esquadrão de Cruyff encarou o surpreendente Panathinaikos, da Grécia, do artilheiro Antoniadis e comandado no banco de reservas pelo mito Puskás, que se aventurava como técnico. Porém, a diferença entre o Ajax e os rivais gregos foi grande. Com gols de Van Dijk e Arie Haan, o clube igualou o feito do rival de Roterdã (Feyenoord) e conquistou sua primeira Liga dos Campeões da UEFA. O time não quis disputar o Mundial Interclubes daquele ano, dando a vaga para o vice-campeão Panathinaikos. A Europa conhecia, enfim, o novo padrão de jogo criado por Michels, com um time que não guardava posição fixa e atacava constantemente seus rivais, tomando-lhe a bola a toda hora, trocando passes em abundância e com os jogadores sempre rodando, rodando e rodando, num carrossel humano pintado de branco e vermelho. Com a sensação de dever cumprido, Michels aceitaria naquela temporada uma mudança de ares para a Catalunha, onde comandaria o Barcelona. Mesmo sem o treinador, aquele Ajax continuou a fazer história e emendou um tricampeonato europeu, entrando para a história como um dos maiores esquadrões de todos os tempos.

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Revolução espanhola

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Assim como quando chegou ao Ajax, em 1965, Rinus Michels encontrou o Barcelona (à época Club de Fútbol Barcelona, que se transformaria em Futbol Club Barcelona em 1974, após o conturbado período de imposições do general Franco) sob um jejum que durava mais de uma década no Campeonato Espanhol. Na Catalunha, o treinador holandês demorou um pouco mais para conseguiu implantar seu estilo de jogo, a totalidade técnica e o futebol ofensivo. Foi então que em 1973 ele conseguiu a peça que tanto lhe seria útil para devolver ao Barça os tempos de glória: Johan Cruyff, astro do Ajax e melhor jogador da Europa e do mundo naquele tempo. Cruyff chegou à Catalunha na transação mais cara do futebol à época, tão cara que o governo espanhol não aprovou o negócio. Para burlar o feito, o craque foi registrado oficialmente, acredite se quiser, como uma peça de máquina de agricultura (!).

Ao lado de Mora, Torres, Rexach, Asensi, Sotil e Marcial, Cruyff ajudou o clube a conquistar depois de 14 anos (curiosamente, seu emblemático número de camisa) o título de campeão espanhol. A campanha teve como ponto alto um categórico 5 a 0 pra cima do maior rival, o Real Madrid, em pleno Santiago Bernabéu. O troféu serviu como estímulo para Michels e Cruyff irem com tudo em busca do maior desafio da temporada: a Copa do Mundo da FIFA.

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Laranja Mecânica – Uma obra-prima

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Antes da Copa (e ainda sem Michels), a Holanda, comandada pelo checo František Fadrhonc, disputou a Eurocopa de 1972, mas não conseguiu chegar até as fases finais. Nas eliminatórias para a Copa, os holandeses avançaram com quatro vitórias e dois empates em seis jogos, com 24 gols marcados e apenas dois sofridos. O time já dava shows, mas o grande objetivo da KNVB, a federação de futebol do país, era Rinus Michels. Depois de muita conversa, o treinador, enfim, assumiu o comando da seleção justamente em 1974, na Copa do Mundo, em paralelo ao seu trabalho no Barcelona. Quando assumiu o escrete laranja, Michels teve que lidar com as picuinhas dos jogadores de Feyenoord e Ajax, a base daquele esquadrão. Michels deixou bem claro que quem não deixasse as indiferenças de lado e não jogasse futebol, poderia deixar o grupo na hora. Para a sorte da nação, ninguém abandonou o barco, ou melhor, o carrossel laranja que iria dar show naquele mundial.

A Holanda de 1974: laterais ousados, meio de campo criativo, Cruyff no auge, sem posição fixa... Impossível acreditar que aquele esquadrão não levou a Copa...
A Holanda de 1974: laterais ousados, meio de campo criativo, Cruyff no auge, sem posição fixa… Impossível acreditar que aquele esquadrão não levou a Copa…

 

Já com um padrão de jogo estabelecido e com o reforço de Rinus Michels, a Holanda estava pronta para arrasar na Copa do Mundo de 1974, na Alemanha. Michels liderava o time do banco, com um esquema tático bem definido que se camuflava no 4-3-3, mas que na prática não obedecia a regra alguma. Aquela seleção era sua obra prima, mais até que o Ajax do começo da década. Em campo, o treinador contava com seu capitão Johan Cruyff, o responsável por comandar o time. Rápido, inteligentíssimo e com noções táticas que beiravam a perfeição, Cruyff era a referência máxima dos Laranjas. A bola sempre passava por ele, as jogadas sempre tinham sua assinatura e o time se baseava, demais, em seu talento. Claro, não era apenas Cruyff quem dava show. O esquadrão laranja ainda tinha Haan, Suurbier e Krol na zaga, Neeskens e Jansen no meio de campo e os infernais Rensenbrink e Rep no ataque.

As funções da equipe em campo eram múltiplas, sempre que um rival tinha a bola, dois, três laranjinhas chegavam e lhe tiravam a bola. Os jogadores pareciam dançar em campo, cada hora em uma posição. Apenas o goleiro Jongbloed escapava da “dança”, que começou logo na estreia da equipe no Mundial, contra o Uruguai de Mazurkiewicz, Forlán, Espárrago e Pedro Rocha. Quem esperava um jogo equilibrado, viu um dos maiores bailes da história dos Mundiais.

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A Holanda só não goleou a Celeste pela falta de pontaria e pela atuação magistral do goleiro uruguaio, que evitou um vexame. A Laranja venceu por 2 a 0, com dois gols de Rep. O volume de jogo dos holandeses, a posse de bola e a quantidade de chutes a gol impressionaram a todos. E pensar que antes do jogo o volante uruguaio Castillo garantiu que Cruyff não iria fazer nada em campo… Ao final do primeiro tempo, Pedro Rocha perguntou a Castillo por que ele não estava brecando Cruyff. Castillo respondeu: “Como? Não consigo nem dar porrada!”. Certa vez, Pedro Rocha contou uma história bem interessante e histórica que envolve o vareio que o Uruguai levou da Holanda nessa partida:

“Por duas vezes, em campo, quis chamar a minha mãe: a primeira, com 17 anos, na minha estreia no clássico Peñarol e Nacional, em pleno Centenário. Na segunda, com 32 anos, quando enfrentei a Holanda na Copa de 1974. Quando peguei a bola pela primeira vez, quatro jogadores vieram para cima de mim e me tiraram a bola. Não entendi nada, mas na segunda vez, a cena se repetiu, e foi assim o jogo todo. Ali, eu quis a minha mãe”.

Rocha não exagerou nem um pouco em suas palavras. A Holanda mostrou ali que era uma das melhores seleções do planeta e uma das mais encantadoras desde o Brasil de 1970. Na partida seguinte, um empate sem gols com a Suécia foi apenas um susto. Contra a Bulgária, goleada por 4 a 1. A equipe estava classificada para a segunda fase.

 

Embalados

Quando o adversário estava com a bola era isso que ele via a sua frente: vorazes jogadores laranjas. Só chamando a mãe mesmo...
Quando o adversário estava com a bola era isso que ele via: vorazes jogadores laranjas prontos para lhe roubar a bola. Só chamando a mãe mesmo…

 

Na fase seguinte, oito seleções se dividiram em dois grupos de quatro equipes. Os líderes iriam para a final. A Holanda começou a fase decisiva contra a Argentina e deu mais um baile: 4 a 0, gols de Cruyff (2), Krol e Rep. No jogo seguinte, vitória por 2 a 0 contra a Alemanha Oriental, gols de Neeskens e Resenbrink. A equipe estava a um passo da final. Faltava encarar o então tricampeão mundial: o Brasil.

 

Nem botinadas param os Laranjas

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O técnico do Brasil, Zagallo, estava confiante antes do jogo contra a Holanda. Para ele, não passava pela cabeça ser eliminado pelos europeus, afinal, o Brasil era tricampeão mundial e tinha o ótimo goleiro Leão, o zagueiro Luís Pereira, o craque Rivellino no meio de campo e Jairzinho na frente. Porém, camisa não ganha jogo. Muito menos se o adversário tiver Cruyff e Neeskens, os autores dos gols da vitória Laranja por 2 a 0, que mandaram a seleção canarinho para a disputa do 3º lugar (perdida para a Polônia por 1 a 0).

 

A mais desejada final

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Os deuses do futebol colocaram frente a frente os donos da casa, a Alemanha Ocidental, e os “donos da bola”, a Holanda, na grande final da Copa do Mundo de 1974. A Alemanha tinha uma seleção formidável, então campeã da Europa e com craques natos como Sepp Maier, Vogts, Paul Breitner, Gerd Müller e, claro, o mito e capitão Beckenbauer. Já a Holanda era a grande sensação da Copa, invicta, colecionando apenas vitórias, golaços, shows e adversários atordoados que nem viram a cor da bola, inclusive o Brasil, que nem na pancada conseguiu brecar Cruyff e Cia. O Olympiastadion, em Munique, seria palco de uma final histórica, que colocaria frente a frente os melhores jogadores do mundo na época: Franz Beckenbauer, da Alemanha, e Johan Cruyff, da Holanda.

O jogo começou e com apenas um minuto de jogo, sem a Alemanha ter tocado na bola, o juiz marcou pênalti para os holandeses. Neeskens cobrou e abriu o placar. O estádio ficou mudo. Mas os alemães, mais frios que qualquer ser siberiano, trataram de ficar calmos, afinal, o jogo estava apenas começando. Aquilo fora um acidente, pensaram eles. Aos 25 minutos, pênalti, dessa vez para os donos da casa. Paul Breitner bateu e fez o gol de empate. Aos 43´, foi a vez do goleador Gerd Müller deixar o dele, virando o jogo ainda no primeiro tempo: 2 a 1. No segundo tempo, ambas as equipes tiveram chances, mas nada do gol sair. Os holandeses não conseguiam encaixar o jogo fácil e mortal que haviam feito durante toda a Copa, e esbarravam na eficiência e precisão cirúrgica dos alemães.

 

Vítimas do antídoto alemão

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O tempo passava, passava, e a Holanda não conseguia marcar o gol de empate. Cruyff, o grande talento do time, era marcado de maneira impiedosa por Berti Vogts, e o goleiro alemão Sepp Maier fazia defesas fabulosas. Depois de muitos gols desperdiçados, o juiz inglês Jack Taylor apitou o final de jogo. A Alemanha, depois de 20 anos, era campeã mundial de futebol. Bicampeã. O time conseguia, mais uma vez, acabar com um adversário amplamente favorito. O carrossel estava destroçado. Cruyff levou o prêmio de Melhor Jogador do Mundial, mas era pouco. Aquele time merecia, de fato, a Copa. Os holandeses não conseguiam acreditar, mas o mundo não era deles. Mas Michels já estava na história por montar uma das mais belas e incríveis seleções de todos os tempos, que ganhou mais fama do que a própria campeã mundial daquele ano.

 

Anos difíceis

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Depois da Copa, Michels deixou a seleção e viveu um inédito ostracismo em sua carreira. O técnico deixou o Barcelona temporariamente em 1975 e voltou ao Ajax, onde ficou apenas uma temporada (sem brilho). De volta à Catalunha, o treinador venceria apenas mais um título, a Copa do Rei de 1978, mas o legado no clube catalão foi eterno. Ele e Cruyff mudaram para sempre o estilo de jogo do Barça, que passaria a ser sinônimo de futebol arte, ofensivo e moderno. No mesmo ano da conquista da Copa, Michels foi para os EUA comandar o Los Angeles Aztecs, outra vez com Cruyff ao seu lado, mas não teve bons resultados. No começo da década de 80, foi para o futebol alemão e realizou um bom trabalho no Köln, onde conquistou o vice-campeonato da Bundesliga em 1981-1982 e o título da Copa da Alemanha na temporada seguinte. Foi então que em 1984 a federação holandesa buscou novamente o mentor do Carrossel para tentar uma vaga na Eurocopa de 1988 e, quem sabe, o título. Michels aceitou e via a chance de pagar a dívida que tinha com o futebol nacional.

 

A volta da magia

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Quis o destino que, uma década depois, Rinus Michels pudesse ter uma nova chance de conquistar um título pela seleção holandesa. Se não deu para ser o da Copa do Mundo (a Holanda não se classificou para os mundiais de 1982 e 1986), Michels abraçou a oportunidade da Eurocopa de 1988, que seria disputada (veja novamente o fato curioso) na Alemanha, o palco da fatídica derrota na Copa de 1974. Michels tinha em mãos uma nova safra de bons jogadores naquela metade de anos 80, tais como van Breukelen, Ronald Koeman, Frank Rijkaard, Jan Wouters, van Aerle, Ruud Gullit, John Bosman e Marco van Basten. Nas eliminatórias da Euro, os laranjas passaram sem sustos para a fase principal com seis vitórias e dois empates em oito jogos, com 15 gols marcados e um sofrido.

Para a surpresa de muitos, Michels fazia com aquela Holanda o mesmo que havia feito uma década atrás: foco na função, na posse de bola, na ofensividade, tudo sem perder a modernidade. Saia a base do 4-3-3 e entrava o 4-4-2. Rijkaard, volante, assumia o posto de zagueiro, ao lado de Ronald Koeman. Loucura? Que nada. Os dois iriam se dar muito bem por ali… Na Euro, o time levou um baita susto quando perdeu a partida de estreia, contra a URSS, por 1 a 0. No jogo seguinte, a Laranja se recuperou e venceu a Inglaterra por 3 a 1, com show de van Basten, que marcou três gols. A partida derradeira foi contra a Irlanda, e Kieft anotou o único gol da vitória por 1 a 0, que garantiu o time da Holanda nas semifinais.

 

A vingança, 14 anos depois

A Holanda de 1988: sai o 4-3-3, entra o 4-4-2, mas permanece o mantra: viva a função!
A Holanda de 1988: sai o 4-3-3, entra o 4-4-2, mas permanece o mantra: viva a função!

 

Novamente na Alemanha, novamente “A Alemanha”. Os holandeses tiveram que reviver os fantasmas da Copa de 74 na partida semifinal da Eurocopa de 88. O técnico Rinus Michels reencontrava o mesmo adversário que tirava dele o título mundial 14 anos antes. Mas, dessa vez, o filme foi completamente inverso. A Alemanha abriu o placar com Matthäus. Pouco tempo depois, Ronald Koeman, de pênalti, empatou. Faltando apenas dois minutos, van Basten fez o gol da virada, o da vitória da Holanda, que foi para a final. Os holandeses conseguiam vingar a derrota de 1974, justamente na Alemanha, justamente de virada. A comemoração em Amsterdã foi absurda, há anos que o país não via uma festa tão grande. Podia aquilo ser maior e melhor? Podia, na final.

 

Nova revanche e o sonhado título

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A URSS, que despachara a Itália nas semifinais, aparecia novamente no caminho da Holanda. A derrota na primeira fase ainda não havia sido digerida pelo time de Michels, que tratou de impor o jogo envolvente que havia feito nas partidas seguintes da Euro. Com uma zaga segura e eficiente com Ronald Koeman e Rijkaard, ambos habilidosos e que sabiam sair jogando, aliada a um ataque magnífico com van Basten e Gullit, a Holanda deu show. O time mostrou que queria ser campeão e mostrar ao planeta que tinha um futebol vencedor.

Aos 32´do primeiro tempo, Gullit, de cabeça, abriu o placar. Logo no começo do segundo tempo, van Basten faria uma de suas maiores obras primas. Após receber um cruzamento da esquerda, o craque arrematou de sem pulo e marcou um dos gols mais incríveis da história do futebol: Holanda 2×0 URSS. Perto do final do jogo, os soviéticos tiveram a chance de reduzir a diferença, de pênalti, mas o grande goleiro van Breukelen defendeu a batida de Belanov.

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Final de jogo. A Holanda conquistava o seu primeiro título, coroava uma geração de ouro, e dava o tão sonhado caneco ao técnico Rinus Michels. Um troféu super merecido, afinal, o time jogava um futebol vistoso, fácil, eficiente e moderno. Michels pagava sua dívida com a torcida e celebrava, segundo o próprio, seu maior título da carreira.

 

Os últimos anos

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Depois da Euro, Michels deixou novamente o comando da seleção e treinou o Bayer Leverkussen-ALE, onde não teve o mesmo desempenho nos tempos de Köln. Em 1990, após a pífia campanha da Holanda na Copa de 1990, Michels retornou ao comando técnico e comandou o time nas eliminatórias e a fase final da Eurocopa de 1992, onde conseguiu classificar a Laranja até a semifinal, perdida nos pênaltis para a Dinamarca (futura campeã) após empate em 2 a 2 no tempo normal. Ali, era o fim da carreira de Michels, que se aposentaria de vez do futebol para cuidar de sua saúde, já debilitada por conta de problemas no coração.

 

O adeus de um gênio

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Os anos se passaram e Rinus Michels foi condecorado e agraciado por várias autoridades mundiais por seu desempenho no esporte, principalmente na Holanda, onde o prêmio de melhor técnico do ano foi renomeado para “Rinus Michels Award”. Em 1999, seu trabalho foi reconhecido pela FIFA, que lhe concedeu o prêmio de Melhor Treinador de Futebol do século XX. Era a máxima homenagem que aquele holandês tão inteligente e ávido pelo futebol coletivo e artístico, de QI elevado e sempre com um livro a tira colo durante suas tantas viagens ao longo da vida, merecia. Em 03 de março de 2005, aos 77 anos, Rinus Michels não resistiu a uma segunda cirurgia no coração (a primeira havia sido em 1986) e faleceu na cidade de Aalst, na Bélgica. O mundo perdia um de seus maiores gênios futebolísticos, revolucionário e mestre de tantos outros técnicos de sucesso ao longo das décadas. Johan Cruyff, Louis van Gaal, Frank Rijkaard e até Pep Guardiola são alguns dos treinadores influenciados direta e indiretamente por Michels, que mudou para sempre a história do Ajax, da seleção da Holanda e do Barcelona com suas táticas, seriedade, compromisso, motivação e o jeito alegre, brincalhão e sereno de ser. Um técnico imortal.

 

Leia mais sobre o Ajax dos anos 1970 clicando aqui.

Leia mais sobre a Holanda de 1974 clicando aqui.

Leia mais sobre a Holanda de 1988 clicando aqui.

 

Extras:

O que disse Michels:

“É uma arte em si você compor uma equipe para um jogo de futebol, encontrar o equilíbrio entre jogadores criativos e aqueles com poderes destrutivos, e entre a defesa e ao ataque. Nunca podemos nos esquecer, claro, da qualidade do adversário e das pressões específicas de cada partida”.

“A verdade é uma só: o futebol se faz dentro de campo”

 

O que disseram sobre Michels:

“Eu sempre admirava sua liderança. Tanto como jogador quanto como técnico, ninguém me ensinou tanto quanto ele. Ele foi uma pessoa que colocou a Holanda no mapa de tal forma que quase todo mundo ainda se beneficia por isso. Eu sempre tentei imitá-lo, e esse é o maior elogio que se pode dar.”Johan Cruyff.

“Ele sabia exatamente como motivar um grupo de jogadores, além de saber como ninguém aliviar a tensão no vestiário com seu bom humor. Ele era duro em algumas decisões, mas em tantas outras ele mostrava seu lado fraternal.”Marco van Basten.

“Ele foi um treinador com um conhecimento natural que o fazia respeitado por todos os jogadores. Hoje em dia os técnicos têm que se explicar a todo o momento, mas para ele isso não era necessário. Ele estava acima de qualquer um. Eu aprendi muito com ele.”Ronald Koeman.

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Comentários encerrados

8 Comentários

  1. Olhando isso, eu vejo como é bizarro comparar essa ideia ao tiki-taka do Barcelona. Ok, os caras mantiveram os conceitos de toque e posse de bola, mas sem a troca de posicionamento nem nenhuma outra forma de dinamismo.

    O tiki-taka seria engolido há 20, 30 anos atrás.

  2. Muito surreal esse seu trabalho no blog. Fico muito satisfeito por ter pessoas que possam mostrar as lendas do futebol e grandes clubes e tecnicos. fora o principal as taticas e como os times se pocisionavam com bola rolando. Parabens…

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