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Jogos Eternos – Itália 4×3 Alemanha 1970

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Data: 17 de junho de 1970.

O que estava em jogo: uma vaga na final da Copa do Mundo de 1970.

Local: Estádio Azteca, Cidade do México, México.

Juiz: Arturo Yamazaki (PER)

Público: 102.440 pessoas

Os times:

Itália: Albertosi; Burgnich, Rosato (Poletti), Cera e Facchetti; Bertini e De Sisti; Domenghini, Boninsegna, Mazzola (Rivera) e Riva. Técnico: Ferruccio Valcareggi.

Alemanha: Maier; Vogts, Schnellinger, Beckenbauer e Patzke (Held); Schulz e Overath; Grabowski, Uwe Seeler, Gerd Müller e Löhr (Libuda). Técnico: Helmut Schön.

Placar: Itália 4×3 Alemanha. Gols: Boninsegna-ITA aos 8′ do 1º T, Schnellinger-ALE aos 47´do 2º T; Müller aos 4´, Burgnich-ITA aos 8´e Riva-ITA aos 13´do 1º T da prorrogação; Müller-ALE aos 4´e Rivera-ITA aos 5´do 2º T da prorrogação.

 

“A partida mais alucinante da história das Copas”

Por Guilherme Diniz

Calor. Muito calor. Estádio lotado. Límpido. Em campo, três títulos mundiais. De um lado, jogadores vestidos de azul, fortes e cheios de fôlego. Do outro, alvinegros ainda exaustos da batalha prévia contra os ingleses então campeões mundiais. Parecia fácil para os italianos. Só parecia. Eles cometeram o pecado da retranca enquanto venciam. Os alemães, maiores traiçoeiros do planeta bola, aproveitaram. Quando a torcida italiana já se programava para a final, eis o gol de empate. Sim, os alvinegros teriam pela frente outra prorrogação. Como aguentar? Beckenbauer fratura a clavícula. Substituições já realizadas. Ficar com 10 homens? Nem a pau! O Kaiser volta ao campo. Enfaixado. Heroico. Sua bravura inspira a Alemanha. Que vira. E leva nova virada. Mas empata! Mas perde. Mas valeu. Naquele dia 17 de junho de 1970, milhões de pessoas assistiram a maior partida de futebol da história das Copas do Mundo. Jamais houve um jogo como aquele. Jamais uma prorrogação foi tão alucinante e frenética. Times ao ataque. Zagueiros além do meio de campo. Atletas exaustos. Se fosse possível torcer o gramado do estádio Azteca naquela tarde, litros e mais litros de suor poderiam encher piscinas. Era demais. Era incrível. Era eterno, como os próprios mexicanos confirmaram ao fazer uma placa na porta do estádio homenageando aquele confronto. O Imortais relembra agora os lances e as histórias daquele jogo inesquecível.

 

Pré-jogo

ITALIA - GERMANIA OVEST 4-3 - FACCHETTI E SEELER

Itália e Alemanha chegaram às semifinais da Copa de 1970 em situações opostas. Do lado azul, tranquilidade e um passeio nas quartas de final, quando os italianos derrotaram os anfitriões, o México, por acachapantes 4 a 1, um placar elástico pouco comum na história da Azzurra em mundiais. Com vários craques, a equipe era uma das favoritas ao título e, juntamente com Brasil e Uruguai, poderia conquistar a posse definitiva da Taça Jules Rimet por ser bicampeã. Já a Alemanha estava o próprio bagaço. A equipe de Helmut Schön disputou uma extenuante partida contra a Inglaterra, então campeã mundial, e precisou reverter um placar adverso de 0 a 2 para passar às semifinais. Depois do empate no segundo tempo, a vitória veio apenas na prorrogação, quando o artilheiro Gerd Müller marcou o gol que decretou a vitória por 3 a 2 e uma ligeira vingança pela perda do título de 1966 para os ingleses, também em uma prorrogação. A batalha de 120 minutos custou suor, cansaço e uma intensa fadiga muscular que deveria ser recuperada em apenas três dias, até o compromisso decisivo contra a Itália, em 17 de junho. Fisicamente bem, a Itália era favorita. Mas a Alemanha era a Alemanha e jamais poderia ser menosprezada.

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Primeiro tempo – em banho Maria

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A partida no gigante estádio Azteca começou morna, sem muitas pretensões, até que aos oito minutos, Boninsegna aproveitou uma bola quase perdida na entrada da área alemã e chutou: 1 a 0. Para aqueles que sabiam da vantagem física da Itália, parecia ser o início de uma vitória tranquila da Azzurra. Mas, por mais incrível que pudesse parecer, a equipe italiana cometeu o mais crasso dos crimes. Ao invés de cansar a Alemanha, abusar da velocidade e talento de Sandro Mazzola e liquidar o jogo rapidamente, os bicampeões mundiais recuaram, ficaram tocando a bola. Para piorar, no intervalo, o técnico Valcareggi tirou Mazzola e colocou Rivera, para cadenciar (!) ainda mais a partida. Estava escrito, para todo mundo ver, o empate alemão. E foi exatamente isso que aconteceu.

As seleções em campo: ambas as equipes jogavam com líberos, mas na Alemanha Beckenbauer ficava à frente da zaga.
As seleções em campo: ambas as equipes jogavam com líberos, mas na Alemanha Beckenbauer ficava à frente da zaga.

 

Segundo tempo – Prêmio pela perseverança

ALBERTOSI X MUELLER 70

O técnico alemão Helmut Schön percebeu que a Itália não queria mais saber de jogo e se lançou sem receios ao ataque. Tirou um meia (Lohr) e colocou um atacante (Libuda). Trocou um zagueiro (Patzke) por mais um atacante (Held). Com isso, a Alemanha foi mais incisiva e a Itália foi ficando cada vez mais acuada. O jogo era dramático para os alvinegros quando, perto do fim do jogo, Beckenbauer sofreu uma contusão que fraturou sua clavícula. Na época, eram permitidas apenas duas substituições. Com isso, o Kaiser tinha duas opções: deixar o gramado e ver sua seleção jogar com 10 homens e tentar um empate pouco provável ou imobilizar o braço e tentar inflar os ânimos de seus companheiros, mas restrito a movimentos ou jogadas de efeito e corpo a corpo. Foi então que o craque, num dos gestos mais surpreendentes e heroicos das Copas, escolheu a segunda opção e voltou a campo enfaixado, para a surpresa de todos no estádio e também no mundo.

Beckenbauer imobilizado: uma cena para a história das Copas.
Beckenbauer imobilizado: uma cena para a história das Copas.

 

Aquela ação deixava claro que a Alemanha não ia se entregar e, mesmo cansada, ia buscar pelo menos o empate. E buscou. Aos 47´, quando o árbitro já olhava para o relógio, Grabowski cruzou da esquerda e o zagueiro Schnellinger, totalmente livre e sem marcação, fez o gol de empate: 1 a 1. O improvável acontecia. E o jogo terminava. Os alemães não sabiam se comemoravam ou se choravam, afinal, eles teriam pela frente a segunda prorrogação em apenas três dias. 240 minutos de futebol em tão curto espaço de tempo. Seria a maior prova do limite físico daqueles atletas, que já estavam na história dos mundiais.

 

Prorrogação – Incrível, homérica e sensacional

Soccer Euro 2012 Germany Italy

Os 90 minutos iniciais daquela semifinal foram, para se falar bem abertamente, chatos. No entanto, o mundo viu em apenas 30 minutos de prorrogação uma partida absolutamente incrível, eletrizante e impossível de se imaginar. O que aqueles atletas conseguiram fazer, mesmo debaixo de um calor terrível, foi digno de filme. Aos quatro minutos, Gerd Müller aproveitou a falha da zaga italiana e marcou o gol da virada alemã: 2 a 1. Quatro minutos depois, com a Itália toda no campo de defesa da Alemanha, o lateral Burgnich aproveitou um “passe” da zaga alemã após uma cobrança de falta de Rivera para empatar: 2 a 2. Aos 13´, foi a vez de Riva mostrar sua genialidade, cortar para o lado e acertar um belo chute sem chances para o goleiro Maier: 3 a 2. O juiz apitou o fim do primeiro tempo e o público quase que o estrangulou tamanha maravilha que o jogo havia se transformado. Mas, para a felicidade geral, tinha mais emoção.

Schnellinger e Rivera se cumprimentam: exaustão pura.
Schnellinger e Rivera se cumprimentam: exaustão pura.

 

Aos 4´do segundo tempo, num repeteco da primeira etapa, Müller, de novo, fez de cabeça o empate da Alemanha: 3 a 3. De onde os alvinegros tiravam forças para jogar àquela altura ninguém sabia. Parecia que Beckenbauer irradiava sua bravura e alma vencedora para os colegas, já que ele não podia jogar como estava acostumado. Mas apenas um minuto depois do gol de Müller, Gianni Rivera, aquele que entrou no intervalo para cadenciar ainda mais o jogo, marcou o gol da vitória italiana após pegar de primeira um cruzamento vindo da esquerda de Boninsegna: 4 a 3. Nos nove minutos seguintes, nenhuma equipe se atreveu a aprontar mais uma. O estoque de emoção, gols e força estava acabado, queimado pelo sol e seco após os litros de suor derramados que salgou por completo o gramado do estádio Azteca naquela tarde. Ao apito final do árbitro peruano, estava sacramentada a maior partida da história das Copas, bem como a prorrogação mais alucinante de todas. Cinco gols. Em apenas 30 minutos. Algo inimaginável de se pensar no futebol de hoje. Mas totalmente palpável e possível naquela que foi a maior Copa do Mundo de todas, com o melhor nível técnico e a maior quantidade de craques por campo quadrado. Como provaram italianos e alemães naquele 17 de junho de 1970.

 

O que aconteceu depois?

Itália: se os alemães não conseguiram uma vaga na final, pelo menos eles fizeram a Itália sentir na pele o drama do cansaço. Na decisão da Copa, contra o Brasil, os italianos até que conseguiram igualar as coisas contra Pelé, Carlos Alberto, Tostão e Jairzinho no primeiro tempo, que terminou 1 a 1. Mas no segundo… Os atletas sentiram o peso da prorrogação anterior e foram engolidos pela seleção canarinho, que fez três gols e transformou a final num baile vencido por 4 a 1. Depois do vice, a Itália passou por uma década de ostracismo até voltar a brilhar em 1982, ano em que venceu sua terceira Copa com vitórias mágicas sobre o Brasil e… Sobre a Alemanha, na decisão. Mas sem prorrogação.

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Alemanha: depois de 240 minutos de futebol em três dias, a Alemanha estava esgotada. Por isso, mandou alguns reservas para a disputa do terceiro lugar, contra o Uruguai, e não contou com Beckenbauer, o herói enfaixado da semifinal. Enquanto tiveram fôlego, os alemães fizeram um gol. Quando as pernas começaram a pesar, eles se seguraram e venceram por 1 a 0, ficando com um honroso terceiro lugar. Em 1974, jogando em casa, a seleção buscou o título que escapara nas duas Copas anteriores. Nos anos seguintes, o futebol do país seguiu competitivo e em 1982 a equipe voltou a disputar uma final de Copa. Porém, os adversários foram os italianos e a Alemanha perdeu. Em 1990, a equipe disputou sua terceira final seguida e conseguiu, enfim, vencer o tricampeonato mundial. Adivinhe onde? Na Itália…

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Curiosidade:

O jogo entre Itália e Alemanha naquela Copa foi eleito o Jogo do Século por diversos jornalistas, veículos e especialistas. Como forma de homenagem, o estádio Azteca recebeu uma placa exclusiva relembrando aquela partida histórica.

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Comentários encerrados

2 Comentários

  1. O “Jogo do Século” foi antológico. Duas esquadras fortíssimas. A Itália, reencontrando seu protagonismo, com atletas fantásticos, foi ao Azteca determinada a dar o necessário para passar da Alemanha Ocidental e reunir forças para bater de frente com o Brasil. Os germânicos, que vinham de um doído segundo lugar na Copa de 66, renovaram a geração e viam em Beckenbauer e em Muller, os dois nomes que os levariam à glória da eternidade. As quartas-de-final contra a Inglaterra foram emocionantes e com sabor de revanche. O escrequete britânico era tão bom ou melhor do que aquele que havia sido campeão em Wembley, mas os alemães foram buscar o empate e a virada após o técnico Alf Hamsey sacar Sir Bob Charlton pelo desgaste físico, e assim “liberar” o Kaiser alemão da tarefa de marcá-lo. A virada da Alemanha na prorrogação daquele jogo foi épica, e deu ânimo para o embate das semis. No tempo normal, tensão e algumas tentativas dos dois lados. Mas a vitória da Itália nos 90 seria injusta, e os arcanos do futebol, às vezes, punem as injustiças. O empate de Schnellinger logo transformaria a tensão em drama. 30 minutos de um ritmo ensandecido. Um prenúncio das épocas modernas do esporte, mesmo no ritmo mais cadenciado daquele tempo, e pelo desgaste do tempo extra. Os dois times atacavam com de 6 a 8 jogadores, e defendiam da mesma maneira. 5 gols na extensão. Uma virada, uma revirada, um empate heroico e um gol da vitória um minuto depois do 3 a 3. Inacreditável. Surreal. Histórico. Maravilhoso. Um daqueles momentos em que o futebol deixa de ser um jogo apenas, e passa a ser um artista que esculpe na pedra os objetos mais belos. O técnico italiano disse ao final do jogo que aquele era o maior momento de sua vida, e foi mesmo. E graças a Deus por isso. Porque quem tinha que sair com o tricampeonato do México era mesmo o Brasil, e não a Itália.

Jogos Eternos – Brasil 1×1 Holanda 1998

Maracanã – Templo do Futebol