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Jogos Eternos – Napoli 4×1 Milan 1988

Baresi_Maradona_napoli_1988

Data: 27 de novembro de 1988

O que estava em jogo: a vitória, claro, na 7ª rodada do Campeonato Italiano de 1988-1989

Local: Estádio San Paolo, Nápoles, Itália

Juiz: Luigi Agnolin-ITA

Público: 72.300 pessoas

Os Times:

Società Sportiva Calcio Napoli: Giuliano Giuliani; Giovanni Francini, Giancarlo Corradini, Ciro Ferrara e Alessandro Renica (Massimo Filardi); Massimo Crippa, Fernando de Napoli e Luca Fusi (Antonio Carannante); Diego Maradona; Careca e Andrea Carnevale. Técnico: Ottavio Bianchi.

Associazione Calcio Milan: Giovanni Galli; Mauro Tassotti, Alessandro Costacurta (Fabio Viviani), Franco Baresi e Paolo Maldini; Angelo Colombo (Graziano Mannari), Frank Rijkaard, Alberigo Evani e Roberto Mussi; Pietro Paolo Virdis e Marco van Basten. Técnico: Arrigo Sacchi.

Placar: Napoli 4×1 Milan (Gols: Maradona-NAP, aos 41´, e Careca-NAP, aos 45´ do 1º T; Francini-NAP, aos 3´, Virdis-MIL, pênalti, aos 20´, e Careca-NAP, aos 33´do 2º T).

“Maravilha Napolitana”

Por Guilherme Diniz

Presente em qualquer lista com os cinco maiores times de todos os tempos, o Milan comandado por Arrigo Sacchi que ganhou duas Ligas dos Campeões, dois Mundiais Interclubes e muitos outros títulos no final dos anos 80 foi uma obra de arte única e histórica. Aquele time tinha todas as qualidades possíveis para uma equipe de futebol: técnica, inteligência, velocidade, precisão defensiva e ofensiva, jogadores de talento e um técnico iluminado. No entanto, houve um esquadrão que conseguiu jogar de igual para igual com a trupe rossonera e não fazer feio: o Napoli. Aquele esquadrão vestido em azul-celeste e branco não só brigava com o Milan como também conseguia vencê-lo. E de goleada. Na tarde do dia 27 de novembro de 1988, o Napoli encheu seu imponente estádio San Paolo para trucidar sem dó o tão falado e impecável Milan. Naquele dia, os napolitanos mostraram como vencer um time invencível. Como quebrar a famosa linha de impedimento de Tassotti, Baresi, Costacurta e Maldini. Como marcar gols num time que levava pouquíssimos. E como anular um atacante simplesmente excepcional: Van Basten.

O Napoli enfiou quatro gols no Milan. E levou apenas um, de pênalti. Foi o jogo que simbolizou com perfeição o que era o time celeste, de jogadores entrosados, competitivos e de talento. E que reforçou ainda mais a precisão e artilharia do brasileiro Careca. A exuberância defensiva de Ciro Ferrara. E a genialidade única e incomparável do argentino que dois anos antes havia vencido uma Copa do Mundo praticamente sozinho: Diego Armando Maradona. O baixinho da camisa 10 foi impecável, deu passes, marcou gol e comandou as ações de um baile improvável e inesquecível. Fazer quatro gols naquele Milan não era para qualquer um. Era coisa de gente grande. E põe grande nisso. É hora de relembrar um dos jogos mais marcantes da era de ouro do Campeonato Italiano de futebol.

 

Pré-jogo

Na temporada 1987-1988, o Milan venceu os dois jogos contra o Napoli e sagrou-se campeão. Na temporada seguinte, os napolitanos queriam a revanche.
Na temporada 1987-1988, o Milan venceu os dois jogos contra o Napoli e sagrou-se campeão. Na temporada seguinte, os napolitanos queriam a revanche.

 

Com as contratações de Maradona, Careca e vários outros nomes, o Napoli deixou de ser um clube mediano da Itália para se agigantar da noite para o dia naquela segunda metade dos anos 80. Sem jamais ter conquistado um Scudetto, o clube celeste levantou na temporada 1986-1987 os títulos do Campeonato Italiano e da Copa da Itália com grandes atuações de Maradona e Cia. Na temporada seguinte, a equipe perdeu o bicampeonato por apenas três pontos justamente para o Milan, que também renascia graças às contratações de Silvio Berlusconi e a uma leva de craques fantástica, que tinha no trio holandês Rijkaard, Gullit e Van Basten os pilares de um esquadrão que começava a encantar com um futebol vistoso e altamente competitivo. Na temporada 1987-1988, o Milan de Sacchi venceu os dois duelos contra o Napoli de maneira categórica: 3 a 2, em Nápoles, e 4 a 1, em Milão.

Lutando mais uma vez pela taça na temporada 1988-1989, os rivais teriam, além da disputa doméstica, compromissos sérios na Liga dos Campeões da UEFA (Milan) e na Copa da UEFA (Napoli), torneios que eram tidos como fundamentais para ambos. Mas ninguém pensava em perder quando a sétima rodada do Calcio chegou e colocou frente a frente os dois últimos campeões italianos. Para o Milan, era a chance de ouro de superar o rival na tabela (o Napoli tinha nove pontos, e o Milan, oito) e seguir na caçada à Internazionale, líder, com 11 (na época, as vitórias valiam dois pontos, e não três como hoje).

Para o Napoli, a partida era vista com enorme expectativa e um triunfo era quase que obrigação por causa das doloridas derrotas na temporada anterior. Jogando completo, o time da casa estava na ponta dos cascos e apostava demais na velocidade de seu contra-ataque, na força do meio de campo e na genialidade de Maradona. Já o Milan não tinha Gullit, mas contava com sua zaga titular, os bons suplentes Evani e Virdis e a dupla Rijkaard e Van Basten, que viviam em mares de ouro após a conquista da Eurocopa daquele ano com a Seleção Holandesa. O duelo seria repleto de disputa, lances vistosos e, claro, gols, afinal, ambas as equipes fugiam do estereotipo defensivo tão predominante do Calcio e não se cansavam de balançar as redes dos rivais.

 

Primeiro tempo – Linha nada inteligente

Careca domina sob os olhares de Maldini: melhor para o brasileiro.

 

Com mais de 70 mil pessoas, o estádio San Paolo, em Nápoles, transbordava fanatismo e beleza. As imponentes arquibancadas do gigante de concreto temperavam ainda mais um duelo repleto de craques e expectativas. Embora a Internazionale fosse líder àquela altura, não se podia negar que Napoli e Milan eram, de fato, os times que mais despertavam interesse do público na época e os dois que faziam os jogos mais disputados e eletrizantes. Quando a bola rolou, tudo isso ficou claro com as propostas das equipes em campo: atacar e atacar. O Milan se postava com duas linhas de quatro homens, com Baresi sempre na sobra e Van Basten tendo a companhia de Virdis no ataque. Já o Napoli iria jogar “no cangote” de cada jogador do Milan com uma marcação extremamente sufocante e sem deixar espaços para os talentosos rossoneros pensarem, como o próprio time de Milão costumava fazer ao reduzir o campo em espaços minúsculos quando o adversário tinha a bola.

Tanto equilíbrio poderia sugerir um empate, mas, em menos de onze minutos, o Napoli mostrou que não iria sair de sua casa sem marcar pelo menos um gol. A primeira grande chance da equipe celeste surgiu após Maradona escapar de um carrinho de Maldini e engatar um contra-ataque rápido com Crippa, pelo meio. O camisa 7 deixou com Careca, que lançou Carnevale na direita totalmente livre de marcação e avesso à famosa linha de impedimento do Milan. Aquele era o caminho a ser explorado pelos napolitanos. Carnevale esperou o momento exato para correr sem estar em posição ilegal e mostrou que a “linha genial” de Arrigo Sacchi poderia ser uma “linha bem burra”. O camisa 11 cruzou e por muito pouco Careca não cabeceou para o gol.

Veloz e incisivo, o Napoli jogava mais que o Milan e assustava em suas jogadas bem elaboradas pelo meio de campo e em cada toque pensado e raciocinado de Maradona, que realmente conseguia fazer a diferença com poucos centímetros de campo, como num lance em que deu de calcanhar para Francini, que cruzou para Carnevale e este acabou chutando fraco para a defesa de Galli.  Embora sofresse mais, o Milan tinha maior posse de bola e tentava chegar até a área napolitana com jogadas trabalhadas desde a defesa, sem chutões ou lances apavorados. Mesmo com a pressão da torcida e vários azuis em sua cola, os milanistas tinham muito sangue frio. Aos 20´, Maradona outra vez deu um lindo passe, dessa vez em direção à Careca, mas o brasileiro não conseguiu o domínio. Dois minutos depois, o Milan respondeu num chute forte de Maldini que passou à direita do gol de Giuliani. Aos 27´, Van Basten conseguiu escapar pela primeira vez da marcação implacável de Ciro Ferrara, mas seu chute sem ângulo foi facilmente defendido pelo goleiro celeste.

Sem deixar o rival crescer, o Napoli manteve sua presença no ataque e foi cercando o Milan até encontrar a oportunidade do gol. E ela chegou, aos 41´. Depois de aproveitar um passe errado do rival, o time da casa iniciou um contra-ataque. O Milan rapidamente se posicionou em seu campo de defesa, claro, em linha. Mas ninguém do lado rossonero percebeu que Maradona estava no meio de campo só observando a montagem da tal linha para dar o bote. Quando tudo já estava pronto, o baixinho da camisa 10 se mandou para o ataque e pediu a bola. Ela veio, a zaga do Milan foi para frente e o capitão napolitano ficou sozinho, cara a cara com Galli!

Desesperado, o goleirão milanista saiu da área, mas Maradona era mais rápido no pensamento e cabeceou a bola de maneira forte e alta, sem chance alguma de defesa. A redonda foi petecando, petecando e entrou de mansinho no gol vazio: que maravilha! O estádio San Paolo foi aumentando o som do grito de “gol!” a cada toque da bola no gramado. Era o tento inaugural e tão merecido ao time que mais criou chances na primeira etapa. E mais uma mostra do antídoto napolitano para superar a linha rossonera.

Em êxtase com o gol de seu ídolo, a torcida da casa vibrou ainda mais quatro minutos depois. Após um chute lá de trás do goleiro Giuliani em direção à área do Milan, o todo-poderoso Baresi perdeu o tempo da cabeçada e deixou dois napolitanos livres. O problema foi a dupla que o capitão milanista deu liberdade: Maradona e Careca! O argentino ajeitou de cabeça para o camisa 9, que fuzilou o goleiro Galli: 2 a 0! Explosão no San Paolo! Com dois gols de vantagem, ótimo futebol e sabendo como jogar no erro do adversário, o Napoli ia para o vestiário com ótimas vibrações e perspectivas. Ainda era cedo para cantar vitória, mas nem o mais pessimista torcedor poderia duvidar de um triunfo de seu time.

 

Segundo tempo – Vira dois… Acaba quatro!

Depois de uma ensaboada geral de Arrigo Sacchi, o Milan voltou para o segundo tempo com muita pegada e a tradicional corrida pela posse de bola. Quando um jogador do Napoli tinha o domínio, vinham dois, três jogadores para lhe tomar a bola. Só assim para reverter um placar adverso. Mas nem assim seria possível. Com apenas seis minutos, Giuliani cobrou um tiro de meta e a bola sobrou no meio de campo para De Napoli. O volante viu Carnevale na ponta esquerda e, adivinhe, fez um lançamento no exato momento para o atacante escapar de quem? Da linha rossonera! Carnevale foi correndo livre em direção ao gol, invadiu a área e chutou meio que prensado por causa da marcação de Costacurta, que vinha de trás. No entanto, Galli deu rebote e o elemento surpresa Francini só teve o trabalho de tocar para o gol vazio: 3 a 0. Que show! E que balde de agua fria nas pretensões do Milan, que teria pouco mais de meia hora para fazer três gols num time que jogava o fino e não dava condições para tal façanha. Mesmo o Milan sendo aqueeeele Milan.

Um minuto depois, quase o Napoli marcou o quarto quando Maradona roubou a bola de Rijkaard e engatilhou mais um contra-ataque mortal, três contra três, mas o chute de Careca foi defendido com precisão por Galli. Depois disso, o Napoli deu uma natural relaxada e o Milan passou a manter mais a bola em seus pés e a não sofrer tantas pressões dos donos da casa. Esse relaxamento celeste resultou num pênalti cometido em cima de Maldini, aos 20´. Virdis bateu e diminui o revés rossonero para 3 a 1. O gol nem foi comemorado pelos milanistas e nem sequer pareceu gol tamanho desprezo da massa napolitana no estádio. Ainda restavam 25 minutos e Sacchi mexeu no time em busca de um heroico empate. Mas o gol só ajudou a acordar novamente o Napoli.

Os times em campo: com mudanças pontuais no posicionamento, o Napoli surpreendeu o Milan e abusou da velocidade de seu ataque para golear o rival.

Aos 33´, Francini viu Careca em disparada e lançou com perfeição o camisa 9 mais uma vez à frente da linha burra do Milan. O atacante correu livre, invadiu a área e finalizou com maestria para fechar uma goleada inesquecível: 4 a 1. Que espetáculo! Que futebol! E quanta raiva de Arrigo Sacchi no close da câmera após o gol de Careca… O tempo passou e a torcida napolitana não parou de gritar, cantar e enaltecer seus heróis até que o árbitro encerrasse o vareio épico de um time formidável.

Os times em campo: com mudanças pontuais no posicionamento, o Napoli surpreendeu o Milan e abusou da velocidade de seu ataque para golear o rival.

 

Aquela vitória do Napoli foi uma das mais celebradas pela torcida do San Paolo e serviu para mostrar que o Milan de Sacchi não era imbatível. A tal linha de impedimento podia ser transformada em “linha burra” com pitadas de genialidade, toques rápidos, raciocínio e atletas entrosados e orquestrados por um Maradona. Mais do que isso, aquela foi a maior derrota do lendário Milan de Sacchi, que jamais levou quatro gols de qualquer outra equipe entre 1986 e 1990. Por toda essa representatividade, pelos golaços, pelos craques, e pela aura de uma era de ouro do futebol italiano, não é preciso explicar os motivos que fizeram daquele jogo eterno. E ainda fresco na memória de qualquer apaixonado por futebol.

 

Pós-jogo: o que aconteceu depois?

Napoli: o épico triunfo sobre o rival de Milão embalou o Napoli para uma de suas maiores conquistas: a Copa da UEFA. O time de Maradona caminhou a passos largos até a final da competição continental e faturou o inédito título. Já no Campeonato Italiano, a equipe não conseguiu alcançar a Internazionale e acabou com o vice. Na temporada seguinte, o time celeste viveu seu último momento de ouro com a conquista do campeonato nacional de 1989-1990, troféu que serviu como o apagar das luzes do esquadrão mágico de Maradona e Careca, que voltou a golear o Milan, dessa vez por 3 a 0, no duelo em San Paolo. Em Milão, os rossoneros devolveram o placar, mas a taça ficou mesmo em Nápoles.

Maradona com a Copa da UEFA.

Milan: os erros cometidos por sua defesa e a vulnerabilidade apresentada diante do Napoli mexeram com Arrigo Sacchi e todo seu time. Depois daquele fatídico revés, a equipe amadureceu, aumentou ainda mais a força de seu futebol e escreveu a história que todo mundo já conhece: foi bicampeão mundial e bicampeão europeu com atuações fantásticas do trio holandês, da zaga soberana e do meio de campo pegador e exímio marcador. Embora não tenha faturado mais títulos em casa, o Milan de Sacchi foi o grande esquadrão da Itália (e do mundo) naquele final de anos 90. Em 03 de março de 1991, ainda entorpecido pelas conquistas dos anos anteriores, o time do treinador carequinha ainda deu um belo presente para seu torcedor: uma vitória por 4 a 1 sobre o Napoli, em Milão, com gols de Gullit, Rijkaard, Donadoni e Ferrara (contra). O Scudetto não veio naquela temporada e o tricampeonato consecutivo da Liga dos Campeões escapou, mas a revanche sobre os azuis do sul foi devidamente saboreada.

 

O Imortais já relembrou as façanhas desses dois esquadrões. Leia mais nos links abaixo!

Milan 1988-1990

Napoli 1986-1990

 

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