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Esquadrão Imortal – Sporting 1945-1949

Grandes feitos: Tricampeão do Campeonato Português (1946-1947, 1947-1948 e 1948-1949), Bicampeão da Taça de Portugal (1945-1946 e 1947-1948) e Bicampeão do Campeonato de Lisboa (1946-1947 e 1947-1948). Foi o primeiro clube da história de Portugal a conquistar o Campeonato Português por três vezes consecutivas (considerando a “era moderna” do torneio, a partir de 1938. Antes, de 1934 até 1938, houve a Primeira Liga Experimental, que teve o Benfica como primeiro e único tricampeão seguido).

Time base: Azevedo; Álvaro Cardoso e Manuel Marques (Juvenal); Canário, Octávio Barrosa e Veríssimo; Jesus Correia, Vasques, Peyroteo, Travassos e Albano (Armando Ferreira). Técnico: Cândido de Oliveira.

 

“Futebol e Violinos”

Por Guilherme Diniz

Foram poucas temporadas juntos, mas o suficiente para entrar no imaginário de qualquer torcedor e em qualquer livro ou enciclopédia sobre futebol. Entre 1945 e 1949, um time vestido de verde, branco e preto reuniu cinco futebolistas que nem pareciam jogadores pagos para chutar bolas ao gol. Eles pareciam músicos de uma orquestra que fazia questão de lotar estádios e ouvir os mais longos aplausos, os mais sinceros elogios e os mais ávidos suspiros. Com eles em campo, um gol parecia ser fácil demais, simples demais. Dificilmente aquele esquadrão ficava um jogo sem balançar as redes do adversário. Ainda mais se os tais músicos estivessem juntos. Correia. Vasques. Peyroteo. Travassos. Albano.

Cinco homens. Cinco personagens históricos. Cinco Violinos afinados e que anotaram, juntos, mais de 1200 gols com a camisa do Sporting Clube de Portugal, que acabou de vez com a hegemonia de Benfica e Porto e faturou um inédito tricampeonato nacional entre 1946 e 1949, período de ouro e que consagrou de vez um dos times mais prolíficos e avassaladores de toda a Europa. Com seus cinco violinos e uma turma muito bem treinada pelo técnico Cândido de Oliveira, o Sporting não se cansou de golear os rivais de seu país, trucidou times de outras fronteiras e mostrou que Portugal também tinha um grande time mesmo após a II Guerra Mundial e com o mágico e portentoso Torino, da Itália, também brilhando. É hora de relembrar.

 

Em busca do timbre perfeito

Peyroteo em ação: craque foi o alicerce para a construção de um time histórico.
Peyroteo em ação: craque foi o alicerce para a construção de um time histórico.

 

Após os quatro campeonatos “experimentais” realizados entre 1934 e 1938, Portugal ganhou o Campeonato Português em definitivo a partir da temporada 1938-1939, que teve como campeão o Porto. Depois do bicampeonato dos Dragões em 1939-1940, o Sporting conquistou seu primeiro título em 1940-1941 sob o comando do húngaro Joseph Szabo e já com um atacante extremamente goleador e que faria história com uma média de gols simplesmente impressionante: Fernando Peyroteo, que no Campeonato Português daquela época marcou 29 gols em apenas 14 jogos! Entre 1941 e 1943, o Benfica faturou um bicampeonato, mas o Sporting voltou a retomar a coroa em 1943-1944. Nas duas temporadas seguintes, mais um título do Benfica e uma surpreendente conquista d´Os Belenenses esfriaram os ânimos do Sporting, que queria manter uma constante e se tornar um verdadeiro gigante do futebol do país a ponto de rivalizar em número de taças com Benfica e Porto.

Foi então que time da capital passou a ser presidido por Antônio Ribeiro Ferreira, que trouxe para o comando técnico o experiente Cândido de Oliveira, ex-jogador que vinha de traumáticas experiências na II Guerra Mundial, na qual fora uma espécie de agente secreto dos ingleses e ficou 18 meses preso em um campo de concentração, sendo libertado somente em 1944, perto do fim do conflito. Democrata convicto, Oliveira organizou as ações técnicas e burocráticas do Sporting a ponto de dar ao clube uma base sólida para poder disputar e vencer tudo o que disputasse.

Naquela época, a equipe já contava com bons nomes como o seguro goleiro Azevedo, os ótimos defensores Octávio Barrosa, Álvaro Cardoso, Juvenal, Manuel Marques (conhecido como Manecas) e Veríssimo, além de Jesus Correia, Peyroteo e Albano. Com esses atletas e Cândido no comando, o Sporting faturou a Taça de Portugal de 1945-1946 após bater Académica (6 a 3), Vitória de Guimarães (5 a 1), Famalicão (11 a 0) e Atlético (4 a 2), na final. Embora tenha ficado na terceira posição no Campeonato Português, o Sporting teve o artilheiro do torneio, Peyroteo, com 37 gols. Após aquele período, Cândido de Oliveira percebeu que faltavam apenas algumas peças para que o time lisboeta alcançasse a qualidade necessária para brigar novamente pelo título nacional. E elas chegaram já na temporada 1946-1947, com os desembarques de Vasques, um atacante virtuoso, cheio de brilho e capaz de marcar gols antológicos, e Travassos, que tinha a função de organizar o ataque e dar bolas açucaradas para Peyroteo e companhia destruírem as zagas rivais. Pronto. O Sporting tinha em seu plantel os jogadores (ou seriam músicos?) certos para retomar a coroa em Portugal e fazer de seu time uma verdadeira orquestra. Era hora do show dos Cinco Violinos.

 

A locomotiva de gols

Os músicos da bola do Sporting: Jesus Correia, Vasques, Peyroteo, Travassos e Albano.
Os músicos da bola do Sporting: Jesus Correia, Vasques, Peyroteo, Travassos e Albano.

 

Como prévia do que estava por vir, o Sporting disputou e venceu o extinto Campeonato de Lisboa, que reunia os principais clubes da capital e servia como preparação antes do cobiçado Campeonato Nacional. Os alviverdes venceram sete, empataram dois e perderam apenas um dos 10 jogos disputados. Em 24 de novembro de 1946, o time da capital estreou no Campeonato Português e colocou em campo pela primeira vez “oficialmente” seus cinco titulares de ataque: Correia, Vasques, Peyroteo, Travassos e Albano. O adversário foi o estreante FC Famalicão, fora de casa, que levou uma surra dos alviverdes: 9 a 5, com cinco gols de Peyroteo, dois de Vasques, um de Travassos e outro de Albano. Foi a melhor estreia possível para o melhor ataque possível. Na partida seguinte, contra o Atlético, mais nove gols e goleada por 9 a 2. Na sequência, a primeira derrota, 2 a 0, para o campeão do ano anterior, Os Belenenses, fora de casa. O revés não abalou os Leões, que despacharam o Porto, em casa, por 3 a 2, massacraram o Académica, em casa, por 9 a 1, e fizeram 5 a 3 no Elvas, fora de casa.

Com seus jogadores cada vez mais entrosados, o time derrotou mais dois adversários (3 a 0 no Vitória de Setúbal, em casa, e 4 a 2 no Boa Vista, fora) e fez questão de mostrar para o rival Benfica que estava disposto a se tornar, de fato, o melhor clube de Portugal. Na 9ª rodada, em casa, o Sporting fez 6 a 1 nos Encarnados, com três gols de Travassos, um de Vasques, um de Peyroteo e outro de Albano, vitória que embalou de vez a equipe alviverde em busca do título. No final do primeiro turno, mais quatro vitórias: 4 a 2 no Estoril Prata, fora, 3 a 1 no Vitória de Guimarães, em casa, 5 a 3 no Olhanense, fora, e 4 a 0 no Sanjoanense, em casa. No returno, a equipe emendou mais oito vitórias seguidas (com destaque para os 3 a 0 sobre Os Belenenses, em casa, e o 4 a 2 em cima do Porto, fora) e acumulou 16 vitórias consecutivas. Após um empate fora de casa em 1 a 1 contra o Vitória de Setúbal, o Benfica acabou com a festa dos Leões na 22ª rodada e venceu o clássico por 3 a 1, em casa, aproveitando a ausência dos Violinos, que não jogaram naquela ocasião.

Sporting

Nas quatro rodadas finais, mais quatro vitórias e o tão merecido título nacional foi consolidado com uma campanha impecável, estrondosa e insuperável: 26 jogos, 23 vitórias, um empate e duas derrotas. O que mais se destacou na campanha do Sporting foi a quantidade de gols marcados: absurdos 123, uma média de 4,73 gols por partida! Os Leões sofreram 40 gols e obtiveram um saldo positivo de 83 tentos. Em casa, a campanha foi ainda melhor: 13 jogos, 13 vitórias, 73 gols marcados e 12 sofridos. Peyroteo, como não poderia deixar de ser, foi o artilheiro do time e do torneio com 43 gols marcados em 19 partidas disputadas (média de 2,26 gols por jogo), um recorde que só seria superado uma única vez, em 1973-1974, pelo argentino Héctor Yazalde, também do Sporting, que anotou 46.

O devastador ataque do Sporting entrou para a história como o melhor de todos os tempos em um único Campeonato Português. Jamais uma equipe portuguesa conseguiu marcar tantos gols como aquele esquadrão. Nem o Benfica de Eusébio, muito menos o Porto de Deco e José Mourinho. Ainda em 1947, o timaço lisboeta teve tempo para enfrentar o poderoso Vasco-BRA, base da Seleção Brasileira da época e com craques como Barbosa, Augusto, Ely, Danilo, Friaça, Lelé e Chico, em um amistoso. Com seus Violinos bem afinados, os alviverdes venceram por 3 a 2, com dois gols de Correia e um de Peyroteo, com Friaça e Lelé descontando para os brasileiros. Vale lembrar que foi naquela época que o ataque leonino ganhou definitivamente o apelido de Cinco Violinos, obra do jornalista Tavares da Silva, que justificou o apelido por causa da “excelência e harmonia do futebol praticado pelo exuberante quinteto que mais parecia uma orquestra”.

 

Para ganhar tudo

Travassos e um dos troféus ganhos pelo Sporting naquela era de ouro.
Travassos e um dos troféus ganhos pelo Sporting naquela era de ouro.

 

Depois de uma temporada mágica, o Sporting manteve a sina vencedora tendo como combustível a reinauguração do remodelado Stadium de Lisboa, antiga casa do clube. Na estreia, em 14 de setembro de 1947, os leoninos empataram em 4 a 4 com o Athletic Bilbao-ESP, que tinha como principal estrela o mítico atacante Telmo Zarra, que marcou dois gols no jogo, mas não foi páreo para Peyroteo, que deixou sua marca três vezes. Após conquistar mais um Campeonato de Lisboa, o Sporting seguiu a passos largos no torneio nacional e venceu sete jogos seguidos. Na 8ª e 9ª rodadas, o time relaxou e perdeu para Os Belenenses (3 a 2) e Benfica (3 a 1), mas voltou a triunfar nas duas rodadas seguintes (6 a 3 no Académica e 8 a 1 no Vitória de Setúbal). Na 12ª rodada, o time voltou a tropeçar (4 a 1 para o Porto) e muitos pensavam que o caneco daquele ano sairia das bandas alviverdes. No entanto, a goleada de 12 a 0 sobre o Lusitano VRSA mostrou que os Leões ainda estavam no páreo mesmo sem o embalo e a série de vitórias consecutivas de antes.

O Sporting e seus Violinos: embora o sistema defensivo ficasse desprotegido, a quantidade de gols marcada pelo ataque era mais do que suficiente para (muitas) as vitórias.
O Sporting e seus Violinos: embora o sistema defensivo ficasse desprotegido, o ataque supria qualquer necessidade com muitos, mas muitos gols.

 

A partir da 19ª rodada, o time entrou em uma fase decisiva da competição e sabia que não poderia perder pontos, pois o rival Benfica estava lado a lado dos Leões. Após vencer o Olhanense, em casa, por 3 a 2, e bater o Braga, fora, por 3 a 1, o Sporting empatou em 4 a 4 com Os Belenenses e foi para a 22ª rodada com a necessidade de vencer o Benfica, fora de casa, se quisesse manter suas chances de título. O rival vermelho estava dois pontos à frente e ainda tinha a vantagem do triunfo por 3 a 1 no primeiro turno em plena casa leonina, fato que ainda causava dores de cabeça na torcida e enorme pressão por parte da diretoria. Para piorar, um diretor do Sporting teria dito nas vésperas do jogo que Cândido de Oliveira, técnico do Sporting, era “benfiquista” e armaria uma tática suicida para sacramentar o título do rival. Oliveira ouviu tudo calado e armou seu time da mesma maneira que já estava acostumado, com seus Violinos devidamente afinados e prontos para o show.

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Jogando no estádio Estância de Madeira, o Sporting mostrou sua força e goleou por 4 a 1, com quatro gols de Peyroteo, resultado que calou as críticas, devolveu a liderança aos Leões e mostrou que Cândido de Oliveira podia até ter um passado benfiquista, mas era fiel ao seu Sporting. Em meio à festa, Oliveira ameaçou se demitir como resposta ao tal dirigente, mas voltou atrás depois que o autor da fatídica frase se desculpou e ofereceu até seu cargo em troca da permanência do treinador. Ambos ficaram, o Sporting manteve a pegada competitiva e o bicampeonato foi conquistado com uma campanha não tão brilhante como a de 1946-1947, mas tão imponente quanto: 26 jogos, 20 vitórias, um empate, cinco derrotas, 92 gols marcados (melhor ataque) e 40 gols sofridos.

Dobradinha e fama internacional

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Após o bicampeonato português, o Sporting partiu em busca do título da Taça de Portugal, que voltava a ser disputada após um hiato de um ano. Os alviverdes eliminaram Vitória de Guimarães (5 a 1), Estoril Prata (6 a 2) e Portimonense (6 a 1) até chegarem à semifinal. Nela, outra vez o rival Benfica pelo caminho, e outro triunfo saboroso: 3 a 0, com dois gols de Peyroteo e um de Albano. Na decisão, os Leões tiveram pela frente Os Belenenses e sua defesa difícil de ser batida, com as “Torres de Belém” Capela, Feliciano, Vasco e Francisco Gomes. Logo no começo do jogo, o goleiro Azevedo sofreu uma contusão que o deixou praticamente com um pé inutilizável durante toda a partida, algo que poderia ser um triunfo a ser explorado pelo clube de Belém. No entanto, Azevedo mostrou-se bravo e aguerrido, levou apenas um golzinho e viu o sempre pontual ataque alviverde garantir tudo lá na frente. Peyroteo, duas vezes, e Albano fizeram os gols da vitória por 3 a 1 que deu ao Sporting mais um título nacional e a terceira Taça de Portugal consecutiva. Após o heroísmo de Azevedo, Álvaro Cardoso, capitão do time e que se aposentava naquele final de temporada, deixou a braçadeira com o guarda-metas leonino.

Além dos títulos de 1947-1948, o Sporting expandiu sua fama pelo continente e mexeu um pouco com a popularidade do grande esquadrão europeu da época, o Torino-ITA, que colecionava feitos impressionantes no futebol italiano e dava show com Loik, Valentino Mazzola e outros craques. Alguns times de outros países revolveram testar o poderio dos portugueses a partir de 1948 e se deram muito mal. O primeiro deles foi o Lille-FRA, então campeão francês, que levou de 8 a 2 dos Leões. Depois, foi a vez do Atlético de Madrid-ESP convidar o esquadrão alviverde para inaugurar o remodelado Estádio Metropolitano de Madrid, em 5 de setembro de 1948. Naquele dia, Jesus Correia viveu seu “dia de Peyroteo” e marcou todos os seis gols da goleada do Sporting sobre os espanhóis por 6 a 3. Ainda em 1948, o Sporting goleou o Norrköping-SUE, campeão sueco, por 8 a 2, e o AIK, também da Suécia, por 4 a 1. Famosos e irresistíveis, os Leões de Lisboa só precisavam de mais um desafio: encarar o Torino, para ver quem era realmente o melhor time do continente.

Mas o desastre aéreo de Superga, que matou todo o time titular do esquadrão italiano, também sepultou as esperanças de um duelo histórico para qualquer amante do futebol. As equipes até iriam se enfrentar, em junho de 1949, mas no melancólico primeiro jogo do Torino fora da Itália após o desastre de 04 de maio, no qual o clube grená jogou cheio de jogadores juvenis e foi presa fácil para os portugueses, que venceram por 3 a 1 (três gols de Peyroteo). A partida valeu uma vaga na decisão da Taça Latina, torneio que reunia os campeões de Itália, França, Espanha e Portugal, e teve como vencedor o Barcelona-ESP, que derrotou o próprio Sporting na final (disputada em solo espanhol) por 2 a 1, na qual Peyroteo não jogou em sua melhor forma física por causa de uma contusão no duelo contra o Torino.

 

Tricampeões e uma inesperada derrota

Peyroteo (2)

Após as fortes emoções do campeonato passado, a torcida do Sporting queria um título nacional mais brando e sem sufoco. E foi exatamente isso que os Violinos deram aos seus fãs. Mais experientes, entrosados e calejados com os erros da temporada anterior, os jogadores do clube alviverde emendaram cinco vitórias seguidas (com direito a um 12 a 1 no Boa Vista, com oito gols de Peyroteo!) e ainda tiraram onda dos maiores rivais do time na época: Os Belenenses e Benfica. O primeiro perdeu de 4 a 1 e levou três gols de Peyroteo e um de Albano, já o segundo levou de 5 a 1, com dois gols de Vasques, um de Correia, um de Peyroteo e outro de Albano. No returno, o Sporting voltou a vencer Os Belenenses, dessa vez em casa, por 5 a 1, e empatou em 3 a 3 com o Benfica, fora. Com Peyroteo devastador, o time alviverde faturou o título com cinco pontos de vantagem sobre o rival encarnado. Foram 26 jogos, 20 vitórias, dois empates, quatro derrotas, 100 gols marcados (melhor ataque, claro) e 35 sofridos.

Peyroteo voltou a ser o artilheiro do torneio com 40 gols em 23 jogos disputados e fez do Sporting o primeiro clube tricampeão consecutivo da história do Campeonato Português. Para aumentar ainda mais o ego dos alviverdes e a inveja dos rivais, o clube ganhou o vigoroso e imponente troféu “O Século”, dado pelo jornal homônimo pelo fato de o Sporting ter vencido o torneio três vezes consecutivas (a taça foi criada em 1938 e seria conquistada pelo clube que vencesse o campeonato três vezes seguidas, cinco vezes alternadas ou pelo maior vencedor em 10 anos).

Peyroteo com o troféu "O Século", entregue juntamente com o título do Campeonato Português de 1948.
Peyroteo com o troféu “O Século”, entregue juntamente com o título do Campeonato Português de 1948.

 

Mas nem tudo foi glória para o Sporting naquela temporada. Além do revés na Taça Latina, como foi descrito anteriormente, a equipe sofreu uma derrota inesperada e vexatória logo na primeira rodada eliminatória da Taça de Portugal, torneio que o clube era tricampeão e lutava pelo tetracampeonato consecutivo. Jogando com muita soberba, sem vários titulares e apenas dois “violinos” (Albano e Vasques), a equipe alviverde enfrentou o modestíssimo Tirsense, da 3ª divisão, e perdeu por 2 a 1, de virada (!), resultado que espantou Portugal e foi tido como uma das maiores zebras de toda a história futebolística do país.

 

O fim da melodia

Após o tricampeonato nacional, o Sporting começou a perder os músicos de sua orquestra, mas não o faro de títulos. Mesmo sem Peyroteo, o primeiro a deixar o quinteto dos Violinos, a equipe ainda faturou mais quatro Campeonatos Portugueses, conquistados de maneira consecutiva entre as temporadas 1950-1951 e 1953-1954, troféus que colocaram o clube no mais alto patamar do futebol lusitano. Na temporada 1955-1956, o clube teve a honra de realizar a primeira partida da história da Liga dos Campeões da UEFA, no empate em 3 a 3 contra o Partizan-IUG. No entanto, o auge da equipe terminaria exatamente naquela época para que o Benfica, sempre ele, voltasse a dominar as ações em Portugal com o mítico esquadrão que faturou títulos e mais títulos no final dos anos 50 e em toda a década de 60, com Eusébio, Coluna e Cia. Nas temporadas seguintes ao período de ouro, o clube venceu vários títulos, claro, mas sem o ímpeto e o absolutismo dos tempos em que atacantes vigorosos e prolíficos enchiam de música e melodias todo e qualquer campo de Portugal. Eram tempos de pura arte, de afinação plena e de aplausos a um esquadrão que jogava sob o puro som de violinos imortais.

 

Os personagens:

Azevedo: muito identificado com a torcida alviverde, Azevedo se destacava pela valentia em campo e por não se importar com contusões ou dores para defender a meta leonina. Foi herói em vários jogos do clube, principalmente na final da Taça de Portugal de 1948, quando atuou os 90 minutos mesmo com o pé machucado. Muito ágil, costumava fumar um cigarrinho antes dos jogos para “esfriar os ânimos” e jogou de 1935 até 1953 na equipe de Lisboa.

Álvaro Cardoso: foi o grande capitão do Sporting naqueles anos de ouro e soberano no setor defensivo do time. Vigoroso, líder, raçudo, mas também muito técnico, Cardoso era muito importante nas saídas de bola e na ligação defesa-ataque do time. Jogou durante 10 temporadas no Sporting e foi ídolo da torcida.

Manuel Marques: sempre de bem com a vida e muito simpático, “Manecas” foi criado no Sporting e jamais vestiu outra camisa entre 1935 e 1951, período em que foi jogador profissional. Era muito regular e atuava bem tanto na defesa quanto no meio de campo. Foi ótimo para manter o ambiente leonino sempre em harmonia por causa das brincadeiras que costumava fazer. Disputou mais de 360 partidas pelo clube.

Juvenal: defensor correto, jogava o simples e não hesitava em dar chutões para afastar o perigo. Não foi titular absoluto, mas jogou muitas partidas do campeonato nacional entre 1947 e 1950.

Canário: começou a carreira como atacante, mas o húngaro Joseph Szabo transformou Carlos Canário em meio-campista, posição que consagrou para sempre o jogador na equipe dos Violinos. Com muita técnica e grande visão de jogo, Canário caiu como uma luva no esquema tático da equipe e deu vários passes para a turma de frente marcar gols e mais gols. Foi fundamental para iniciar vários contra-ataques e disputou quase 300 jogos pelo clube.

Octávio Barrosa: outro jogador criado no Sporting, Barrosa jogou de 1937 até 1950 no clube alviverde e jamais vestiu outro manto. Com cara de mau e muita resistência física, atuava como volante ou mesmo pela direita do setor defensivo. Após pendurar as chuteiras, trabalhou em várias áreas administrativas do clube.

Veríssimo: meio-campista e lateral de muita eficiência nos desarmes e na marcação, Veríssimo Martins Alves começou a carreira no próprio Sporting e jogou de 1941 até 1953 na equipe alviverde. Disputou mais de 220 jogos pelo clube.

Jesus Correia: virtuoso velocista e exímio nos cruzamentos, Correia foi o dono da ponta direita e um dos principais jogadores do time entre 1943 e 1953, quando esbanjou eficiência, domínio perfeito de bola, dribles e assistências magistrais. Jogou toda a carreira no clube alviverde, disputou 315 jogos e marcou 254 gols pelo clube.

Vasques: dos cinco atacantes, era o único que não despertava paixão semelhante a dos companheiros no torcedor leonino. Motivo? Vasques não costumava demonstrar a raça e vigor dos outros. Ele preferia esperar a bola para executar uma jogada marcante ou marcar um gol de antologia, suas principais características. Mesmo sem esse apelo emocional e o desprezo pelo simples, Vasques foi sublime com a bola nos pés e se tornou o terceiro maior artilheiro da história do clube com 225 gols em 349 jogos. Artista da bola, Vasques jogou de 1946 até 1959 no clube alviverde.

Peyroteo: com todo respeito a Gerd Müller, Puskás, Pelé e tantos outros artilheiros, mas nenhum deles foi tão prolífico, tão matador e tão arrebatador no quesito gols quanto Fernando Peyroteo. Com médias de gols simplesmente absurdas, o craque foi um monstro do futebol português e mundial nos anos 40 e marcou época como o maior artilheiro de seu tempo. O atacante é até hoje o maior goleador da história do Campeonato Português (à frente da lenda Eusébio, inclusive) e também do Sporting. Sem ele, o clube alviverde não teria conseguido nem metade dos títulos que faturou naquela era de ouro. O Imortais já relembrou a carreira desse mito. Leia mais clicando aqui.

Travassos: atarracado, mas muito forte e técnico, Travassos jogou mais de uma década no Sporting e foi o verdadeiro motor do ataque leonino, se movimentando constantemente e confundindo as defesas rivais. Por causa de sua habilidade, sofreu com os zagueiros e teve que tirar três meniscos. Disputou 321 jogos pelo Sporting e marcou 128 gols. Em 1955, perto do final da carreira, se tornou o primeiro futebolista português a integrar a Seleção da Europa que venceu a Inglaterra por 4 a 1, façanha que lhe deu o apelido de “Zé da Europa”.

Albano: driblador ao extremo e muito veloz, o baixinho era infernal pela ponta esquerda e cansou de fazer seus rivais sentarem, literalmente, em campo. Brincalhão e arisco, Albano foi essencial para o ataque leonino entre 1943 e 1957 e marcou cerca de 162 gols em 334 jogos. Foi um dos poucos a se dar bem diante da temida zaga d´Os Belenenses dos anos 40, que via sua fama de intransponível cair por terra diante do habilidoso atacante.

Armando Ferreira: assim como vários atacantes daquela época, Ferreira teve o azar de ter que brigar por uma vaga com os Violinos do Sporting e foi um reserva de luxo da equipe. quando entrava, mostrava eficiência na bola aérea e muita habilidade. Disputou 143 jogos pelo Sporting entre 1939 e 1949 e marcou 58 gols.

Cândido de Oliveira (Técnico): entusiasta e grande amigo dos jogadores, Cândido de Oliveira foi o grande responsável pelo auge técnico e tático do melhor Sporting de todos os tempos. Sem medo de atacar e extraindo o máximo de seus atletas, o treinador comandou com pulso firme seu elenco e faturou títulos históricos. Mesmo quando teve o auxílio de Robert Kelly e Fernando Vaz, não perdeu a força no comando e marcou seu nome no futebol português.

 

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Comentários encerrados

4 Comentários

  1. Ótimo texto,não conhecia este Sporting,só estou sentindo um pouco de falta das publicações do “Esquadrão Imortal”,mas quando colocam algum time novo é sempre muito bem escrito e detalhado,parabéns !

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