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Jogos Eternos – EUA 1×0 Inglaterra 1950

Data: 29 de junho de 1950

O que estava em jogo: a vitória, claro, e preciosos pontos em busca de uma vaga na segunda fase da Copa do Mundo da FIFA de 1950.

Local: Estádio Independência, Belo Horizonte (MG), Brasil.

Juiz: Generoso Datillo (ITA)

Público: 10.151 pessoas (pagantes) / 13 mil pessoas (total)

Os Times:

Estados Unidos da América: Borghi; Keough e Maca; McIlvenny, Colombo e Bahr; Edward Souza, John Souza, Gaetjens, Pariani e Mullen. Técnico: William “Bill” Jeffrey.

Inglaterra: Williams; Ramsey, Wright e Aston; Hughes e Dickinson; Finney, Mortensen, Bentley, Mannion e Mullen. Técnico: Walter Winterbottom.

Placar: EUA 1×0 Inglaterra. Gol: (Gaetjens-EUA, aos 38’ do 1º T).

 

“The Biggest Zebra of All Time”

Por Guilherme Diniz

Os chamados “inventores do futebol” chegaram ao Brasil com aquela soberba característica. Pela primeira vez, eles iriam disputar uma Copa do Mundo. Depois de uma longa viagem pelo Atlântico, eles tinham certeza de que o esforço valeria a pena. Estavam na América para serem campeões do mundo. Óbvio que seriam, pensavam todos. Eles tinham Billy Wright, Alf Ramsey, Stanley Matthews… Em 30 jogos antes do início da Copa, venceram 23. Não tinham adversários. Classificados no Grupo 2, ao lado de Espanha, Chile e Estados Unidos, os ingleses esnobavam. “Humpf, too easy…” No primeiro jogo, vitória por 2 a 0 sobre os sul-americanos, fácil, fácil. O próximo compromisso seria contra os americanos. Os amadores americanos. Eles não levavam o futebol a sério. Não tinham equipe profissional. O selecionado era composto por homens que tinham outras ocupações. Tinha professor, mecânico, lavador de pratos, carteiro e até um motorista de carro funerário e ex-médico na II Guerra Mundial. Em Belo Horizonte, pouco mais de dez mil pessoas estavam preparadas para ver um baile inglês. Daria até dó dos americanos.

Porém, algo surreal aconteceu. Um haitiano, aos 38’ do primeiro tempo, marcou um gol. Para os EUA. E, por mais que a Inglaterra atacasse e chutasse, a bola não entraria mais, nem nos minutos derradeiros da primeira etapa, nem na segunda. Quando o árbitro italiano Generoso Dattilo apitou o final do jogo, ninguém acreditava no que tinha acabado de acontecer. Os profissionais do futebol ingleses perdiam para os amadores americanos. Em polvorosa, a torcida invadiu o gramado para celebrar com os perplexos americanos. Foram levados aos céus. Estava sacramentada, como o título deste texto, a maior zebra de todos os tempos na história das Copas. Para você ter uma ideia do impacto daquela vitória, seria como a Espanha, em seu auge, perdesse para o Taiti na Copa das Confederações de 2013 um jogo que ela ganhou por 10 a 0. Ou se a Holanda de Cruyff topasse com o Zaire no Mundial de 1974 e perdesse. Foi simplesmente épico. Histórico. E virou até filme de Hollywood. É hora de relembrar.

 

Pré-jogo

A taça Jules Rimet chega ao Brasil sã e salva, após ficar 12 anos com os italianos: disputa aberta! Foto: Getty Images.

 

Após 12 anos de hiato, eis que a Copa do Mundo da FIFA voltava à cena naquele ano de 1950, no Brasil. Por conta da II Guerra Mundial, o torneio teve que esperar a “poeira abaixar”, literalmente, e isso prejudicou demais a competição em si, que não teve a chance de ver craques que brilharam no Grande Torino, na Seleção Argentina e também no Sporting de Portugal, sem dúvida os maiores esquadrões dos anos 40. Naquela Copa, a Itália não poderia contar com os craques do Torino por causa da tragédia de Superga, a Argentina não disputaria o Mundial por atritos com o vizinho Brasil e pela debandada de seus jogadores para uma liga pirata na Colômbia, fora da jurisdição da FIFA e que os impediam de atuar pela Albiceleste (leia mais clicando aqui) e Portugal, já sem contar com o auge dos craques do Sporting, não conseguiu vencer a Espanha nas Eliminatórias. Por causa do período de reconstrução e da localização da Copa, na América do Sul, muitas seleções acabaram desistindo de participar, mas, incrivelmente, uma fez questão de vir pela primeira vez: a Inglaterra.

Os ingleses garantiram sua vaga ao vencerem os três jogos das Eliminatórias disputadas entre outubro de 1949 e abril de 1950, que também valiam pelo Torneio Inter Britânico de seleções (ou British Home Championship), torneio disputado por Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte. O English Team goleou País de Gales (4 a 1) e Irlanda do Norte (9 a 2) e foi para a última rodada precisando da vitória para se classificar, e, de quebra, vencer o título. O adversário foi a Escócia, fora de casa, em um Hampden Park repleto com mais de 130 mil pessoas (!). Mesmo com a frenesi da torcida, Bentley fez o gol salvador inglês e decretou a vitória por 1 a 0 que selou a vaga na Copa e o título do torneio. O curioso é que, mesmo com o vice, a Escócia teria uma vaga garantida na Copa. Mas a federação escocesa comunicou previamente que só viajaria para o Brasil se fosse campeã do torneio. Como isso não aconteceu, eles permaneceram na Europa.

Stanley Matthews (à esq.), um dos craques da Inglaterra na época.

 

Conhecidos como os “Reis do Futebol”, por terem organizado e inventado as regras do esporte, os ingleses seriam os adversários a serem batidos na Copa. Com um bom sistema defensivo e jogadores eficientes em todos os setores, eles pareciam não ter rivais. Prova disso era o retrospecto no pós-guerra: 23 vitórias, três empates e apenas quatro derrotas. Vale destacar nesse período a goleada de 4 a 0 sobre a Itália, em Turim, uma impressionante de 10 a 0 sobre Portugal, em Lisboa e com vários jogadores do Sporting, em 1947, e uma goleada de 6 a 1 de um combinado britânico sobre uma seleção do resto da Europa, também em 1947.

Do outro lado do Atlântico, os EUA não tiveram tanta tranquilidade como os europeus. Os americanos já haviam participado do primeiro Mundial, em 1930, no qual foram terceiros colocados – melhor posição da história do país no torneio -, e também em 1934, quando ficaram na 16ª e última posição. Nas Eliminatórias para a Copa de 1950, após um acordo entre os concorrentes às duas vagas, México, Cuba e EUA decidiram disputar todas as partidas na Cidade do México, para evitar grandes deslocamentos, com todos os jogos marcados para o mês de setembro de 1949. Na chamada primeira fase, os EUA perderam por 6 a 0 para o México e empataram em 1 a 1 com Cuba. Na segunda fase, nova derrota para os mexicanos, dessa vez por 6 a 2, e vitória por 5 a 2 sobre Cuba, resultado que garantiu os americanos na segunda posição, e, claro, na Copa. Muitos pensavam que os “Yanks” iriam desistir de viajar até o Brasil por causa das surras levadas pelo México e pelo péssimo retrospecto contra equipes de outros continentes nos últimos anos, incluindo nessa conta as seguintes derrotas:

 

– 7 a 1 para a Itália, na Copa de 1934;

– duas derrotas para a Escócia (5 a 1 e 4 a 1), em amistosos disputados em 1935;

– 9 a 0 para a Itália, nas Olimpíadas de Londres de 1948;

– 11 a 0 para a Noruega e 5 a 0 para a Irlanda do Norte, em amistosos de 1948;

– 4 a 0 para a Escócia, em amistoso disputado em 1949.

 

Era um retrospecto pavoroso, com 45 gols sofridos – média de seis gols sofridos por jogo (!) – e apenas três marcados em sete jogos. Mesmo assim, eles foram para a disputa com um time basicamente amador. Walter Bahr era professor, o goleiro Borghi era motorista de carro funerário e havia sido médico na II Guerra Mundial, vários outros trabalhavam como carteiros ou lavadores de prato, enfim, o futebol não era o ganha-pão daqueles homens, tanto é que Ben McLaughlin não pôde ir ao Brasil por não conseguir liberação em seu trabalho (!). Além disso, três não eram americanos: McIlvenny era escocês, Joe Maca, belga, e Joe Gaetjens era haitiano. Nem treinar direito eles conseguiram antes de viajar – foi apenas um único bate-bola até a ida ao Brasil. Ou seja, qual a chance de uma seleção que nem dava muita importância para o soccer reverter esse cenário no Brasil? Praticamente zero.

Mulheres prestigiam o treino inglês, antes do duelo contra o Chile, em 1950. Foto: Getty Images.

 

Com a bola rolando no Grupo 2, a Inglaterra venceu o Chile por 2 a 0, no Maracanã, jogando o básico, sem pressa e de maneira burocrática. A partida de estreia dos ingleses era muito esperada, mas acabou fraca de público – pouco mais de 29 mil pessoas – por causa da chuva. A Inglaterra se deu ao luxo de não escalar Stanley Matthews (leia mais sobre ele clicando aqui), a estrela do time, que estava no Canadá participando de uma série de amistosos diplomáticos. Já os EUA perderam por 3 a 1 para a Espanha, de virada, e aumentaram a sequência de derrotas em compromissos internacionais. Eis que chegou o dia 29 de junho de 1950. Em Belo Horizonte, pouco mais de 10 mil pessoas estavam no Independência para presenciar um verdadeiro baile inglês.

A confiança do time europeu era tanta que Matthews, recém-chegado do Canadá, não foi escalado, pois não “seria necessário”. O técnico do selecionado americano, William Jeffrey, admitiu na época que o time dele não teria chances contra os ingleses e que seus jogadores eram “ovelhas prontas para serem abatidas”. O jornal inglês The Daily Express até ironizou dizendo que “seria justo dar a eles (americanos) três gols de vantagem no início do jogo”. O estádio Independência estava pronto para ser palco de um dos maiores massacres da história do futebol. Pelo menos era o que todo mundo acreditava…

 

Primeiro tempo – Apenas um gol. Um improvável gol

Billy Wright, capitão da Inglaterra, e Ed McIlvenny, capitão americano. O técnico Jeffrey decidiu tirar a braçadeira de Walter Bahr e passar para o meio-campista simplesmente por ele “ser britânico”.

 

Quando a bola começou a rolar em Belo Horizonte, a Inglaterra deu às cartas e começou a atacar os americanos logo com um minuto e meio de jogo, quando Bentley forçou o goleiro Borghi a fazer a primeira – de muitas que ele faria – defesa do jogo. Nos primeiros 12 minutos, a equipe inglesa encurralou os EUA em seu próprio campo e teve seis chances claras, com dois chutes na trave e outro brilhantemente defendido por Borghi. Quando tentava manter a bola em seus pés, os EUA não conseguiam fazer uma boa sequência de passes e perdiam a redonda facilmente para os rivais. Porém, o tempo passava e nada de gol. A torcida, certa de que veria uma goleada, começou a simpatizar com a bravura dos americanos, que deram seu primeiro chute aos 25’, para uma fácil defesa de Williams. Os ingleses responderam com mais três chances seguidas entre os 30 e 33 minutos, mas todas foram desperdiçadas por Mortensen, duas vezes, e Finney.

O goleiro Borghi (à dir.) em ação: ele pegou tudo e mais um pouco no jogo.

 

Foi então que, aos 38’, um lance improvável fez o Independência explodir. McIlvenny, capitão americano naquela partida, cobrou um lateral para Bahr, que chutou sem grandes pretensões para a área inglesa. Williams avançou à direita para interceptar o chute, mas o centroavante Gaetjens estava na área. Ele cabeceou, tirou do goleiro, e a bola foi parar dentro do gol: 1 a 0. Um haitiano, que estudava contabilidade nos EUA e pagava suas contas lavando pratos em um restaurante no Brooklin, Nova York, marcava um gol impressionante, inacreditável, nos profissionais cheios de pompa do Velho Continente.

Gaetjens (à dir.), o autor do gol americano, e o goleiro inglês Williams (à esq.). A foto engana, mas não foi o momento do gol. Note que a bola está do lado de fora da rede.

 

Aqui sim: Alf Ramsey (à dir.), olha a bola indo em direção ao gol: 1 a 0 para os EUA! Foto: Getty Images

 

A torcida festejou demais, com algumas invasões no campo por causa dos “penetras” que entraram de graça pelo Morro da Pitimba (que é hoje a parte fechada do estádio Independência). Como o muro era baixo e fácil de ser escalado, a galera aproveitou e viu a partida dali, justamente o lado onde Gaetjens marcou o gol. A Inglaterra sentiu o golpe e tentou empatar, mas a bola teimou em não entrar. Terminado o primeiro tempo, o saldo era incríveis 30 chutes a gol dos ingleses contra apenas dois dos americanos. Porém, o que valia era o placar. Mas será que eles conseguiriam aguentar mais 45 minutos sem levar um gol sequer?

 

Segundo tempo – The Miracle!

Tom Finney (centro) disputa a bola com os americanos Charlie Colombo e Walter Bahr: marcação americana foi cerrada na segunda etapa! Foto: AFP / Getty Images.

 

Com a vantagem no placar, o técnico William “Bill” Jeffrey não teve outra escolha: mandou seus jogadores ficarem atrás da linha do meio de campo e conterem as investidas inglesas de todas as maneiras. E foi exatamente isso que eles fizeram. Com uma aplicação fantástica, os americanos cercavam os rivais de maneira plena. Por mais que eles chutassem, a bola não entrava. E Borghi, ávido e sempre bem posicionado, fazia o jogo mais espetacular de sua vida. Aos 14’, Mortensen arriscou uma cobrança de falta e Borghi defendeu. Ele parecia estar de corpo fechado! O tempo passava e os nervos dos ingleses ficavam mais aflorados. Os americanos, pertos de um feito histórico, só queriam que o jogo acabasse logo e demonstravam cada vez mais raça nas jogadas.

Faltando oito minutos para o fim, Charlie Colombo deu praticamente um golpe de futebol americano em Mortensen bem perto da área. Os ingleses pediram pênalti, mas o juiz deu apenas falta fora da área. Na cobrança, Ramsey mandou a bola na cabeça de Jimmy Mullen, que cabeceou para o gol e chegou até a comemorar, mas Borghi, outra vez, tirou o gosto do inglês. Os jogadores europeus protestaram dizendo que a bola havia entrado, mas ela não cruzou a linha do gol. Foi a chance mais clara dos ingleses naquela segunda etapa.

Os times em campo: marcação americana aumentou no segundo tempo e prejudicou o jogo inglês.

 

Os EUA tentaram uma resposta aos 40’, num chute de Frank Wallace, mas o zagueiro Alf Ramsey conseguiu interceptar o chute do americano, salvando o goleiro Williams e a Inglaterra de levar mais um. Quando o árbitro apitou o final do jogo, estava sacramentado o milagre. Ou melhor, the miracle! Os EUA haviam derrotado os ingleses, senhores do futebol, em plena Copa do Mundo, no primeiro confronto entre as duas seleções em toda a história. A torcida, eufórica, não se conteve e invadiu o gramado para erguer os jogadores americanos, em especial o autor do gol, Gaetjens. Do lado inglês, o sentimento era de incredulidade, mas de respeito pela façanha do rival.

 

Jornais britânicos deram apenas algumas manchetes sobre o jogo, mas salientaram que o English Team foi vencido por “amadores”.

 

Aqui, no Aberdeen Journal do dia seguinte, críticas ferrenhas. Note no segundo parágrafo os dizeres em negrito “foi patético assistir o futebol inglês ser batido por um time amador que seria vencido em casa, e isso não foi por sorte” (destacando que a vitória americana não foi um acaso, mas sim falta de competência dos ingleses mesmo).

 

 

Nos jornais brasileiros, a vitória americana foi manchete de destaque e Belo Horizonte teve farra até o amanhecer do dia seguinte, com os jogadores americanos sendo tratados como verdadeiros heróis pelo povo mineiro. O jornalista Plínio Barreto, testemunha daquele jogo, contou sobre a repercussão da partida na época em entrevista publicada no Portal da Copa, em reportagem de Carol Delmazo (leia mais clicando aqui ):

 

“Aquele 1 x 0 tomou conta do noticiário. A grande zebra do “Colosso do Horto” virou manchete internacional. Foi um resultado que deixou o mundo esportivo inteiro estupefato. Nem se sabia que tinha futebol nos Estados Unidos. A Inglaterra era a Inglaterra. E perdeu”.

 

Walter Bahr, jogador americano daquele time, também comentou sobre a façanha:

 

“O jogo perfeito é vencer e jogar bem. Ganhamos, mas com certeza não fomos melhores do que a Inglaterra. Foi um daqueles jogos onde a melhor equipe não ganha. Eu estou orgulhoso disso. Tínhamos uma boa equipe. Mas, se jogássemos contra a Inglaterra 10 vezes, eles teriam ganhado nove”.Walter Bahr, em entrevista ao The Guardian (Reino Unido), 10 de junho de 2010.

Gaetjens é carregado pela torcida brasileira após o jogo: um dia para a história do futebol!

 

Quando a notícia começou a percorrer o mundo, muitos não acreditavam no que havia acontecido. E, claro, uma engraçada lenda surgiu. Na Inglaterra, dizem que quando o placar “England 0-1 USA” chegou em algumas redações, pensaram se tratar de um equívoco e consertaram rapidamente para “England 10-1 USA”. Faltava um número, pensavam os repórteres. Mas não faltava. Era a mais pura verdade. Naquele dia, o futebol dava (talvez) sua primeira prova de que ele não obedecia à lei do favorito. Tudo teria que ser decidido em 90 minutos. Prepotência e “já ganhou” seriam punidos. Todo e qualquer time teria a mesma chance que o outro. Bastava uma tática certa. Um lance de sorte. Um gol.

Dali em diante, estava plantada a máxima de que não existe favoritismo no esporte mais popular do planeta. Principalmente em Copa do Mundo, competição que protagonizaria muitas outras surpresas nas décadas seguintes – e até naquela mesma Copa, quando o “favorito” Brasil sucumbiu em sua própria casa diante do Uruguai. Desde então, teve Maracanazo, Milagre de Berna, vitória norte-coreana sobre a Azzurra, queda de Carrossel, Tragédia do Sarriá… Mas nenhum desses e tantos outros episódios nas Copas foi tão marcante quanto a vitória dos EUA em 1950. Uma vitória que perdura até hoje como a maior de todas as zebras. E seguirá assim por muito tempo.

 

Pós-jogo – O que aconteceu depois?

EUA: a vitória sobre a Inglaterra deu um ânimo absurdo aos americanos, que tinham chances remotas de classificação para a segunda fase. Eles teriam que vencer e a Espanha perder para a Inglaterra, no Maracanã. Com isso, espanhóis, ingleses e americanos brigariam por uma vaga em um mini torneio eliminatório – algo que geraria um problema enorme aos organizadores, pois não havia datas disponíveis para mais jogos. O time Yank viajou até o Recife para enfrentar o Chile, já eliminado, na Ilha do Retiro. Mas, no primeiro tempo, o Chile abriu 2 a 0 e esfriou as pretensões americanas. Porém, no intervalo, quando souberam que Espanha e Inglaterra empatavam em 0 a 0 no Maracanã, os americanos entraram no segundo tempo como foguetes e empataram o jogo em apenas quatro minutos.

No entanto, Telmo Zarra, craque da Espanha, abriu o placar para sua seleção quase no mesmo minuto em que os EUA empataram no Recife. O Chile marcou dois gols em seguida e abalou os americanos, que, cansados, levaram o quinto e perderam por 5 a 2. Era a despedida do time, que voltava para casa feliz pela façanha protagonizada dias antes em BH. Ao contrário do que aconteceria em outros países, os americanos não foram recebidos com festa. Muito pelo contrário. Por lá, pouco se destacou a vitória na mídia. O soccer realmente ficava em segundo plano, como bem disse Walter Bahr ao mesmo The Guardian, em 2010:

 

“Nós sabíamos que havia sido algo especial, mas a maioria dos jornais americanos deu uma pequena coluna sobre o jogo, erraram o placar, o nome dos jogadores… O The New York Times deu dois parágrafos”.

O time americano da epopeia. Em pé: Chubby Lions (manager), Joe Maca, Charlie Colombo, Frank Borghi, Harry Keough, Walter Bahr e o técnico Bill Jeffrey. Agachados: Frank Wallace, Ed McIlvenny, Gino Pariani, Joe Gaetjens, John Souza e Ed Souza.

 

Para se ter uma ideia da falta de interesse dos americanos em futebol, Bahr foi entrevistado apenas duas vezes nas duas décadas posteriores ao jogo de 1950. Duas! Ao invés de profissionalizar seu futebol, os EUA estacionaram e demoraram 40 anos para voltar a uma Copa, só em 1990. Porém, Hollywood não deixou aquele feito passar em branco e, em 2005, lançou o filme “The Game of Their Lives” (conhecido no Brasil como “Duelo de Campeões”), que retratou a façanha da seleção no Mundial, com Gerard Butler como o goleiro Borghi, Wes Bentley como Walter Bahr e Jimmy Jean-Louis como Gaetjens. Os heróis de 1950 seguiram seus ofícios laborais, alguns foram jogar em outros países e Maca conseguiu a nacionalidade americana.

McIlvenny e Gaetjens, os outros estrangeiros do selecionado, não. Falando em Gaetjens, o autor do gol histórico americano foi jogar no Racing Club de Paris após o Mundial e retornou ao Haiti. Por pertencer a uma família que era contrária ao regime do ditador haitiano François “Papa Doc” Duvalier, Gaetjens foi preso pela polícia secreta do ditador em 1964 e levado à prisão de Fort Dimanche, no Haiti, um local conhecido pelas brutalidades e prática desumanas. Gaetjens nunca mais foi visto. Só restou sua história e seu gol para a eternidade das Copas.

 

Inglaterra: os jornais ingleses trataram de “esconder” o papelão que foi a derrota para os EUA prontamente. Na maioria dos periódicos, falou-se mais de outra derrota: a da seleção de críquete para o West Indies, a primeira da equipe inglesa em toda a história do esporte. Dias depois, o Maracanã recebeu mais de 80 mil pessoas para o duelo decisivo entre Inglaterra e Espanha, no dia 02 de julho. Foi a partida com o maior público da Copa com a exceção dos jogos do Brasil. Mas o calor das arquibancadas não deu nenhum ânimo aos ingleses.

Mesmo com quatro alterações na equipe e a entrada de Matthews, o time perdeu para a Espanha por 1 a 0, gol de Zarra, e deu adeus ao seu primeiro Mundial de maneira melancólica. Após a derrota de 1950, a seleção inglesa levou mais duros golpes em sua soberba. Em 1953, a fabulosa Hungria fez 6 a 3 nos ingleses em pleno Wembley. No ano seguinte, o English Team quis a revanche, mas levou outra sacolada: 7 a 1, em Budapeste.

O capitão Billy Wright (à esq.) troca de flâmula com Ferenc Puskás, da Hungria, em 1953: outra derrota marcante para os ingleses.

 

Tais derrotas fizeram com que a equipe percebesse que não estava mais “sozinha” nem que era a “bam bam bam”. E, nos anos 60, aprendeu com os erros até ser campeã mundial, em 1966 (leia mais clicando aqui), com Alf Ramsey no comando técnico do time. Mas o que mais eles aprenderam foi como derrotar os americanos. Com juros e correção. Em junho de 1953, venceram por 6 a 3 na casa deles. Em maio de 1959, em Los Angeles, aplicaram 8 a 1. E, em 1964, no Downing Stadium, em Nova York, a mais saborosa vitória, que eles tanto sonharam em ter lá em 1950: 10 a 0, massacre testemunhado por pouco mais de cinco mil pessoas.

Os ingleses só perderiam em 1993, por 2 a 0, pela US Cup. Em 12 de junho de 2010, 60 anos depois, eis que a dupla se reencontrou em uma Copa do Mundo, na África do Sul e com arbitragem brasileira de Carlos Eugênio Simon. E, de novo, o jogo foi histórico. Foi o primeiro empate do confronto: 1 a 1, com um gol de Gerrard-ING, aos 4’, e um de Dempsey-EUA, aos 40’, ambos no primeiro tempo. As duas seleções se classificaram para a fase de mata-mata, mas ambas foram eliminadas já nas oitavas de final. Desde então, os ingleses não toparam mais com os americanos em Copas. E eles não fazem nenhuma questão de isso acontecer tão cedo…

Gerrard e Donovan: deu empate no duelo entre as equipes na Copa do Mundo de 2010.

 

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Comentários encerrados

Um Comentário

  1. Belo texto. Após a Copa do Mundo de 1994, o futebol tornou-se mais conhecido e apreciado pelo povo americano, mas ainda está longe dos esportes mais populares, como nfl, basquete e baseball.

Craque Imortal – Schiaffino

Seleções Imortais – Uruguai 1950