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Como seriam os campeonatos se os antigos impérios ainda existissem?

 

Por Leandro Stein

 

O mapa mundi está em constante mutação. Desde a II Guerra Mundial, surgem no globo novos territórios, frutos de diferenças étnicas e separatismo político. Mas o aumento do número de países não é algo que se viu linearmente ao longo da história. Anexações de grandes porções territoriais eram comuns até 1945. Um processo transformado desde a criação da ONU, que passou a organizar de maneira sistemática estas divisões, mas também pelos traumas gerados pelo último grande conflito internacional.

Porém, ao menos dentro do futebol, existem movimentos que vão contra a tendência da geopolítica nos últimos 70 anos. Entre 2012 e 2015 existiu a BeNe League, que reunia, juntos, os Campeonatos Belga e Holandês de futebol feminino. Porém, ele acabou descontinuado por desavenças financeiras dos clubes holandeses com a Federação Holandesa de futebol. Mesmo na Europa Ocidental, existe quem defenda uma liga supranacional, uma espécie de ‘Liga dos Campeões’ por pontos corridos, que tiraria força dos campeonatos nacionais atuais.

Resolvemos embarcar nessas ideias e imaginar: E se os grandes impérios do passado ainda existissem, como seriam seus campeonatos? O resultado você confere logo abaixo. Consideramos dez grandes impérios, por sua relevância histórica e também pela viabilidade de contarem com um torneio forte – o que, por exemplo, foi cabal para não brincarmos com o Império Britânico, de muitos territórios ultramarinos, ou com o Azteca, concentrado basicamente no México. E, que fique claro, não é uma ode a poderes centrais muitas vezes sanguinários, que dizimaram milhares e suprimiram etnias. É apenas um exercício de fantasia. Pensar quão forte seriam as ligas de verdadeiras potências em suas épocas.

 

Como fizemos a brincadeira?

Consideramos ligas no formato padrão, com 20 times cada. Na maioria dos impérios, a máxima extensão territorial foi o que orientou a escolha dos times. A exceção nessas duas regras foi o Império Espanhol, dividido em dois campeonatos e no qual consideramos o período em que os territórios dominados tinham maior relevância futebolística. Já os clubes foram selecionados de maneira subjetiva, mas com alguns parâmetros. Tentamos balancear relevância atual e na história de seus países (como o futebol é volátil, os mapas podem apresentar a ausência de um ou outro clube considerando a dita “relevância atual”). Além disso, o fato de estar em uma área politicamente importante do antigo império pesou – como, por exemplo, os times de Roma e Istambul no Império Romano.

 

Campeonato Romano

Territorialmente, o Império Romano foi apenas o 17º maior da história, tendo sob seus domínios um território de 6,5 milhões de km2 no Século II. Historicamente, porém, é inquestionável o poder sustentado pelos romanos. A transição da república para império, que se intensificou com o poder de Júlio César e de Otávio Augusto no século anterior ao início da era cristã, permitiu uma expansão por quase toda a Europa, o Oriente Próximo e o Norte da África. Já a manutenção do poder se deu até o Século V, com a queda da parte ocidental do império – embora o Império Romano do Oriente tenha se mantido até o Século XV.

A Liga: Pela área conquistada, dá para dizer que o Império Romano contaria com a liga mais forte da história. Uma espécie de Liga dos Campeões em pontos corridos, com a presença de clubes da Alemanha, Espanha, França, Holanda, Inglaterra, Itália, Portugal e Turquia. Fenerbahçe, Galatasaray, Lazio e Roma, time das capitais Roma e Istambul (ou Constantinopla, como nos tempos romanos), teriam o apoio do governo central. Difícil é prever se alguém conseguiria estabelecer alguma hegemonia na “Taça Augustus”, diante de tantas camisas pesadas.

 

Campeonato do Califado

Os árabes tiveram rápida expansão após a fundação do islamismo. Limitados à Península Arábica durante a vida de Maomé, os muçulmanos contaram com o declínio de impérios vizinhos e a receptividade aos ensinamentos do profeta para conquistar 15 milhões de km2. O ápice dessa conquista aconteceu durante o Califado Omíada, entre os anos de 661 e 750, com os domínios indo da China e da Índia ao norte da África e à Península Ibérica. Apesar de cisões políticas, os árabes seguiram com grandes posses até 1258, ano da invasão mongol.

A Liga: O Campeonato do Califado seria uma ótima maneira para Real Madrid e Barcelona justificarem o investimento de bilionários do petróleo. A dupla só precisaria tomar cuidado com o Sevilla, da Andaluzia, região onde o domínio muçulmano foi mais forte. A “Taça Muawiyah” (primeiro califa omíada e secretário de Maomé) também serviria para integrar diferentes países árabes, com destaque para o Egito. A grande questão estaria sobre a aceitação dos times israelenses, dentro dos domínios do império.

 

Campeonato Mongol

O maior império em território contínuo da história da humanidade estendeu seus domínios do Extremo Oriente ao Leste Europeu. A partir de 1206, quando passaram a ser governados pelo lendário Genghis Kahn, os mongóis conquistaram 44 milhões de km2, equivalente a 30% da área total do Planeta Terra. Os avanços se deram até 1294, quando a morte de um dos líderes dividiu o império em quatro khanatos e dissipou as forças dos mongóis.

A Liga: Considerando as regiões dominadas, o Campeonato Mongol mesclaria os antigos domínios soviéticos, boa parte dos clubes da Liga dos Campeões da Ásia e alguns clubes tradicionais do Leste Europeu.  E as potências na briga pela “Taça Genghis Kahn” se concentrariam basicamente na Rússia e na Ucrânia. Resgatando a história, quem poderia se beneficiar é o Beijing Guoan, já que a cidade chinesa foi uma das capitais do Império Mongol.

 

Campeonato Inca

O maior império da América pré-colombiana teve sua ascensão a partir do Século XIII, destruído a partir das conquistas espanholas no continente. Estendendo seus domínios durante boa parte dos Andes, os incas dominaram cerca de 2 milhões de km2, em um território hoje correspondente a porções de Argentina, Chile, Bolívia, Peru, Equador e Colômbia. E o auge do governo dos Sapa Inca deu-se justamente às vésperas dos anos em que ruiu a resistência ante os hispânicos, no início do Século XVI.

A Liga: No centro do império, os peruanos deveriam brigar pelo protagonismo. Cienciano e Real Garcilaso, representantes da capital, Cuzco, receberiam os maiores privilégios do imperador. Chile e Equador, entretanto, teriam representantes suficientes para fazer frente pelo topo da tabela. O torneio ainda contaria com a participação do colombiano Deportivo Pasto e do argentino Godoy Cruz. Nada que coloque em xeque a possível hegemonia do “eixo incaico” na briga pela “Taça Atahualpa” – que, além de ser o nome do último Sapa antes da queda do Império, também batiza o principal estádio equatoriano.

 

Campeonato do Império Espanhol

 

A constituição do Império Espanhol começa no final do Século XV, com a Reconquista dos territórios antes dominados pelos muçulmanos e a ascensão de quatro reinos independentes. Na mesma época, a expansão marítima iniciada por Cristóvão Colombo, com a ‘descoberta’ da América em 1492 impulsionou a Era de Ouro da Espanha. O ápice territorial do Império Espanhol veio a partir de 1740: 13,4% da área mundial, o quarto maior domínio da história. Já o declínio se combinou com a ascensão de Napoleão na Europa, assim como a independência das colônias nas Américas, entre o fim do Século XVIII e a primeira metade do XIX.

A Liga: O território do Império Espanhol era tão extenso – e dividido pelo Oceano Atlântico – que a melhor forma de organizar o campeonato é organizando em duas regiões: a Espanha Europeia e a Espanha Americana. Como base, as posses de 1598, quando a maior parte das Américas já estavam conquistadas e o império dominava diferentes áreas na Europa. A “Taça Cristóvão Colombo” contaria com clubes da Argentina aos Estados Unidos, uma espécie de Libertadores sem os brasileiros. Já a “Taça Carlos I” estaria centrada na Espanha, também com participações de italianos, franceses, holandeses e belgas. O campeão de cada torneio poderia unificar a conquista do império. E, diante da vigência da União Ibérica, entre 1581 e 1640, daria até para realizar um torneio internacional com o Campeonato do Império Português  – no mesmo formato, dividido entre o Brasileirão e o Portuguesão.

 

Campeonato do Sacro Império Romano

Divisão do Império Franco, o Sacro Império Romano se autoproclamou herdeiro do Império Romano no Ocidente. O poder foi mantido por nove séculos, a partir de 962, chegando ao máximo de extensão territorial em seus primeiros 300 anos. Uma área equivalente a 1 milhão de km2, centrada principalmente no atual território da Alemanha, mas com posses também em Itália, França, Holanda, Bélgica, Suíça, Áustria, República Tcheca, Polônia, Eslováquia, Eslovênia e Croácia. Já a queda do império aconteceu em 1806, após a invasão de Napoleão Bonaparte.

A Liga: A liga imperial se formaria em torno da Bundesliga, recebendo mais alguns agregados. Bayern Munique, Borussia Dortmund, Schalke 04 e os outros germânicos seriam os privilegiados, mas com vizinhos de tradição no torneio. Juventus, Milan, Internazionale, Ajax, Lyon e Olympique de Marseille seriam os principais concorrentes pelo domínio da “Taça Otto, o Grande” – o primeiro imperador. Sparta Praga e Rapid Viena, times das antigas capitais, também poderiam se imaginar como possíveis potências.

 

Campeonato Napoleônico

O Primeiro Império Francês tem seu poder personificado em Napoleão Bonaparte. A partir da coroação do córsego como imperador, em 1804, os franceses expandiram seus domínios por boa parte da Europa continental, atingindo o auge oito anos depois. Em 1812, o território contava com 2,1 milhões de km2, divididos em 130 departamentos. Contudo, derrotas em campanhas na Rússia e na Alemanha acabaram minando o poder de Napoleão e marcando o retorno da monarquia em 1815, após a Batalha de Waterloo.

A Liga: Logicamente, os times da Ligue 1 teriam prioridade na disputa da “Taça Napoleão”. Porém, a conquista de porções significativas de outros países europeus permitiria a inclusão de adversários de peso aos franceses. Barcelona, Juventus, Roma, Werder Bremen, Hamburgo, Ajax e PSV seriam os mais capazes de atrapalhar a preferência pelos times das sedes do Império. E, por apenas alguns quilômetros de terra a mais, Borussia Dortmund, Milan e Internazionale não podem se candidatar à competição.

 

Campeonato do Império Japonês

As mudanças profundas causadas na política a partir da Restauração Meiji, em 1868, também serviram de marco para uma iniciativa expansionista dos japoneses. As conquistas se intensificaram especialmente a partir da Segunda Guerra Mundial, quando o Japão firmou aliança com o Eixo e passou a intensificar a ocupação dos outros territórios na Ásia e no Pacífico. O avanço máximo dos japoneses aconteceu em 1942, com 7,4 milhões de km2 de terras conquistadas. Já o ponto final do império se deu com a derrota na Segunda Guerra.

A Liga: O Campeonato do Pacífico se concentraria basicamente entre clubes japoneses, sul-coreanos e chineses. Para demarcar território em outros países, também valeria a inclusão de equipes de ligas menores da Ásia, como a Tailandesa, a Malaia, a Indonésia, a Cingapuriana e a Norte-Coreana. Difícil imaginar que a “Taça Meiji” escapasse das mãos de alguém da J-League, da K-League ou da Super League Chinesa, que anualmente renovam a rivalidade na Liga dos Campeões da Ásia.

 

Campeonato Otomano

 

Formado por tribos turcas e responsável pela queda do Império Bizantino, o Império Otomano mandou no Oriente Próximo e no Leste Europeu por mais de seis séculos. A partir da Anatólia, o território conquistado chegou a 5,2 milhões de km2, marcando o auge do poder no final do Século XVI. Já a dissolução aconteceu em um processo contínuo a partir da década de 1900, culminando com a independência da República da Turquia e o fim do califado.

A Liga: Logicamente, o Campeonato Turco é a principal base para a liga dos otomanos, com o trio de ferro de Istambul no centro do poder. Além dos turcos, a “Taça Osman I” também contaria com times da Grécia, Sérvia, Bulgária, Hungria, Moldávia, Chipre, Egito, Armênia e Israel. E os entraves diplomáticos para a organização não seriam poucos: as disputas territoriais com os gregos, as questões religiosas com os israelenses e o massacre étnico contra os armênios. Esperar por rivalidades interterritoriais seria o mínimo diante de um barril de pólvora tão grande.

 

Campeonato Austro-Húngaro

Monarquia estabelecida entre a virada dos Séculos XIX e XX, o Império Austro-Húngaro esteve no centro da Primeira Guerra Mundial. A união entre as coroas da Áustria e da Hungria gerou o segundo maior país europeu a partir de 1850, ocupando 675 mil km2, incluindo porção significativa da região central e do leste do continente. Já o fim do império teve seu marco com a morte de Francisco Ferdinando, também o estopim da Primeira Guerra. Com a derrota no conflito, o território acabou partilhado entre 13 nações.

A Liga: O Campeonato Austro-Húngaro seria uma alternativa interessante para os clubes da região que quisessem formar uma liga com certo nível competitivo. Áustria, Hungria e República Tcheca dominariam o torneio, contando com nove dos 20 participantes. Já entre os outros territórios anexos, Croácia e Eslováquia se colocariam como eixos adjacentes, enquanto Polônia, Ucrânia, Romênia, Sérvia, Bósnia, Montenegro e Eslovênia também teriam seus representantes. E a disputa da “Taça Franz Joseph I” deveria contar com os problemas diplomáticos entre as várias etnias da região.

 

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Comentários encerrados

11 Comentários

  1. “A “Taça Cristóvão Colombo” contaria com clubes da Argentina aos Estados Unidos, uma espécie de Libertadores sem os brasileiros.”

    Esse trecho já aguça minha imaginação pra sugerir a vocês: o que seria das três Américas se unidas por uma só confederação?

    Não falo nem só de Libertadores ou da Sulamericana virando Panamericana, mas também do futebol de seleções, uma Copa América unificada e eliminatórias com mais seleções.

    Se o tema em si é ótimo, é excelente pra Imortais do Futebol.

    • Olha, Leandro, isso é algo que sempre pensei. Seria muito melhor se as Eliminatórias fossem unificadas. A disputa seria bem maior e teríamos surpresas, como temos nas da Europa. Na questão dos clubes, a Libertadores teria que ser mais seletiva e ter fases qualificatórias maiores. Enfim, é um tema bem interessante!

    • Eu já tinha lido essa reportagem na Trivela, e gostei bastante.

      E, quanto à questão levantada por você, Leandro, é algo que eu já defendo há muito tempo: que a América tenha um só torneio continental tanto de clubes quanto de seleções. A América é um só continente, não precisa de duas confederações e nem de dois torneios continentais de clubes (Liga dos Campeões da Concacaf e Copa Libertadores da América) e de seleções (Copa Ouro e Copa América).

      Sempre fui a favor de os clubes da América disputarem o mesmo campeonato; idem para as seleções.

  2. Guilherme, duas coisas:

    1) Campeonato Belga e Holandês de futebol feminino já voltaram a existir. Por algum motivo a unificação não deu certo.

    2) Era “BeNe League”, sem Luxemburgo.

História da Camisa do Santos FC

Craque Imortal – Raúl