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Azteca – Mito das Copas

Por Guilherme Diniz

 

Nome: Estadio Azteca

Localização: Cidade do México, México

Inauguração: 29 de maio de 1966

Partida Inaugural: América-MEX 2×2 Torino-ITA, 29 de maio de 1966

Primeiro gol: Arlindo dos Santos, do América, no jogo América 2×2 Torino

Proprietário: Grupo Televisa

Capacidade: 87.000 pessoas

Recorde de público pagante: 130.800 pessoas no jogo México 4×0 EUA, na final da Copa Ouro, no dia 25 de julho de 1993.

 

Ele é, antes de tudo, um privilegiado. Nenhum estádio no mundo teve a honra de abrigar tantos jogos de Copa do Mundo como ele – 19 partidas. Nenhum estádio no mundo viu tantos, mas tantos craques em grandes formas e até em seus auges como ele. Nenhum estádio no mundo viu aqueeeele gol de Maradona ou a consagração definitiva de Pelé como Rei do Futebol. Nenhum estádio no mundo viu o Jogo do Século. Nenhum estádio no mundo viu o gol mais arquitetado da história dos Mundiais, na final de 1970, entre Brasil e Itália. E nenhum estádio no mundo nasceu com tanta vocação para sediar grandes eventos, simplesmente os maiores eventos, como ele. Além de tudo isso, ele foi o estádio que viu a Taça Jules Rimet ser erguida pela última vez.

Na pulsante Cidade do México, foi construído lá nos anos 60 o Colosso de Santa Úrsula, um mito que dispensa comentários que possam tecer sua importância para a história do esporte mundial. É impossível pensar em futebol sem pensar nele. Ali, na Calzada de Tlalpan, reside o Azteca, primeiro estádio a sediar duas finais de Copa do Mundo na história, berço de algumas das maiores obras de arte dos Mundiais e palco de momentos inesquecíveis, também, de Olimpíadas, Copas Ouro, Jogos Pan-Americanos, Libertadores e muito mais. É hora de viajar no tempo e conhecer a história desse verdadeiro mito.

 

Para acolher uma nova paixão

A maquete do futuro estádio…

 

… E ele já em construção. Fotos: Arquivo / Site do Estadio Azteca.

 

A partir da segunda metade da década de 50, o México viu uma crescente leva de novos aficionados por futebol. Tudo começou após o Campeonato Panamericano de seleções de 1956, quando mais de 100 mil pessoas queriam ver a abertura do torneio entre México e Costa Rica no estádio Olímpico Universitário, então o maior do país, com capacidade para 73 mil pessoas. Para tentar sanar aquela ânsia pelos jogos dos que não tinham entradas, o Telesistema Mexicano de TV transmitiu os jogos e obteve enormes índices de audiência. Emilio Azcárraga Milmo, magnata das telecomunicações e fundador da Televisa, percebeu que aquele era um novo nicho para se explorar e começou a trabalhar na possibilidade de construir um novo estádio, enorme, que pudesse abrigar aquela gente tão fanática pelo esporte.

Primeiro, ele comprou o Club América, time de maior torcida na capital. Depois, fez uma parceria com o empresário Guillermo Cañedo de la Bárcena, que assumiu a presidência do América em 1961 (e posteriormente da própria Federação Mexicana de Futebol) e ajudou Milmo não só no projeto do novo estádio como na candidatura do México para sediar a Copa do Mundo de 1970. A ideia do estádio na capital mexicana criou uma parceria entre o América e os clubes Necaxa e Atlante, que compuseram o consórcio chamado Fútbol del Distrito Federal S.A., presidido por Milmo e encarregado de fazer todos os trâmites e projetos do estádio.

 

Foto: Puntodincontro.mx

 

Após um concurso aberto aos mais renomados arquitetos do país, Pedro Ramírez Vázquez, arquiteto do Museu Nacional de Antropologia do México, foi o vencedor, com a promessa de um estádio com capacidade superior a 100 mil pessoas, visão plena de qualquer ângulo, grandes anéis de arquibancadas, estacionamentos e acessibilidade plena. Para buscar inspiração, Vázquez e seu parceiro, Rafael Mijares, viajaram por diversas cidades como Buenos Aires, Roma, Madrid, Paris, Londres, Moscou e Varsóvia para fazer um estádio de futebol completo e “sem defeitos”.

Vista aérea de 1965, com as arquibancadas praticamente prontas, mas ainda sem a cobertura. Foto: El Universal / Colección Villasana-Torres

 

Em abril de 1962, o terreno escolhido, em Tlalpan, começou a receber os primeiros trabalhadores para obras que durariam quatro anos e consumiram mais de 42 mil metros cúbicos de concreto. Eram 24 horas diárias de trabalhos que envolviam cerca de 800 operários, 35 engenheiros entre outros profissionais. O estádio teria vastos arcos de arquibancadas, com assentos mais próximos ao gramado, um grande anel coberto, onde ficariam as tribunas e camarotes e quatro lances superiores que dariam uma imensidão incrível ao estádio, cujo formato lembraria um verdadeiro caldeirão, principalmente após sua cobertura. Em maio de 1966, o estádio estava praticamente pronto, faltando apenas detalhes em seu teto, que seria finalizado em definitivo no ano seguinte.

Na área externa, foi feito um amplo estacionamento para mais de cinco mil veículos. Outro destaque seria a iluminação, com 36 potentes lâmpadas. O nome do estádio surgiu após concurso popular divulgado por todo país. O vencedor foi Antonio Vázquez Torres, da cidade de León, que escolheu o nome Azteca em alusão ao rico e influente passado da civilização homônima no México. Além de nomear o estádio, Torres ainda ganhou duas cadeiras nas plateias do estádio com validade de 99 anos!

Os capitães de Torino e América no jogo inaugural.

 

Com a presença de diversas autoridades, entre eles o então presidente da FIFA, Stanley Rous, o Azteca foi inaugurado em 29 de maio de 1966, em um amistoso entre América e Torino-ITA, sob olhares de 110 mil pessoas. Por ironia do destino, o primeiro gol foi anotado por um brasileiro: Arlindo dos Santos, que abriu o placar para o América logo aos 10’. O jogo terminou empatado em 2 a 2. Mas, ali, já começava o prenúncio de bons fluídos que o estádio iria trazer para o esporte brasileiro…

 

Casa olímpica e palco da melhor Copa da história

Em 1968, o Azteca abrigou partidas de futebol dos Jogos Olímpicos daquele ano, vencendo a disputa com o Estádio Olímpico Universitário. O gigante recebeu dez jogos, entre eles a final olímpica entre Hungria 4×1 Bulgária, no dia 26 de outubro. Na partida que definiu a medalha de bronze, entre Japão 2×0 México, mais de 105 mil pessoas estabeleceram o recorde de público em jogos de futebol nas Olimpíadas que permanece até hoje. Naquele mesmo ano, o estádio registrou outro recorde de público em um amistoso entre o México e a Seleção Brasileira, quando 119.853 pessoas viram a seleção canarinho vencer os donos da casa por 2 a 0, quase um “reconhecimento de território” do que aconteceria em 1970. Em 1969, o estádio foi palco do primeiro jogo da final da antiga Copa Interamericana, que reunia os campeões da Copa dos Campeões da Concacaf (a famosa Concachampions) e da Copa Libertadores da América. No duelo entre Toluca-MEX e Estudiantes-ARG, melhor para os argentinos, que venceram por 2 a 1 e seguiram firme rumo ao título.

Em 1970, o Azteca sediou dez jogos da Copa do Mundo da FIFA e viu um verdadeiro desfile de lendas pelo seu gramado. Entre as partidas, destaque para a abertura, entre México e URSS, as quartas de final entre Uruguai e URSS, a semifinal entre Itália e Alemanha, que ficou marcada para sempre como o “Jogo do Século”, com cinco gols na prorrogação, triunfo dos italianos por 4 a 3 e que rendeu até placa do lado de fora do estádio, além da grande final, na qual o Brasil de Pelé, Jairzinho, Rivellino, Tostão, Gérson e companhia goleou a Itália por 4 a 1 e faturou o tricampeonato mundial e a posse definitiva da Taça Jules Rimet. Naquela partida, o Azteca viu Pelé levitar ao marcar o gol inaugural do jogo e o famoso golaço arquitetado pelos artistas brasileiros que terminou no inesquecível tento de Carlos Alberto Torres.

O “Jogo do Século”…

 

… E a final: momentos marcantes de 1970. Fotos: AP.

 

A placa em alusão ao “Jogo do Século”

 

Ver os vídeos daquela Copa e toda a beleza do Azteca lotado é algo que todo apaixonado por futebol faz até hoje. Nenhum estádio ficava tão bonito com o tempero do sol e o verde do gramado como o Azteca. Ao fim daquele Mundial, muitos mexicanos suspiraram de alegria pelo espetáculo protagonizado na Copa, mas também deixaram escapar lágrimas de tristeza. Afinal, para muitos, aquela obra magnífica teria apenas aquele capítulo na história das Copas. Mas será mesmo?

 

Ele está de volta!

O Azteca sediou partidas de futebol feminino já em 1971.

 

O Azteca seguiu como maior estádio do México e sempre pronto para as mais diversas competições. Ainda em 1970, recebeu jogos de Futebol Americano entre UNAM e IPN. Em 1971, abrigou o II Campeonato Mundial de Futebol Feminino. Em 1975, recebeu partidas dos Jogos Pan-Americanos, e, em 1983, a Copa Mundial Juvenil da FIFA. E foi em 1983 que o México inteiro voltou a celebrar quando a FIFA escolheu o país como a nova sede da Copa do Mundo de 1986, após a Colômbia, então designada como sede, desistir da competição por problemas financeiros. Como o México já tinha a estrutura pronta do Mundial anterior e a experiência de grandes eventos, a FIFA preferiu não arriscar e deu ao país o direito de organizar a Copa.

Mesmo com um terrível terremoto que acometeu o país em 1985 e matou cerca de 10 mil pessoas, nenhum estádio sofreu danos, muito menos o Azteca, que passou por melhorias para acomodar ainda mais pessoas e uma tribuna para a FIFA com 400 lugares. Além disso, o estádio ganhou novas áreas para a imprensa, novos meios de segurança para entrada e saída de torcedores, nova área de estacionamento, muro protetor ao redor do estádio e novas saídas de segurança. As reformas, que começaram em 1984, deram ao estádio capacidade para quase 115 mil pessoas. Na Copa, o estádio abrigou mais uma vez partidas do México pela fase de grupos e também nas oitavas de final. E, no duelo contra a Bulgária, o time da casa ainda brindou a torcida com um golaço marcado por Negrete, tido até hoje como um dos mais bonitos da história das Copas.

Veja abaixo:

 

Mas o gol de Negrete foi apenas um “aperitivo” para o que estava por vir sete dias depois, nas quartas de final entre Inglaterra e Argentina. Naquele jogo, o Azteca viu um dos maiores duelos da história das Copas. E uma atuação memorável de Diego Armando Maradona. O craque marcou os dois gols de sua seleção na vitória por 2 a 1 sobre os ingleses, em um embate marcado pela tensão por causa da Guerra das Malvinas. Mas o que ficou na memória dos torcedores foram os gols. Primeiro, o camisa 10 marcou o famoso gol da “mano de Dios”. Minutos depois, o craque pegou a bola no meio de campo, foi levando, levando, até marcar o gol em jogada individual mais bonito da história das Copas. Uma obra-prima simplesmente inesquecível, que, adivinhe, também ganhou placa no estádio Azteca. Leia mais sobre esse jogo clicando aqui!

Contra imagens não há argumentos: la mano en su trabajo.

 

A placa em homenagem ao golaço de Maradona…

 

… E a estátua da “mano” no pequeno museu dentro do estádio.

 

O Azteca gostou tanto de Maradona que abrigou os outros dois jogos de Dieguito naquela Copa: a semifinal, na qual a Argentina venceu a Bélgica por 2 a 0 com mais dois gols de Maradona, e a grande final, vencida pela Argentina sobre a Alemanha por 3 a 2. Pela primeira vez, um estádio foi palco de duas finais de Copa na história. E, pela primeira e única vez, dois dos maiores gênios do futebol no século XX tinham sua consagração exatamente no mesmo palco. Definitivamente, o Azteca se tornava, a partir daquele ano, um mito das Copas, com incríveis 19 jogos realizados na história da competição, recorde insuperável.

 

Multicultural e desportivo

O Azteca já era parte integrante da cultura mexicana desde os anos 70, mas essa alcunha ganhou mais força a partir do final da década de 70 e nas décadas de 80 e 90. Além dos diversos eventos esportivos, o estádio foi cenário para filmes (entre eles “El Chanfle”, em 1978, do eterno Roberto Gómez Bolaños, intérprete do Chaves e do Chapolin); shows memoráveis, como a apresentação do fenômeno pop Menudos, em 1983, com público superior a 105 mil pessoas; de Elton John, em 1992; os cinco shows de Michael Jackson, em 1993, com 110 mil pessoas por show (!), e a lendária luta do maior boxeador mexicano de todos os tempos, Julio César Chávez, em 1993, contra o estadunidense Greg Haugen, quando 132.274 pessoas (!!) lotaram o estádio para ver o mexicano vencer o rival na luta de boxe com maior público da história do esporte! Naquele mesmo ano de 1993, o Azteca bateu seu recorde de público em uma partida de futebol na final da Copa Ouro, quando o México goleou os EUA por 4 a 0 diante de 130.800 pessoas.

Veja abaixo:

Em 1997, o Azteca foi renomeado momentaneamente como Estádio Guillermo Cañedo, em alusão ao executivo e ex-dirigente de décadas passadas que falecera naquele ano. O público, claro, não gostou nem um pouco e o nome Azteca voltou rapidamente já em 1998. Em 1999, o Papa João Paulo II visitou o Azteca e abençoou o lendário estádio diante de 125 mil pessoas, ano que marcou a inauguração de telões gigantescos no estádio. Nos anos seguintes, os estadunidenses se renderam à magia do Azteca e mandaram diversos jogos da NFL por lá, sempre com públicos enormes, como em 2005, quando mais de 103 mil pessoas viram o jogo entre Arizona e San Francisco, que estabeleceu o recorde de público em uma partida da NFL na história. O estádio recebeu, também, a Copa das Confederações de 1999, a Copa Ouro de 2003 e a Copa do Mundo Sub-17 de 2011, além de diversas e históricas partidas de clubes mexicanos em competições nacionais e internacionais, em especial na Concachampions.

O estádio em reforma para a Copa de 1986.

 

Fotos: Arquivo / Site do Estadio Azteca.

 

Show dos Menudos nos anos 80.

 

Visita do Papa.

 

Show de Elton John, já nos anos 90.

 

O estádio também fica bonito em jogos da NFL. Fotos: Arquivo / Site do Estadio Azteca.

 

O estádio foi palco, em 2014, da despedida de Roberto Gómez Bolaños, o eterno Chaves.

 

Ele era torcedor do América e o Azteca foi o lugar ideal para o último adeus ao ídolo de gerações. Fotos: Arquivo / Site do Estadio Azteca.

 

Durante 52 anos, o Azteca tinha voz: era de Don Melquiades Sánchez Orozco, lendário locutor oficial do estádio. Ele faleceu em novembro de 2018, aos 90 anos.

 

O mexicano Luis Roberto Zague, conhecido como “Zaguinho”, é o maior artilheiro do estádio com 159 gols no total.

 

A Copa Libertadores também esteve presente no mítico estádio entre 1998 e 2016, período em que os clubes mexicanos participaram do torneio da Conmebol. Foram 40 jogos por lá, incluindo, em 2001, uma das partidas finais entre Cruz Azul e Boca Juniors-ARG, com vitória argentina por 1 a 0. Naquele ano, o Azteca voltou a ser pioneiro e se tornou o primeiro estádio mexicano a sediar uma partida final de Libertadores.

 

Sempre pronto para mais histórias

Como em todos os grandes colossos do futebol, o Azteca passou por mudanças drásticas em sua capacidade a partir do começo do século XXI. Com a instalação de cadeiras numeradas em setores antes de arquibancadas comuns, o estádio deixou de abrigar mais de 100 mil pessoas e hoje comporta pouco mais de 87 mil, divididas em 11 setores. Mesmo com a redução de público, ele ainda é um dos 20 maiores estádios do mundo. Eleito em 2008 em uma pesquisa feita pela FIFA como o estádio “mais emblemático do mundo”, o Azteca é, hoje, de propriedade do Grupo Televisa, que pretende fazer novas reformas a fim de adequar o estádio às modernidades exigidas pelo cotidiano do esporte e do entretenimento.

Mas o grande objetivo é tornar o estádio apto para receber jogos, adivinhe, de mais uma Copa do Mundo, em 2026, que pode acontecer nos EUA, no Canadá e no México, que pretendem organizar um Mundial em conjunto. Como dividir tantos jogos em três países, isso só a FIFA vai saber. Mas uma coisa é praticamente certa: a final será muito mais agradável, épica e com aquele ar histórico em um só lugar. No Azteca. O maior mito das Copas.

 

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Comentários encerrados

4 Comentários

  1. Sensacional!

    Acompanho muito o “Imortais” e já tinha comentado sobre fazer uma matéria sobre o Azteca e me surpreendi, não sabia que o primeiro gol tinha sido marcado por um brasileiro e não tinha visto esse belo gol do Negrete!

    É com certeza um sonho poder visitar esse estádio também!

    Parabéns pelo trabalho!

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