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Inter x Milan – Derby della Madonnina

 

Por Guilherme Diniz

 

A rixa: Era o começo do século XX. O então chamado Milan Football and Cricket Club, fundado em 1899, já trilhava seu caminho no esporte italiano quando enfrentou pela primeira vez, em 1908, uma tal de Football Club Internazionale (o Milano só seria integrado ao nome oficial em 1967), fundada há poucos meses por dissidentes do próprio Milan, contrários às políticas internas do clube, que privilegiavam os italianos e desdenhavam os estrangeiros. O Milan venceu por 2 a 1 em terras suíças, num prenúncio de que tal confronto seria grande demais para reter-se apenas a uma cidade ou país. Em 1909, os rossoneri voltaram a enfrentar a Internazionale, dessa vez no Campo Milan di Porta Monforte, e venceram por 3 a 2. No ano seguinte, a Inter consegue sua primeira vitória. E que vitória: 5 a 0. Dias depois, nova goleada nerazzurri: 5 a 1. Foi demais para o orgulho milanista ver os interistas das classes altas derrotarem os rossoneros, predominantemente das classes mais simples. Dali em diante, a rivalidade explodiu e se mostrou uma das mais equilibradas e laureadas do mundo.

Quando começou: já no primeiro jogo entre ambos, no dia 18 de outubro de 1908, com vitória do Milan por 2 a 1. No ano seguinte, em 10 de janeiro de 1909, aconteceu o primeiro jogo oficial, com outra vitória do Milan, dessa vez por 3 a 2.

Maior artilheiro: Shevchenko (Milan): 14 gols

Quem mais venceu: Inter – 90 vitórias (até setembro / 2023). O Milan venceu 79. Foram 69 empates. Somando as partidas amistosas, a vantagem é do Milan, com 115 vitórias. A Inter tem 114. Foram 80 empates.

Maiores goleadas: Inter 5×0 Milan, 06 de fevereiro de 1910

Inter 5×1 Milan, 27 de fevereiro de 1910

Inter 5×1 Milan, 16 de setembro de 2023

Milan 5×0 Inter, 08 de janeiro de 1998

Milan 6×0 Inter, 11 de maio de 2001

OBS.: existe um jogo disputado entre ambos pela Coppa Mauro, em 03 de março de 1918, no qual o Milan venceu a Inter por 8 a 1, com cinco gols de Aldo Cevenini. No entanto, como foi disputado como um torneio de futebol regional na época da 1ª Guerra Mundial e sem cunho profissional, esse jogo não consta nas estatísticas oficiais do Derby. Mas os rossoneros adoram relembrá-lo…

Eles nasceram sob os olhares da imagem da Virgem Maria, chamada na Itália de Madonnina, residente no topo da Catedral de Milão. E foram batizados por ela. O Milan reinava absoluto na cidade quando, em 1905, os mandatários rossoneros começaram uma série de discussões políticas que chegaram ao ponto de se proibir jogadores estrangeiros no clube – principalmente suíços e ingleses, que predominavam no calcio naquele começo de século XX e ajudaram a moldar o esporte no país. As reuniões ficaram cada vez mais calorosas e, em 1908, um grupo de 44 pessoas decidiu deixar o Milan. Essas pessoas se reuniram naquele mesmo ano no restaurante L’Orologio, na Piazza del Duomo, e fundaram a Football Club Internazionale, resposta imediata e crítica às políticas do Milan. O nome do clube, Internazionale, não foi por acaso: nele, os estrangeiros sempre seriam bem vindos. As cores azul e preto e o logotipo foram escolhidos e criados pelo artista e um dos fundadores do clube, George Muggiani, que optou por uma combinação mais sóbria e menos “vulgar”, segundo os “padrões burgueses e interistas” da época, que o vermelho e preto do rival Milan.

A partir dali, os irmãos separados por ideologias, desavenças e pelas cores destoantes entre suas listras negras, começaram a construir uma das mais famosas rivalidades do futebol mundial e que reúne clubes cujas salas de troféus simplesmente transbordam taças: são 27 títulos internacionais, sendo 10 Ligas dos Campeões da UEFA e sete Mundiais de Clubes, além de 60 conquistas nacionais, incluindo 18 Scudettos para para um! Difícil encontrar dois clubes de uma mesma cidade com tantos títulos de peso. Mais difícil ainda um clássico tão belo em campo, com uniformes magníficos e inconfundíveis. E raro de se ver um duelo com craques e mais craques que ajudaram a alavancar o Derby della Madonnina ao patamar mais nobre do futebol, visto em confrontos de tirar o fôlego tanto na Itália quanto em duelos continentais. Um Inter x Milan é sinônimo de San Siro lotado e pirotécnico, cheio de faixas, luzes e fumaça. E de muita bola na rede.

 

Era das hegemonias e a sobrevivência às Guerras

O Milan 3×2 Inter de 1909.

 

Após os primeiros duelos naquela primeira década do século XX, os irmãos de Milão começaram a moldar a rivalidade entre si com o impulso que a existência de um provocava no outro. Por nutrirem uma rivalidade que já se destacava nos embates na Arena Civica e no Campo Milan di Porta Monforte, os “sorteios” do Campeonato Italiano não colocavam a dupla para duelarem nos finais das temporadas, evitando brigas e grandes problemas. Mesmo sem decidirem torneios naquelas primeiras décadas, Inter e Milan já faziam jogos de arrepiar, como o 6 a 3 do Milan em abril de 1911, o 3 a 0 do Milan em janeiro de 1912 e o 5 a 2 da Inter em fevereiro de 1914. Até 1913, o Milan ostentava sete vitórias em nove jogos contra a rival – sendo seis seguidas, até hoje recorde no clássico e igualado apenas pelo próprio Milan nos anos 1940 -, sem nenhum empate, além de três títulos nacionais. Só em 1910 que a Inter venceu seu primeiro Campeonato Italiano – justamente a época das duas goleadas sobre o Milan, de 5 a 0 e 5 a 1 – e, entre novembro de 1913 e maio de 1915, conseguiu equiparar um pouco a disputa com três vitórias seguidas. Por conta da 1ª Guerra Mundial, o duelo não aconteceu em competições oficiais por mais de cinco anos e só retornou em dezembro de 1920, no primeiro empate entre a dupla: 0 a 0, no Campo di Via Goldoni, antiga casa da Inter entre 1913 e 1930.

Os famosos dissidentes que fundaram a Internazionale lá em 1908.

 

Meazza em ação nos anos 30: carrasco do Milan e ídolo da Inter.

 

Um fato curioso é que, entre o tempo da vitória da Inter por 1 a 0, em novembro de 1913, até outubro de 1937, a equipe nerazzurri venceu 14 jogos, empatou 10 e perdeu apenas dois. E, entre novembro de 1929 e outubro de 1937, o Milan ficou impressionantes 17 partidas sem vencer seu rival! Foi uma das maiores angústias da história do clube. E isso mesmo com a Inter passando por uma grave crise financeira no final dos anos 1920 a ponto de se unir à Unione Sportiva Milanese por imposição do regime fascista, o que causou uma mudança drástica no uniforme da equipe – que passou a ser todo branco com uma enorme cruz na cor vermelha no centro, em referência à bandeira da cidade de Milão – e até no nome do clube, que virou Ambrosiana, em 1929, e Ambrosiana-Inter, em 1931.

A Arena Civica foi o maior palco de Derbys da história até a consolidação do San Siro.

 

Em meio à crise interista e o jejum rossonero, a cidade viu nascer, em 1926, o estádio San Siro, construído por iniciativa de Piero Pirelli, presidente do Milan, que decidiu levantar um estádio de futebol próximo ao hipódromo de San Siro, bairro de Milão – leia mais clicando aqui. Na grande inauguração, claro que o Derby della Madonnina foi o escolhido para a abertura. O primeiro gol foi do Milan, mas a vitória ficou mesmo com a Inter: 6 a 3. Em seus primeiros anos, o San Siro foi exclusivo do Milan. Só em 1935 que a prefeitura adquiriu a propriedade, mas sem interferir em nada no uso do clube rossonero. Ainda reticente, a Inter só mandaria suas partidas por ali em 1947, já após a 2ª Guerra Mundial.

A Inter campeã italiana de 1930. Gianfardoni, Degani e Allemandi; Rivolta, Viani e Castellazzi; Visentin, Serantoni, Meazza, Blasevich e Conti.

 

Voltando à hegemonia interista, o Milan até tentou acabar com o jejum algumas vezes – como no alucinante 5 a 4 para a Inter, em novembro de 1932, mas a nerazzurri estava mesmo implacável. A equipe igualou o rival em número de títulos nacionais – três, com as conquistas dos Scudettos de 1920 e 1930 -, e superou o rival com os canecos de 1937-1938 e 1939-1940. O destaque ficou por conta da lenda Giuseppe Meazza, no auge da carreira na época e principal nome não só da Inter, mas também da seleção italiana bicampeã mundial em 1934 e 1938. Meazza se tornou rapidamente o maior artilheiro da história do Derby com 12 gols anotados pela Inter – nos anos 40, ele anotou um pelo Milan.

Meazza, em 1935: craque foi um dos maiores nomes da história do futebol italiano e patrimônio da Inter.

 

Muitos já nem ligavam muito para o Derby della Madonnina com tanta supremacia nerazzurri e destacavam mais o Derby d’Italia entre Juventus e Inter na época – a Velha Senhora construiu seu Quinquennio d’Oro (os cinco títulos nacionais seguidos entre 1931 e 1935) com craques como Combi, Rosetta, Monti, Ferrari, Orsi, entre outros, que compuseram inclusive a base da seleção italiana naquele período. Será que o Milan estaria mesmo fadado a viver na sombra de seu hostil irmão?

 

A reviravolta

Nordahl fuzila: tudo mudou para o Milan após a 2ª Guerra Mundial.

 

No dia 20 de fevereiro de 1938, o San Siro viu a histórica vitória do Milan por 1 a 0, gol de Egidio Capra, que simbolizou o fim do jejum de 17 jogos e nove anos sem vencer a Inter. A partir dali, a equipe conseguiu equilibrar um pouco o duelo e, nos oito jogos seguintes, venceu três, perdeu três e empatou dois. Com a eclosão da 2ª Guerra Mundial, os clássicos minguaram nos anos 40 e só voltaram com mais afinco em 1946, quando o Milan voltou a emendar seis vitórias seguidas sobre a Inter entre maio de 1946 e abril de 1948. Aquela série de triunfos foi um prenúncio de uma nova fase do clássico nos anos 50: a era dos gols e o fim da seca de títulos tanto do Milan – sem vencer um Scudetto desde 1907 – e da Inter – em jejum desde 1940.

O San Siro nos anos 50: casa do Derby. Foto: Paolo Motta.

 

Os rossoneros levantaram a taça em 1951, 1955, 1957 e 1959 graças ao lendário esquadrão comandado por Schiaffino e pelo trio Gren, Nordahl e Liedholm, conhecido como Gre-No-Li. Aliás, o sueco Nordahl, maior artilheiro da história do Milan, se transformou no principal goleador rossonero no Derby naquela época com 11 gols, curiosamente o mesmo número do húngaro Nyers, artilheiro da Inter e estrela da equipe campeã italiana em 1953 e 1954.

Foto do surreal Inter 6×5 Milan de 1949.

 

Os artilheiros foram alguns dos protagonistas de grandes embates entre os irmãos de Milão, incluindo o empate em 4 a 4 disputado no dia 06 de fevereiro de 1949, com dois gols de Nordahl e dois de Nyers, e ainda o jogo com maior número de gols da história do duelo: Inter 6×5 Milan, em 06 de novembro de 1949, com um gol de Nordahl e dois de Nyers. Mesmo com o Milan levantando mais títulos e somando ainda um vice-campeonato na Liga dos Campeões da UEFA de 1957-1958, o clássico teve um balanço bastante equilibrado naquela década de 50: foram seis vitórias rossoneras, sete vitórias nerazzurris e dez empates.

 

Os anos de ouro – parte 1

Mazzola e Rivera, capitães de Inter e Milan, antes de um Derby: ícones da primeira era de ouro do clássico.

 

Após tantas décadas, o Derby della Madonnina alcançou um patamar histórico nos anos 60, quando ambos os clubes construíram esquadrões que marcaram época não só na Itália, mas também em todo mundo. Primeiro, o Milan levantou sua primeira Liga dos Campeões da UEFA, em 1963, repetiu a dose em 1969 e venceu ainda uma Recopa da UEFA, em 1968, um Mundial de Clubes, em 1969, uma Copa da Itália, em 1967, e dois Campeonatos Italianos, em 1962 e 1968 – leia mais clicando aqui! Comandado em grande parte daquele período por Nereo Rocco, o rossonero teve jogadores como Cesare Maldini, Schnellinger, Amarildo, Altafini, Hamrin, Prati e, sobretudo e todos, Gianni Rivera, genial meia que encantou a Itália e o mundo com um futebol primoroso e que se transformou na grande estrela do Milan na época.

O Milan campeão da Europa em 1963. Em pé: Cesare Maldini, Víctor Benítez, Gianni Rivera, José Altafini, Bruno Mora e Gino Pivatelli. Agachados: Giorgio Ghezzi, Mario Trebbi, Mario David, Giovanni Trapattoni e Dino Sani.

 

Mas a Inter não deixou por menos. Comandada pelo mago Helenio Herrera, a nerazzurri venceu duas Ligas dos Campeões da UEFA (1964 e 1965), dois Mundiais de Clubes (1964 e 1965) e três Campeonatos Italianos, em 1963, 1965 e 1966, este último que simbolizou a conquista da sonhada estrela acima do escudo em alusão ao 10º Scudetto da história do clube, algo que o Milan só conseguiria mais de uma década depois, em 1979. A Inter daquela época ganhou até o apelido de Grande Inter – leia mais clicando aqui!, pela imponência sobre os adversários e craques da mais alta estirpe como Facchetti, Picchi, Burgnich, Luis Suárez, Jair da Costa, Domenghini e Sandro Mazzola, filho do lendário Valentino Mazzola e também o grande estandarte daquela Internazionale. Entre os grandes jogos da década, destaque para a vitória do Milan por 5 a 3 sobre a Inter, em março de 1960, com quatro gols de Altafini – recorde individual de gols até hoje no Derby -, o 5 a 2 da Inter, em março de 1965, com dois gols de Mazzola, o 4 a 0 da Inter, em abril de 1967, e o 4 a 2 do Milan, em junho de 1968.

Facchetti ergue a Liga dos Campeões da UEFA de 1965 em pleno San Siro.

 

A predominância dos irmãos de Milão foi tamanha que acabou influenciando até na seleção italiana, que montou uma forte equipe na época e levantou a Eurocopa de 1968 com nove jogadores entre os convocados pertencentes aos clubes de Milão, sendo Rosato (Milan), Burgnich (Inter), Facchetti (Inter), Sandro Mazzola (Inter) e Domenghini (Inter) titulares no time que derrotou a Iugoslávia na final. Dois anos depois, na Copa de 1970, outra vez nove jogadores dos clubes de Milão foram para o Mundial e ajudaram a Itália a chegar até a final, perdida para o estupendo Brasil. No entanto, o técnico Valcareggi ficou marcado por não conseguir encontrar um esquema para que Mazzola e Rivera jogassem bem juntos, colocando um em cada tempo do jogo na maioria das vezes. Uma tristeza para os torcedores de Inter e Milan, que ficaram apenas na ilusão de ver a Azzurra campeã do mundo com o talento da dupla.

 

(Breves) Gêmeos siameses

Os irmãos, juntos, contra o Chelsea. Em pé: Liedholm (técnico do Milan), Schnellinger, Angelillo, Barluzzi, Guarneri, Picchi e Herrera (técnico da Inter). Agachados: Jair, Peiró, Suárez, Pelagalli, Corso e Trapattoni.

 

Uma curiosidade é que, em 1965, os rivais se uniram para disputar uma partida amistosa no San Siro contra o Chelsea, que valia o troféu da amizade ítalo-britânica, com o Duque de Edimburgo – marido da Rainha Elizabeth II – nas arquibancadas. E o combinado MilanInter venceu os ingleses por 2 a 1. Os irmãos ainda entraram em campo outras vezes, com destaque para os anos de 1949 (contra o Áustria Viena, derrota por 4 a 3), 1969 (vitória sobre o Lyon por 7 a 1), 1980 (derrota para o Bayern por 2 a 1) e 1982 (derrotas para Polônia e Peru por 2 a 1 e 2 a 0).

Vale destacar que em 1980, no jogo que serviu para arrecadar fundos para as vítimas de um grave terremoto na Irpinia, região ao sul da Itália, os torcedores de Milan e Inter trocaram insultos nas arquibancadas e o locutor do San Siro teve que intervir para apaziguar os ânimos – teve até coquetel molotov lançado pela torcida da Inter contra a do Milan. Era um prenúncio de que novas uniões não seriam bem vindas. Prova disso é que as duas seguintes, em 1982, foram as últimas com Milan e Inter sob mesmo manto e mesmo lado do campo. Aqueles irmãos gêmeos não eram, de fato, siameses…

 

A primeira decisão, o hiato e a segunda era de ouro

Mazzola, Anastasi e Rivera, em 1977: sorrisos e bom futebol.

 

No Campeonato Italiano de 1970-1971, os rivais brigaram ponto a ponto pelo Scudetto. O Milan venceu o duelo do turno por 3 a 0. No returno, vitória da Inter por 2 a 0. E, no final, título nerazzurri com quatro pontos de vantagem sobre o vice-campeão Milan, que empatou demais ao longo da campanha. Aquele título foi o último lampejo do time interista que brilhou por tanto tempo. A equipe só voltaria às glórias em 1978, com a conquista da Copa da Itália. Já o Milan teve o doce sabor de levantar um troféu na primeira final oficial entre os rivais de Milão na história. Foi na temporada 1976-1977, quando o Derby della Madonnina decidiu a Copa da Itália. Comandados mais uma vez por Nereo Rocco, os rossoneros venceram por 2 a 0 e celebraram o título no San Siro. Dois anos depois, o Milan levantou seu 10º Scudetto e pôde, enfim, estampar uma estrela acima de seu escudo. Vale lembrar que, de novembro de 1974 até março de 1979, o Milan acumulou 13 jogos sem perder da Inter, com sete vitórias e seis empates – a maior série invicta dos rossoneros na história do confronto.

Jogadores do Milan celebraram a conquista da Copa da Itália de 1977 em cima da Inter.

 

Em 1980, o San Siro ganhou um nome oficial: Giuseppe Meazza, em homenagem ao célebre craque dos anos 30. Como o atacante brilhou mais com a camisa da Inter do que com a do Milan, criou-se um mito de que a partir daquela época a torcida da Inter passou a chamar o estádio de Giuseppe Meazza e a do Milan de San Siro. No entanto, tais nomenclaturas são válidas para ambas as torcidas. Raro é ouvir alguém chamar o estádio de Giuseppe Meazza. Mais raro ainda são os nerazzurris que chamam a “nave” de Meazza. Leia mais sobre esse assunto clicando aqui.

Franco Baresi e Giuseppe Baresi: irmãos, mas com camisas diferentes. Eles se enfrentaram várias vezes nos anos 80.

 

No começo dos anos 80, os rivais nada puderam fazer para impedir o sucesso da Juventus de Platini, grande time italiano da época. Para piorar, o Milan foi rebaixado duas vezes – uma em 1980, por causa do escândalo de manipulação de resultados conhecido como Totonero, e em 1982, após ficar na 14ª posição entre 16 times. Com isso, o Derby della Madonnina voltou ao ostracismo e só saiu dele a partir de 1987, quando Milan e Inter começaram a se reerguer no futebol italiano e continental. Primeiro foi o clube rossonero, que construiu um dos maiores times de todos os tempos com Maldini, Baresi, Rijkaard, Gullit e Van Basten e conquistou duas Ligas dos Campeões da UEFA (1989 e 1990), dois Mundiais de Clubes (1989 e 1990), duas Supercopas da UEFA (1989 e 1990), um Campeonato Italiano (1987-1988) e uma Supercopa Italiana (1988). Entre outubro de 1986 e março de 1991, o Milan venceu cinco Derbys, empatou dois e perdeu três.

Rijkaard – Van Basten – Gullit: simplesmente incríveis com a camisa do Milan.

 

Já a Inter levantou um histórico Scudetto em 1988-1989 e, no começo dos anos 90, faturou ainda duas Copas da UEFA (em 1991 e 1994) com grandes jogadores como Zenga, Bergomi, Matthäus, Brehme, Klinsmann, Berti, Bianchi e muitos outros – leia mais clicando aqui. No campeonato mais forte e famoso do planeta na época, o Derby della Madonnina voltava a brilhar e era uma atração à parte, com muitos jogadores de peso e craques emblemáticos que enriqueceram ainda mais a história do duelo. E o Derby ganhou até espaço na Copa do Mundo de 1990, quando Alemanha e Holanda se enfrentaram no San Siro pelas oitavas de final justamente com os trios de estrelas de cada equipe em campo – Gullit, Rijkaard e Van Basten, pela Holanda, e Matthäus, Brehme e Klinsmann, pela Alemanha. Os germânicos venceram por 2 a 1. E levaram ao delírio os nerazzurri de plantão.

Matthäus – Klinsmann – Brehme: santos alemães em Milão.

 

Nos anos 90, o Milan voltou a ser hegemônico com mais uma coleção de títulos – leia mais clicando aqui -, deixou a Inter comendo poeira na Liga dos Campeões (em 1994, o Milan já tinha cinco troféus contra apenas dois do rival) e emendou nove jogos sem perder entre março de 1991 e março de 1994, com cinco vitórias e quatro empates, com direito a um triunfo por 3 a 0 que eliminou a rival nas quartas de final da Copa da Itália de 1992-1993. Maaaas, sabe como é rival, não é? Entre outubro de 1994 e novembro de 1997, foi a vez da Inter ficar exatos nove jogos sem perder para o Milan, também com cinco vitórias e quatro empates e triunfo duplo por 2 a 1 nas oitavas de final da Copa da Itália de 1994-1995. Maaaaas, quando a Inter pensava em completar a dezena, o Milan enfiou 5 a 0 na nerazzurri no primeiro jogo das quartas de final da Copa da Itália de 1997-1998.

 

Novo milênio, novas histórias

Experimente dizer o nome do jogador aí de cima perto de um torcedor da Inter. Ele vai sair correndo assim que começar a ouvir “Shev…”

 

Nos anos 2000, a Inter teve que engolir a seco uma nova era de ouro do rival. Tudo começou em 11 de maio de 2001, quando o Milan, mesmo em crise e com técnico interino, goleou a Inter no returno do Campeonato Italiano por 6 a 0. Foi a maior goleada da história do Derby e um show rossonero comandado, sobretudo, pela torcida, que impôs medo ao rival com muita fumaça e uma sinistra imagem do diabo, e em campo por Shevchenko, autor de dois gols. O ucraniano se transformou naquele começo de século no maior artilheiro da história do Derby com 14 gols, um verdadeiro terror para os torcedores nerazzurris. No duelo seguinte a esse 6 a 0, o Milan voltou a sapecar o rival, dessa vez por 4 a 2 e com mais dois gols de Sheva.

Na goleada de 6 a 0 de 2001, Milan venceu na base da torcida…

 

… E dos gols de Shevchenko e companhia!

 

A Inter venceu o Derby seguinte por 1 a 0, mas ficou os dez jogos seguintes sem vencer. Pior: foi eliminada nas semifinais da Liga dos Campeões da UEFA de 2002-2003 após empates em 0 a 0 e 1 a 1 (gol de Sheva…), com classificação do Milan por causa do critério de gol marcado fora de casa. Na final, os rossoneros ainda foram campeões batendo a Juventus, na primeira final italiana da história da competição. Dois anos depois, nas quartas de final da Liga dos Campeões de 2004-2005, o Milan mais uma vez esteve no caminho da Inter. No primeiro jogo, vitória rossonera por 2 a 0, com gols de Stam e Shevchenko. Na volta, Shevchenko fez mais um gol para o Milan, aos 30’ do primeiro tempo, e tornou ainda mais difícil a reviravolta da Inter – que precisava de quatro gols. Para piorar, aos 25’ do segundo tempo, a torcida nerazzurri começou a lançar diversos rojões e sinalizadores no gramado em protesto por um gol anulado de Cambiasso.

LEIA TAMBÉM – Os duelos entre a dupla na história da Liga dos Campeões da UEFA

Um desses sinalizadores acabou atingindo o ombro do goleiro rossonero Dida, que caiu no gramado com ferimentos leves. O artefato furou a camisa do camisa 1 e ele teve que ser substituído. No entanto, o árbitro encerrou a partida por falta de segurança e o Milan foi declarado vencedor com o placar de 3 a 0, além de a Inter ser punida pela UEFA. Aquele foi o 10º jogo seguido sem derrota do Milan para a Inter. Só em dezembro de 2005 que a equipe nerazzurri conseguiu acabar com o jejum num alucinante 3 a 2, com um gol de Adriano aos 48’ do segundo tempo. Entre 2003 e 2007, o Milan voltou ao topo da Europa com diversos títulos, incluindo mais duas Ligas dos Campeões da UEFA (em 2003 e 2007) e um Mundial de Clubes, em 2007.

No dia do confronto pelas quartas de final da Liga dos Campeões de 2004-2005, o fotógrafo Stefano Rellandini (Reuters / AFP) captou essa foto aí. E ela se transformou na mais icônica imagem do Derby della Madonnina de todos os tempos.

 

Adriano sobe e destrói a invencibilidade do Milan em 2005.

 

Nos anos seguintes, o Milan diminuiu sua intensidade copeira e a Inter cresceu, acumulando títulos nacionais e internacionais, com destaque para a Liga dos Campeões da UEFA de 2010 e o Mundial de Clubes do mesmo ano. Em agosto de 2009, a nerazzurri ainda goleou o rival por 4 a 0, gols de Thiago Motta, Milito, Stankovic e Maicon. Em 2011, o Derby cruzou fronteiras e foi parar na China. Motivo? A final da Supercopa da Itália, realizada no famoso Estádio Nacional de Pequim. E, assim como na outra decisão entre ambos lá nos anos 70, deu Milan: 2 a 1, de virada, com gols de Ibrahimovic e Boateng.

Festa da Inter com o título europeu de 2010.

 

E festa do Milan, na Supercopa de 2011. Foto: Franko Lee / AFP / CP.

 

Depois dessa final, o clássico acabou perdendo o prestígio de mais de três décadas seguidas por causa da má fase de ambos os clubes. Com o Campeonato Italiano em profunda queda de qualidade e a hegemonia entediante da Juventus nos anos 2010, o Derby della Madonnina seguiu mais romântico do que competitivo, mas voltou a dominar os holofotes a partir de 2021, com os títulos de Inter e Milan no Campeonato Italiano, respectivamente, e do reencontro da dupla em uma Liga dos Campeões da UEFA exatos 20 anos após o primeiro encontro, quando os rivais voltaram a se enfrentar na temporada 2022-2023, de novo na semifinal.

Foto: Icon Sport.

 

Campeão italiano na temporada anterior, o Milan não figurava entre os favoritos antes da competição começar, mas fez uma boa primeira fase e, na etapa final, despachou o Tottenham-ING e o Napoli-ITA antes de garantir sua vaga entre os quatro melhores. Já a Inter, campeã da Copa da Itália de 2021-2022, vinha com um time muito organizado e com uma retaguarda difícil de ser superada graças ao trabalho do técnico Simone Inzaghi. O duelo entre os rivais tinha talvez um ligeiro equilíbrio pela primeira vez se compararmos com os times de 2003 e 2005, época na qual o Milan era superior. Mas, quando a bola rolou na primeira partida, com mando do Milan e maioria da torcida rossonera – o San Siro recebeu mais de 75 mil pessoas! -, a Inter demoliu o rival principalmente no primeiro tempo.

Logo aos 8’, Dzeko abriu o placar após completar para o gol um escanteio de Çalhanoglu. Aos 11’, Mkhitaryan recebeu de Dimarco e fuzilou o goleiro Maignan para fazer 2 a 0. O Milan simplesmente não conseguia jogar, não deu nenhum chute a gol nos primeiros 30 minutos e o goleiro Onana era um mero espectador. Por outro lado, a Inter sempre chegava com perigo, aproveitando os espaços da exposta zaga rossonera.

Sem Rafael Leão, lesionado, o Milan não tinha velocidade nem criatividade pela ponta-esquerda e só não saiu perdendo de mais por causa da trave que impediu um gol de Çalhanoglu e porque Lautaro preferiu cavar um pênalti em um lance no qual poderia ter concluído a gol. Para piorar, o Milan viu Bennacer se lesionar e ter que sair aos 18’. No segundo tempo, o Milan conseguiu equilibrar um pouco as coisas, mas a zaga nerazzurri estava impecável. E, nos contra-ataques, a Inter levava mais perigo. No fim, o placar ficou mesmo em 2 a 0 e deixou o time de Inzaghi com os dois pés na final. De quebra, deu à Inter sua primeira vitória em um derby della madonnina na UCL.

Lautaro marcou o seu e garantiu a Inter na decisão! Foto: Isabella BONOTTO / AFP

 

Com a volta de Rafael Leão, o Milan foi para o segundo jogo mais esperançoso em conseguir a virada, afinal, o atacante era a estrela do ataque rossonero na temporada e com participação em quase 30 gols da equipe. Porém, a Inter foi a campo com a mesma formação do duelo da ida e se defendeu otimamente bem e segurando as investidas do rival nos primeiros 15 minutos. A Inter também atacou com perigo e só não abriu o placar na etapa inicial porque o goleiro Maignan fez duas defesas dificílimas. Leão, longe da melhor forma física, não foi o “feroz” ponta dos outros jogos e pouco produziu. No final da primeira etapa, Mkhitaryan acabou saindo por lesão e deu lugar a Brozovic, que manteve a força defensiva no meio de campo.

Foto: Mike Hewitt/Getty Images

 

Na segunda etapa, o jogo foi modorrento e o Milan não esboçou nenhuma criatividade. Até que, aos 29’, Lukaku tabelou dentro da área com Lautaro e o argentino fuzilou o goleiro Maignan para fazer 1 a 0 e explodir o Giuseppe Meazza, que cantou que a Inter de Milão estava na final da Liga dos Campeões da UEFA pela sexta vez em sua história. Já o Milan, enfim, sentiu o amargo gosto de ser eliminado pelo rival na temporada 2022-2023.

O clássico segue como um dos mais respeitados e adorados do mundo, atraindo multidões superiores a 70 mil pessoas no San Siro. Um verdadeiro patrimônio de Milão. E abençoado todos os dias pela Madonnina.

 

Curiosidades:

    • Paolo Maldini, lenda do Milan, é o jogador com mais Derbys disputados na história: 56 jogos
    • Javier Zanetti, lenda da Inter, vem logo em seguida, com 47 partidas;
    • O Milan detém o recorde de vitórias seguidas no clássico: seis, entre fevereiro de 1911 e fevereiro de 1919, e também de maio de 1946 até abril de 1948;
    • Sandro Mazzola, da Inter, fez o gol mais rápido da história do Derby: 13 segundos, em 24 de fevereiro de 1963;
    • O mais longínquo foi de Zapata, do Milan, aos 52’ do segundo tempo, em 15 de abril de 2017;
    • O jogador que marcou mais gols em um só Derby na história é o brasileiro José Altafini: foram quatro gols na vitória do Milan por 5 a 3, no dia 27 de março de 1960;
    • Saul Malatrasi é o único jogador multicampeão dos principais torneios do futebol pelos dois clubes: ele venceu Campeonato Italiano, Liga dos Campeões da UEFA e Mundial de Clubes vestindo nerazzurri e também rossonero;
    • Zlatan Ibrahimovic é o único jogador que conseguiu ser artilheiro da Série A tanto pela Inter (2009) como pelo Milan (2012);
  • Em duelos eliminatórios e decisões, a vantagem do Milan é esmagadora. O clube rossonero saiu vencedor nas seguintes ocasiões:

1976-1977 – Final da Copa da Itália – Milan 2×0 Inter;

1984-1985 – Semifinal da Copa da Itália – Inter 1×2 Milan / Milan 1×1 Inter;

1992-1993 – Quartas de final da Copa da Itália – Milan 0x0 Inter / Inter 0x3 Milan;

1997-1998 – Quartas de final da Copa da Itália – Milan 5×0 Inter / Inter 1×0 Milan;

2002-2003 – Semifinais da Liga dos Campeões da UEFA – Milan 0x0 Inter / Inter 1×1 Milan;

2004-2005 – Quartas de final da Liga dos Campeões da UEFA – Milan 2×0 Inter / Inter 0x3 Milan (após suspensão da partida quando o placar estava 1 a 0 para o Milan, o clube rossonero foi declarado vencedor pela UEFA, que estipulou o placar de 3 a 0);

2011-2012 – Final da Supercopa da Itália – Milan 2×1 Inter;

2017-2018 – Quartas de final da Copa da Itália – Milan 1×0 Inter.

A Inter saiu vencedora nas seguintes ocasiões:

1994-1995 – Oitavas de final da Copa da Itália – Milan 1×2 Inter / Inter 2×1 Milan

1999-2000 – Quartas de final da Copa da Itália – Milan 2×3 Inter / Inter 1×1 Milan

2020-2021 – Quartas de final da Copa da Itália – Inter 2×1 Milan

2022-2023 – Final da Supercopa da Itália – Inter 3×0 Milan

2022-2023 – Semifinal da Liga dos Campeões da UEFA – Milan 0x2 Inter / Inter 1×0 Milan

  • Nos anos 70 e 80, após alguns casos de violência e tensão entre as torcidas, foi feito um pacto de beligerância em 1983 que evitou brigas ao longo das décadas. Com isso, o duelo não tem o cunho violento de outros clássicos do mundo. As torcidas costumam se provocar, claro, mas nada que gere conflitos e confrontos mais sérios;
  • Vários jogadores já vestiram as camisas de ambos os clubes na história, tais como Meazza, Aldo Serena, Toldo, Panucci, Roberto Baggio, Davids, Vieira, Ronaldo, Pirlo, Vieri, Seedorf, Crespo, Ibrahimovic, Balotelli entre outros.

 

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Comentários encerrados

5 Comentários

  1. Comecei assistir inter x Milan anos 2001
    Mesmo com o Milan em vantagem nessa época sempre torci para a Internazionale e meu ídolo Cristian Vieri meu jogo memorável foi o da semi final da ucl de 2001-2002

  2. NOSSA!!! Bem lembrado esse jogo da temporada 2005-2006. Eu assisti a essa partida.

    Inter e Milan tinham duas seleções internacionais. Se não foram todos, foram praticamente todos os 22 que disputaram a Copa de 2006.

    Que diferença do estado atual das duas equipes (e do campeonato italiano como um todo).

  3. Sensacional o texto, como sempre! Parabéns pelo belo trabalho desenvolvido. Mas senti falta de referências ao período entre 2006 e 2011, no qual a Inter perdeu poucas vezes para o rival. Dava para ter destacado, entre outros jogos, o 4×3 da temporada 2006-2007, além do 4×2 de 2011-2012, com tripletta de Diego Milito. Aliás, acho que o argentino, carrasco dos rossoneri, deveria ter sido mencionado no texto.

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