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Esquadrão Imortal – Juventude 1998-1999

Em pé: Álvaro Peixoto (Prep. Físico), Édson Camargo (Massagista), Gélson Mazzotti, Iran Cercato (Médico), Mabília, Roberto, Marcos Teixeira, Picoli, Dênis, Patrício, Índio, Humberto, Ilo Guarani (Prep. Goleiros) e Émerson. Agachados: Lauro, Fernando, Alcir, Mário Tilico, Kiko, Gil Baiano, Flávio Campos, Maurílio e Márcio Mixirica.

 

Grandes feitos: Campeão da Copa do Brasil (1999) e Campeão Gaúcho Invicto (1998). Foi o primeiro clube do interior do Rio Grande do Sul a vencer o campeonato estadual após 59 anos e conquistou o maior título da história do clube.

Time-base: Émerson (Humberto); Marcos Teixeira (Borges Neto / Alcir), Índio (Picoli), Capone e Dênis (Édson); Roberto (Marcão), Flávio Campos, Lauro (Wallace) e Mabília (Sandro Fonseca); Maurílio (Rodrigo Gral / Fernando / Mário Tilico) e Márcio Mixirica (Sandro Sotilli). Técnicos: Lori Sandri (1998) e Walmir Louruz (1999).

 

“Juventude de Sucesso”

Por Guilherme Diniz

 

Por quase seis décadas, o cenário era o mesmo. Previsível. No Rio Grande do Sul, ou Grêmio ou Inter era campeão estadual. Não havia qualquer brecha para intrusos do interior. Por mais que brigassem, sempre perdiam. Mas havia um clube de Caxias do Sul que planejava uma mudança drástica na ordem das coisas. A primeira mostra aconteceu em 1994, quando venceu a Série B do Campeonato Brasileiro. Na Série A, passou a jogar com mais regularidade contra os grandes clubes do país. E, claro, contra a dupla soberana do estado gaúcho. Adquiriu experiência. Percebeu os pontos fracos. Ganhou confiança. E, em 1998, destruiu aquela escrita com uma categórica vitória sobre o Inter na decisão e levantou a taça sem uma derrota sequer. Era o topo para eles? Que nada.

No ano seguinte, o clube alviverde voltou a derrubar o Colorado (com requintes de crueldade) e, na decisão da Copa do Brasil, não se intimidou com as mais de 100 mil pessoas no Maracanã. Aquela juventude não era transviada. Sabia muito bem seu caminho e onde queria chegar. Eles seguraram o placar que precisavam. E conquistaram o Brasil. Com uma ascensão surpreendente, o Juventude escreveu páginas impressionantes naquele final de século. Com uma boa injeção financeira da Parmalat, formou times competitivos que colocaram Caxias do Sul no mapa do futebol nacional. Não era um time de estrelas, longe disso. Mas tinha um conjunto notável. Competitivo e que conseguia enfrentar qualquer equipe. É hora de relembrar.

 

Parceria promissora

Já em 1994, o Juventude conquistou a Série B do Brasileiro.

 

Antes desconhecido no cenário nacional e na sombra até mesmo do rival da cidade, o Caxias, o Juventude viu sua história começar a mudar completamente em 1993. Foi naquele ano que a Parmalat, buscando um clube gaúcho identificado com a colônia italiana no Brasil, escolheu o alviverde para iniciar uma vertiginosa parceria a fim de expandir sua marca no sul do país. A menina dos olhos da empresa era o Palmeiras, que ganhava os principais aportes financeiros, mas o Juventude não ficou atrás e ganhou, logo na assinatura do contrato, 450 mil dólares para melhorar suas instalações, além de 120 mil dólares mensais (⅓ do que o Palmeiras ganhava…) para investimentos em jogadores e comissão técnica. O montante investido pela empresa italiana chegava a quase 80% do faturamento total do Juventude, que começou a pensar em voos mais altos. Com mais capital para contratações, a equipe conseguiu já em 1994 o acesso à primeira divisão do Campeonato Brasileiro com o título da Série B daquele ano, com uma grande campanha que culminou com vitória por 2 a 1 sobre o Goiás na finalíssima.

Muitos acreditavam que o clube não teria forças para se manter na elite, mas as crenças caíram por terra. O Ju não só ficou na primeira divisão nos anos seguintes como se classificou para o mata-mata de 1997 ao terminar a primeira fase na 8ª colocação. Na segunda fase, no entanto, a equipe não foi párea para o Vasco de Edmundo, que terminou em primeiro lugar no Grupo A de um dos quadrangulares e se classificou para a decisão. Prejudicou bastante o fato de o alviverde não poder jogar em seu estádio, o Alfredo Jaconi, por ordem da CBF e ter que mandar seus jogos no Olímpico. Sem a pressão da torcida, o time atuou em campo “neutro” contra os rivais naquela fase decisiva do Brasileirão. No cenário regional, o Juventude ainda vinha de dois vice-campeonatos estaduais em 1994 e 1996, resultados expressivos e que sinalizavam algo muito bom para o clube no futuro.

Foi então que, em 1998, a equipe colocou o Campeonato Gaúcho como meta principal da temporada. Tudo bem que a dupla Gre-Nal era a favorita inquestionável e não deixava nenhum clube atrapalhar aquela troca de protagonismo há mais de quatro décadas (o último campeão diferente havia sido o Renner, em 1954, além de o último campeão do interior ter sido o Riograndense, em 1939), mas o Juventude acreditava em um resultado melhor com jogadores como Flávio Campos – ídolo da torcida e em sua segunda passagem pelo clube na época -, Maurílio, que jogara no Palmeiras e veio por ter contrato com a Parmalat, Sandro Sotilli (ex-Inter), Rodrigo Gral (ex-Grêmio) e Sandro Fonseca (ex-Portuguesa). Comandados por Lori Sandri, contratado pelo clube gaúcho após passagem pelo futebol do Emirados Árabes Unidos, o Juventude estava pronto para buscar um lugar na história.

 

Imbatíveis

Assim como Inter e Grêmio, o Juventude entrou na segunda fase do Campeonato Gaúcho de 1998 e não tomou conhecimento dos rivais. Venceu em casa o São José (2 a 1), empatou fora com o Brasil de Pelotas (0 a 0) e com o Brasil de Farroupilha (1 a 1), venceu em casa o Brasil de Farroupilha (2 a 0) e o de Pelotas (1 a 0) e empatou sem gols com o São José fora de casa. Nas quartas de final, os alviverdes despacharam o Glória com uma vitória por 1 a 0 fora de casa e triunfo por 2 a 0 em Caxias do Sul.

Nas semis, os comandados de Lori Sandri seguraram o empate sem gols contra o Brasil de Pelotas fora de casa e venceram a volta por 2 a 1, resultado que colocou o Juventude em mais uma final de Estadual – era a segunda em apenas cinco anos, sem contar a segunda colocação no campeonato “Interminável” de 1994, que foi disputado por pontos corridos. O Juventude teria pela frente o Internacional do artilheiro Christian na decisão. Claro que o favoritismo era todo do Colorado, ainda mais pelo fato de decidir em casa. Só que o Juventude contava com o caldeirão do Alfredo Jaconi no primeiro duelo.

 

O título para a história

Na primeira partida, em Caxias, o roteiro manjado pareceu dar as caras quando Christian abriu o placar para o Inter no comecinho do jogo e fez a alegria da torcida colorada, que ganhou o apoio de vários torcedores do Caxias nas arquibancadas. Só que o Juventude não se abateu e empatou com um golaço do capitão Flávio Campos, de fora da área, ainda no primeiro tempo. Na segunda etapa, Flávio Campos aproveitou uma bola alçada na área e virou o jogo para o alviverde, aos 12’. Rápido e embalado, o Juventude não parou de atacar. E, aos 23’, Lauro encheu o pé de dentro da área para fazer 3 a 1. Foi um show alviverde! E a vantagem do empate para o duelo de volta, no Beira-Rio. O Inter teria que vencer para provocar o terceiro jogo.

A vitória em casa era tida como o limite para o time de Caxias. Suportar a pressão do Beira-Rio e o peso da camisa do Inter seria impossível, acreditavam os “especialistas”. Só que, quando a bola rolou, o Juventude mostrou força defensiva – principalmente com a dupla Capone e Índio -, organização tática e jogou como um time copeiro ao extremo em prol do resultado que lhe convinha. O tempo foi passando e nada do gol sair nem de um lado, nem do outro. E, ao apito final do árbitro, o Juventude conquistou seu primeiro título gaúcho. Invicto! Improvável. Histórico. Sete vitórias e cinco empates em 12 jogos, com 14 gols marcados e apenas quatro sofridos.

Naquela tarde, o clube alviverde quebrou duas escritas: foi o primeiro diferente da dupla Gre-Nal a vencer a competição desde o Renner, em 1954, e o primeiro do interior a levantar a taça desde o Riograndense, em 1939. Simplesmente épico! Mesmo com os gigantes de Porto Alegre passando por uma entressafra, era um feito impressionante por se tratar de Grêmio e Inter, absolutos, gigantescos e que quase nunca deixavam “intrusos” levantarem o troféu. Lauro, autor de um dos gols na primeira final, comentou sobre a finalíssima.

 

“Para uma equipe do interior conseguir o que conseguimos naquela época era muito difícil. Quase ninguém acreditava nisso. Todo mundo esperava que o Inter revertesse no Beira-Rio […] A gente sabia que mesmo que perdesse já teria feito o nosso papel. Em geral, é assim: o time do interior chega e perde. Então ter chegado nos deixava em uma situação boa”. – Lauro, em entrevista ao Correio do Povo, 29 de abril de 2016.

 

O título parou o lado verde e branco de Caxias do Sul, que foi às ruas comemorar o feito histórico. E a façanha ajudou o clube a crescer ainda mais. Com cerca de 2 mil sócios na época, o Juventude viu o número aumentar para 8 mil só por causa do título gaúcho. Além disso, a exposição da equipe na TV cresceu e mais jogos do alviverde passaram a ser transmitidos. Embora tenha feito um Campeonato Brasileiro decepcionante – ficou na 18ª posição – o foco da equipe já era outro: a disputa da Copa do Brasil de 1999, cuja presença estava garantida graças ao título estadual.

 

A saga brasileira

Walmir Louruz, técnico do Juventude em 1999.

 

O Juventude trouxe Walmir Louruz para o comando técnico na temporada de 1999 e manteve a base campeã estadual, com alguns reforços pontuais, entre eles o goleiro Émerson, ex-Bragantino. Se no Campeonato Gaúcho a equipe não conseguiu o bicampeonato – o título ficou com o Grêmio de Ronaldinho, a Copa do Brasil foi tratada como prioridade pela diretoria. A estreia não poderia ser melhor: goleada de 5 a 1 sobre o Guará-DF, fora de casa, resultado que livrou o alviverde da partida de volta. Na sequência, a equipe enfrentou o Fluminense, que passava pelo mais terrível momento de sua história, na Série C do Brasileiro. Na ida, os gaúchos perderam por 3 a 1 no Maracanã, mas deram o troco em Caxias: 6 a 0, com quatro gols de Flávio Campos, um de Maurílio e um de Capone.

Garantido nas oitavas de final, o Juventude teve pela frente seu primeiro grande desafio: o Corinthians, campeão brasileiro no ano anterior e com jogadores como Gamarra, Sylvinho, Vampeta e Marcelinho Carioca. O primeiro jogo foi em Caxias do Sul e o Juventude não se intimidou com o alvinegro paulista: vitória por 2 a 0, gols de Capone – vivendo uma fase artilheira notável – e Índio. O Timão teria que vencer por dois gols de diferença o duelo de volta, no Pacaembu, se quisesse a vaga nas quartas de final. Mas os gaúchos fizeram um gol logo no início do jogo e derrotaram outra vez o alvinegro: 1 a 0.

O defensor Capone, “figurinha” de peso do Juventude em 1999.

 

A classificação empolgou de vez o Juventude. Já nas quartas, a equipe sonhava com uma possível final, embora soubesse que o desafio era imenso. Diante do Bahia, do técnico Joel Santana, a equipe fez o primeiro jogo em casa e saiu perdendo, mas virou com Mabília e Mário Tilico até Uéslei empatar e dar números finais ao jogo: 2 a 2. O resultado foi péssimo para o time alviverde, que teria que vencer em Salvador ou pelo menos empatar em 2 a 2 para levar a decisão para os pênaltis. E foi isso que aconteceu: novo empate em 2 a 2 (com mais um gol do artilheiro Capone), decisão nos pênaltis e vitória do Ju por 4 a 1, com atuação decisiva do goleiro Émerson, que defendeu uma cobrança e viu o rival mandar uma bola na trave.

Gonçalves (centro) e Mabília (à dir.), em um dos jogos entre Inter e Juventude de 1999.

 

O Juventude estava entre os quatro melhores da Copa do Brasil. Mas, por ironia do destino, ele teria pela frente o Internacional, mesmo rival da final do Gauchão de 1998, mas com André, Lúcio, Gonçalves, Dunga e Christian. Chance da desforra para os Colorados? Ou manutenção da freguesia por parte dos alviverdes? Bem, após o empate sem gols no primeiro duelo, em Caxias do Sul, a chance de classificação colorada aumentou consideravelmente. Com a vantagem de decidir em casa e precisando de uma vitória simples, o favoritismo era todo do Inter. Mas o cascudo Juventude sabia muito bem como se portar no estádio que levantou a sua então mais importante taça. E, diante de mais de 70 mil pessoas, jogou como se estivesse no Alfredo Jaconi.

No primeiro tempo, só deu Inter, mas o time jacobino se manteve firme, resistindo. Quando surgiu a primeira oportunidade clara, Marcos Teixeira não desperdiçou e fez 1 a 0. O Inter precisava de dois gols. No segundo tempo, o Colorado foi pra cima. E deu espaços. Com um time rápido e traiçoeiro, o Juventude não perdoou. Márcio Mixirica ampliou logo aos 10’. Aos 27’, Mabília fez o terceiro e muitos torcedores do Inter começaram a deixar o estádio. Os que ficaram começaram a gritar “olé”, em protesto. E tais gritos inspiraram ainda mais o Juventude, que fez o quarto gol, aos 33’, com Capone, de pênalti. Goleada histórica do alviverde: 4 a 0.

Torcida do Inter ficou revoltada e queimou bandeiras e flâmulas do clube por causa da goleada.

 

Foi uma das maiores derrotas da história do Inter e que provocou uma série de protestos e depredações no Beira-Rio, além de vários sócios rasgarem suas carteirinhas e jogá-las na porta do estádio. Enfim, o Juventude estava na final da Copa do Brasil. Só faltava um degrau para um feito inimaginável até para o mais otimista torcedor.

 

Em busca do sonho

O adversário do Juventude na grande final da Copa do Brasil era o Botafogo, que vinha de uma fase cheia de títulos (leia mais clicando aqui!), mas também de problemas financeiros, desconfiança e elenco rachado. Assim como nas fases anteriores, o time alviverde teria que construir um bom resultado em casa para decidir fora. E, no primeiro duelo em um Alfredo Jaconi tomado por mais de 20 mil pessoas, o Juventude começou com tudo e abriu 2 a 0 com gols de Fernando e Márcio Mixirica.

Tensa, a partida era repleta de entradas mais duras e desentendimentos. Wallace, do Juventude, e Sandro, do Botafogo, foram expulsos. Ainda no primeiro tempo, uma falha da zaga permitiu Bebeto descontar para 2 a 1. Na segunda etapa, o Juventude foi pra cima e carimbou a trave do goleiro Wágner duas vezes. Capone, grande nome daquela campanha, acabou expulso. E o Botafogo ainda marcou dois gols, mas ambos anulados por falta de ataque e impedimento. No entanto, ambos foram discutíveis. Vale lembrar que o árbitro daquela partida foi Márcio Rezende de Freitas, famoso pelas lambanças na decisão do Brasileiro de 1995 que favoreceram justamente o Botafogo (talvez ele tenha “se redimido” naquele dia…).

Mesmo sofrendo bastante pressão e com dois jogadores a menos, o Juventude venceu por 2 a 1 e levou para o Rio de Janeiro a vantagem do empate. Só que a imprensa carioca tinha certeza que a equipe gaúcha não ia conseguir segurar o Botafogo no Maracanã lotado. Mas aquela imprensa parecia ter esquecido das coisas que o Juventude fez. Será que não se lembravam dos 4 a 0 sobre o Inter no Beira-Rio? Da vitória sobre o Corinthians no Pacaembu? Da classificação sobre o Bahia em Salvador? Ou mesmo do título Gaúcho no Beira-Rio em 1998? Aquele Juventude era calejado. E sabia muito bem como se portar.

 

O dia para a história

Já no Rio, o time do Juventude teve problemas para dormir e se concentrar antes da partida. Como de praxe, vários torcedores do Botafogo descobriram onde os gaúchos estavam hospedados e fizeram bastante barulho na noite anterior à partida, com foguetórios e gritos. Com a adrenalina a mil, alguns jogadores alviverdes não conseguiram dormir, mas usaram aquilo como combustível para responder em campo. Já no dia 27 de junho de 1999, no trajeto de cerca de 8 km até o Maracanã, os atletas foram escoltados por batedores da polícia e orientados a não abrir a cortina do ônibus até a chegada ao estádio. Édson Camargo, massagista do Juventude na época, relembrou a chegada da equipe ao Maracanã em entrevista ao Globo Esporte.

“Perguntei para o Zico (Nilton Soares, mordomo): ‘O que será isso?’ E era a fila para entrar. Um monte de gente como nunca havia visto na vida. Só uns 15 dias depois que a ficha começou a cair. Quando fecho os olhos, vejo o que passou, minuto por minuto, desde a entrada até a vaia no aquecimento. E superar isso ficou marcado no meu coração e na minha memória. São coisas que levarei para o resto da vida.”

Quando subiu ao gramado para fazer o tal aquecimento, os jogadores do Juventude foram surpreendidos com a quantidade de pessoas que estavam nas arquibancadas. E que não paravam de chegar. Isso faltando duas horas para o início do jogo! O goleiro Émerson confessou tempo depois, também em entrevista ao Globo Esporte, que sentiu a pressão e que muitos atletas ficaram emocionados com aquele ambiente no impactante Maracanã daquela época, de semblante ainda icônico, a Geral e todos os detalhes que fizeram dele um mito do esporte. O goleiro alviverde disse ainda que teve que se isolar na volta ao vestiário para se recompor e entrar em campo mais equilibrado.

“Eu falo por mim: comecei a tremer de nervoso. E pensei: ‘daqui a duas horas estarei aqui dentro disputando uma final de Copa do Brasil com o Maracanã entupido de gente torcendo contra…’”.

 

Na final da Copa do Brasil de 1999, o Maracanã recebeu pela última vez mais de 100 mil pessoas.

 

E, quando os times já estavam no gramado, a partida se tornou histórica não só por ser uma decisão, mas pelo que aconteceu nas arquibancadas: 101.585 pessoas estavam ali. Seria a última vez que o Maracanã teria um público superior a 100 mil pessoas em toda sua história. A última vez dos seis dígitos. E isso só aconteceu graças aos torcedores do Juventude, que viajaram quilômetros e quilômetros e compraram quase dois mil ingressos!

A atmosfera no estádio era simplesmente contagiante. Parecia uma volta no tempo, quando o Maracanã ficava entupido para ver o Botafogo de Garrincha, Nilton Santos e companhia. Quando a bola rolou, a pressão esperada pelo Juventude não surgiu. A zaga alviverde não tinha tanto trabalho diante de um Botafogo que não era mais o time campeão brasileiro de 1995 e pecava na criatividade. Só na segunda etapa que o alvinegro iniciou ataques mais incisivos, mas parou nas ótimas defesas do goleiro Émerson – agora mais tranquilo! -, na partida impecável do zagueiro Índio e de Picoli, substituto de Capone, e no meio-campista Lauro, ganhando todas no meio de campo. O Juventude jogou pelo resultado. Como copeiro que era. Forasteiro. E, após o apito final e o placar inalterado no Maracanã, fez a festa inimaginável.

Maurílio (à dir.) faz a festa: Juventude campeão do Brasil!

 

Em pleno Maraca, o Juventude conquistou a Copa do Brasil. Era a coroação de uma campanha surpreendente com 11 jogos, seis vitórias, quatro empates, apenas uma derrota, 25 gols marcados e nove sofridos. Capone foi o artilheiro do time com cinco gols, seguido de Flávio Campos e Márcio Mixirica, com quatro cada um, além de Fernando e Mabília, com três cada. Assim como o Criciúma, em 1991, o Juventude conseguia quebrar o lugar comum dos gigantes do futebol brasileiro e alcançar um patamar impressionante na competição. E faturou ainda uma vaga na Copa Libertadores de 2000.

Foi um prêmio, também, ao técnico Walmir Louruz, que armou um time muito veloz, letal em contra-ataques e organizado na defesa, além de transformar o Juventude em uma equipe cascuda, à moda gaúcha, que marcava bastante os adversários e não se intimidava com rival de mais camisa ou casa cheia. Corinthians, Bahia, Internacional e Botafogo eram a prova disso. Sem contar o Flu, atropelado em Caxias do Sul.

 

Nas lembranças de uma época inesquecível

Após a Copa do Brasil, o Juventude perdeu alguns de seus principais jogadores, não manteve a pegada competitiva e fez um péssimo Campeonato Brasileiro, no qual foi rebaixado. Em 2000, disputou a Libertadores, mas foi eliminado ainda na primeira fase. A parceria com a Parmalat ruiu naquele começo de década e o clube foi perdendo a força principalmente após 2007. Após chegar à Série D do Brasileiro e conseguir voltar à Série B, o Juventude espera recuperar o prestígio em breve. Enquanto ele não vem, a torcida segue com as lembranças do time dos anos 1990, que fez o clube ser conhecido em todo o Brasil e alcançar façanhas históricas diante de gigantes do nosso futebol.

O Estádio Alfredo Jaconi exibe com orgulho os dizeres “Campeão do Brasil”.

 

Os personagens:

Émerson: revelado pelo Grêmio, foi emprestado a vários clubes até chegar ao Juventude, em 1999. Fez uma Copa do Brasil brilhante e foi fundamental na conquista alviverde com reflexos apurados e defesas milagrosas. Deixou o Ju para virar ídolo no Bahia, onde jogou por quase seis anos.

Humberto: revelado pelo Juventude em 1994, ficou até 2001 no clube e foi titular em várias ocasiões, principalmente na campanha do título gaúcho de 1998. Com a chegada de Émerson, em 1999, perdeu a titularidade. Virou treinador de goleiros após a aposentadoria.

Marcos Teixeira: lateral-direito do time campeão da Copa do Brasil, apoiava bem o ataque e marcava gols. Deixou a equipe no final de 1999 para jogar no América-MG.

Borges Neto: atuava como lateral e também zagueiro. Foi titular do time campeão gaúcho em 1998. No ano seguinte, acabou indo para o Goiás.

Alcir: não era titular, mas atuou em algumas partidas da campanha do título nacional de 1999. Jogava pela direita do setor defensivo.

Picoli: outro que atuou em algumas partidas da campanha do título de 1999 e manteve a regularidade do setor defensivo do time. Era eficiente na marcação, nos desarmes e tinha bom senso de colocação. Teve passagens pelo Coritiba e pelo futebol chinês.

Capone: foi um dos principais nomes daquele time tanto na conquista de 1998 quanto na taça de 1999. Com atuações decisivas, presença de área e muitos gols (ele foi o artilheiro do Ju na Copa do Brasil com cinco gols), Capone foi ídolo da torcida e um dos principais nomes daquela era histórica. Jogou tanto que foi parar no Galatasaray-TUR, onde atuou pela lateral-direita e venceu a Copa da UEFA de 2000 ao lado de jogadores como Taffarel, Popescu, Hagi, Sükür e companhia. Leia mais clicando aqui!

Índio: chegou em 1996 e fez grandes partidas no setor defensivo do Juventude até 1999. Ao lado de Capone, formou a zaga titular e atuou com muita segurança e regularidade. Foi jogar no Palmeiras após o título nacional, mas não repetiu o futebol de antes.

Dênis: lateral-esquerdo titular na campanha de 1999, ficou no Juventude até 2002 até se transferir para o Paysandu. Teve passagens também pelo Joinville e pelo Canoas.

Édson: teve duas passagens pelo Juventude, de 1992 até 1994 e de 1997 até 1999. Foi lateral-esquerdo do time campeão gaúcho de 1998.

Roberto: volante muito bom na marcação, atuou em nove das 11 partidas do time campeão da Copa do Brasil de 1999. Teve sérios problemas nos joelhos e acabou encerrando a carreira precocemente, aos 29 anos.

Marcão: atuava como defensor e também volante. Teve três passagens pelo Juventude e atuou no time campeão gaúcho de 1998. Passou por vários clubes do país até se aposentar, em 2003, pelo XV de Novembro.

Flávio Campos: capitão e ídolo do clube, foi outro jogador símbolo daquela era vertiginosa. Atuava pelo meio de campo, mas não se limitava somente à marcação e municiava o ataque com bons passes e grandes jogadas. Chutava muito bem de fora da área e marcou vários gols nas caminhadas dos títulos de 1998 e 1999. Marcou quatro gols na campanha da Copa do Brasil de 1999. Recusou várias propostas do futebol internacional só para ficar no Juventude. Deu certo!

Lauro: começou a carreira no Juventude em 1993, saiu em 1998 após o título Gaúcho e retornou já em 1999 para ser um dos destaques do título da Copa do Brasil. Muito identificado com a torcida, virou ídolo e ultrapassou a marca de 500 jogos com a camisa do clube nas várias passagens que teve pelo Ju. Na época, era tido como o melhor volante do Rio Grande do Sul.

Wallace: meio-campista, teve duas passagens pelo Juventude e foi um dos principais nomes do time com grandes jogos e perigosos chutes de média e longa distâncias. Deixou a equipe logo após a Libertadores, em 2000.

Mabília: o meia disputou vários jogos na campanha de 1999 e marcou três gols. Jogou de 1998 até 2000 no Juventude.

Sandro Fonseca: foi um dos destaques da campanha do título gaúcho de 1998 graças aos bons passes no meio de campo. Deixou a equipe após a conquista para jogar no Flamengo.

Maurílio: atacante “rodado”, chegou ao Juventude após uma passagem ruim pelo Palmeiras, mas correspondeu em campo com bons jogos durante a campanha do título nacional de 1999. Não era um goleador, mas abria espaços na zaga rival para a chegada dos companheiros, em especial Flávio e Márcio Mixirica.

Rodrigo Gral: atacante identificado com o Grêmio, teve uma rápida passagem pelo Juventude em 1998, mas o suficiente para levantar a taça de campeão gaúcho pelo alviverde. Retornou ao Grêmio e depois passou por vários clubes do futebol brasileiro e também do Japão e do Qatar.

Fernando: outra cria das bases do Juventude, teve várias passagens pelo clube e marcou o primeiro gol da final contra o Botafogo. Não era titular absoluto, mas ainda sim marcou três gols na campanha do histórico título nacional.

Mário Tilico: atacante campeão brasileiro no São Paulo de Telê, Tilico chegou ao Juventude em 1999 para compor o elenco e ainda sim fez dois gols na campanha do título da Copa do Brasil. Não tinha a velocidade de antes, mas cumpriu seu papel.

Márcio Mixirica: o atacante fez uma grande Copa do Brasil em 1999 e marcou quatro gols, um deles na decisão contra o Botafogo. Após o título, foi jogar na Portuguesa e atuou, também, pelo Galatasaray-TUR, mas sem o brilho do compatriota Capone.

Sandro Sotilli: estava começando a carreira quando chegou ao Juventude, em 1998, e participou da campanha do título gaúcho daquele ano. Deixou a equipe rapidamente e virou um goleador nos estaduais seguintes vestindo as camisas do Glória e do XV de Novembro.

Lori Sandri e Walmir Louruz (Técnicos): os treinadores escreveram seus nomes na história do Juventude com dois títulos simplesmente incríveis. Lori Sandri armou uma equipe com base no retrospecto favorável do ano de 1997 e fez do Ju campeão estadual invicto, quebrando escritas tidas como “inquebráveis”. Lori faleceu em 2014, aos 65 anos. Já Louruz transformou o Juventude em uma equipe destemida, copeira e que jogava bem tanto em casa quanto fora dela. Mesmo sem uma referência no ataque nem estrelas, conseguiu extrair o máximo de Lauro, Flávio Campos e Capone para que seu time dominasse as ações do meio de campo e apostasse sempre na forte marcação, na velocidade e na intensidade. E foi assim que o Juventude conquistou o Brasil. Louruz faleceu em 2015, aos 71 anos. Tanto ele quanto Lori Sandri são eternos na história do Juventude.

 

Extras:

 

Veja lances da campanha do título de 1999.

 

 

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Comentários encerrados

8 Comentários

  1. Juventude é um desses times pouco badalados que, do nada, aparecem e surpreendem a tudo e todos. Assim como Bragantino em 1990 e 1991, Novorizontino em 1990, Inter de Limeira em 1986, Bangu em 1985, Mogi Mirim em 1993, Santo André em 2004 e outros.

    Pena que, assim como do nada surgem, do nada também desaparecem. Quase sempre por conta de questões financeiras.

  2. Que texto espetacular,meus parabéns.

    O Juventude é um time que simpatizo até hoje pela grande semelhança com meu Palmeiras.

    E uma ressalva, o Juventude foi rebaixado em 1999, porém com o Caso Sandro Hiroshi, permaneceu na primeira divisão, e só foi de fato rebaixado em 2007.

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