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Estádio Nacional – El Coloso de Ñuñoa

Foto: Arquivo Pessoal / IF.
Foto: Arquivo Pessoal / IF.

Por Guilherme Diniz

 

Nome: Estádio Nacional Julio Martínez Prádanos

Localização: Ñuñoa, Santiago, Chile

Inauguração: 03 de dezembro de 1938

Partida Inaugural: Colo-Colo-CHI 6×3 São Cristóvão-BRA, 04 de dezembro de 1938

Primeiro gol: Arancibia, do Colo-Colo, no jogo Colo-Colo 6×3 São Cristóvão, 04 de dezembro de 1938

Proprietário: Municipalidade de Ñuñoa

Capacidade: 48.665 pessoas

Recorde de público: 85.268 pessoas no jogo Universidad de Chile 4×1 Universidad Católica, 29 de dezembro de 1962.

 

Após desembarcar em uma das estações mais modernas do metrô de Santiago, escadas indicam a saída até o monumento que dá nome àquela própria estação. Poucos metros depois e já é possível avistar um estádio todo em branco, colossal, com a bela e imponente Cordilheira dos Andes como vizinha e moldura. A cor talvez seja para transparecer a paz, esta que reina há algumas décadas após anos e anos de terror. Hoje, ele inspira e abriga futebol. Mas ontem, já serviu de abrigo para gritos, balas, tortura. Um passado que não é ocultado nem apagado. Está ali, escancarado para todos verem. Até mesmo do lado de dentro, na Escotilha 8, cujo lance de arquibancadas sempre vazias explicita a frase icônica: “um povo sem memória é um povo sem futuro”. O que aconteceu ali jamais deve ser esquecido. Deve servir como norte para que nunca uma nação volte aos tempos da selvageria, ignorância e intolerância. O Estádio Nacional Julio Martínez Prádanos, mais conhecido como Estádio Nacional ou Estádio Nacional de Santiago, é talvez o monumento com mais peso histórico que transcende o esporte.

Estreitamente relacionado à ditadura de Pinochet, ele serviu como prisão em massa dos “inimigos do regime” do ditador. Foi recinto para torturas de milhares de pessoas. O futebol tentou, com diversos acontecimentos, amenizar aquela imagem de medo e crueldade. Mas a simbiose acabou transformando o estádio em um museu que traz as lembranças da alegria e da tristeza em diversas proporções, pesos e intensidades. Ali, o Expresso da Vitória do Vasco faturou o primeiro grande torneio sul-americano de clubes. Anos depois, o Brasil foi bicampeão mundial na Copa de 1962. Aconteceram também diversos jogos de Copa América. Incríveis 11 finais de Libertadores. E jogos e mais jogos lendários. É hora de conhecer a história desse ícone sul-americano.

 

Os inícios

A Seleção Chilena no Campo de Sports, em 1926.

 

Em 1918, o filantropo José Domingo Cañas, mediante testamento, doou ao Estado terrenos onde foi construído o Campo de Sports de Ñuñoa, local que se transformou em um complexo esportivo onde havia, além de um campo de futebol, um campo de tênis e um parque infantil. Nos anos 1920, o Campo foi palco das atividades esportivas dos alunos da Pontifícia Universidade Católica do Chile e também palco do Campeonato Sul-Americano de Atletismo, em 1920 e 1927, do Campeonato Sul-Americano de Futebol (atual Copa América) de 1926 e ainda da decisão do Campeonato Chileno de 1933.

Em meados de 1937, surgiu um projeto para erguer no local do Campo de Sports – que acabaria sendo demolido – um estádio maior, que pudesse acompanhar o desenvolvimento esportivo e econômico do Chile na época. Com isso, em projeto do arquiteto e urbanista austríaco Karl Brunner, além dos arquitetos Ricardo Muller, Aníbal Fuentealba e Roberto Cormatches, funcionários do Ministério de Obras Públicas, foi iniciada a construção do Estádio Nacional, que seria um grande complexo esportivo assim como seu predecessor.

O início das obras, com as colunas já visíveis…

 

… E as arquibancadas quase prontas.

 

A construção, realizada pela Empresa Salinas e Fabres, começou em 25 de fevereiro de 1937 e foi finalizada já em 1º de novembro de 1938. Embora fosse audacioso, o projeto foi criticado inclusive pelo presidente da república na época, Arturo Alessandri, que temia ver o estádio se transformar em um “elefante branco” por causa de seu tamanho – ele abrigava 52 mil pessoas e que contava ainda com uma pista de atletismo e outra de ciclismo em seu entorno.

Festa na inauguração, em 1938.

 

E matéria destacando a partida inaugural entre Colo-Colo e São Cristóvão.

 

Com arquibancadas largas e mais baixas que o comum – o que proporcionava uma bela vista da Cordilheira dos Andes – o Estádio foi inaugurado no dia 03 de dezembro de 1938, com entrada gratuita, desfiles de federações e clubes esportivos. No dia seguinte, o primeiro jogo de futebol foi realizado entre o Colo-Colo e o São Cristóvão, do Rio de Janeiro-BRA. A partida, acompanhada por cerca de 50 mil pessoas, terminou 6 a 3 para os chilenos e o primeiro gol da história do “Coloso de Ñuñoa” foi anotado por Arancibia, do Colo-Colo. A partir dali, o Estádio Nacional virou palco dos jogos da Seleção Chilena, da Universidad de Chile, da Universidad Católica e virou uma paixão instantânea dos chilenos.

Em pé: Barbosa, Rafagnelli, Danilo, Jorge, Wilson e Ely. Agachados: Djalma, Maneca, Friaça, Lelé e Chico, uma das escalações do Vasco campeão sul-americano de clubes em 1948 no Estádio Nacional. Foto: Centro de Memória Vasco da Gama.

 

Copa e Libertadores

Escolhido pela FIFA como país-sede da Copa do Mundo de 1962, o Chile superou adversidades, problemas de infraestrutura e um violento terremoto ocorrido em 1960 para realizar o segundo Mundial em território sul-americano. E o Estádio Nacional, como não poderia deixar de ser, foi o palco principal do torneio e passou por reformas que aumentaram sua capacidade para pouco mais de 76 mil pessoas. Dez jogos foram realizados no local, entre eles a famigerada “Batalha de Santiago” entre Chile e Itália, na primeira fase, a vitória por 1 a 0 da Tchecoslováquia sobre a Hungria nas quartas de final, a vitória do Brasil sobre o Chile por 4 a 2 na semifinal, a vitória do Chile por 1 a 0 sobre a Iugoslávia na disputa do 3º lugar e a grande decisão, vencida pelo Brasil sobre a Tchecoslováquia por 3 a 1.

Mauro teve a honra de receber a Taça no título de 1962.

 

Placa alusiva à Copa do Mundo de 1962 no estádio. Foto: Arquivo Pessoal / IF.

 

Três anos depois, o Estádio Nacional começou a participar da história da Copa Libertadores ao abrigar a partida desempate da final de 1965 entre Independiente-ARG e Peñarol-URU, vencida pelos argentinos por 4 a 1. No ano seguinte, outra vez o estádio foi palco da finalíssima, dessa vez com o duelo entre Peñarol e River Plate-ARG, um dos jogos mais emblemáticos da história da competição. O River vencia por 2 a 0, mas os aurinegros empataram e venceram na prorrogação por 4 a 2, em uma virada que deixou sérias consequências ao River – que viu nascer após aquele jogo o apelido de “gallinas” por ter permitido uma reação daquelas. Leia mais clicando aqui!

Gonçalves, capitão do Peñarol, e Sarnari, do River. Foto: PasionFutbol.

 

Em 1967, o Coloso de Ñuñoa completou a “trinca” seguida de finais com o duelo entre Racing-ARG e Nacional-URU, vencido pelos argentinos por 2 a 1. Outras oito finais aconteceram no estádio: 

  • 1973 – Colo-Colo-CHI 0x0 Independiente-ARG (jogo de volta)
  • 1974 – Independiente-ARG 1×0 São Paulo-BRA (jogo desempate)
  • 1975 – Unión Española-CHI 1×0 Independiente-ARG (jogo de ida)
  • 1976 – Cruzeiro-BRA 3×2 River Plate-ARG (jogo desempate)
  • 1981 – Cobreloa-CHI 1×0 Flamengo-BRA (jogo de volta)
  • 1982 – Cobreloa-CHI 0x1 Peñarol-URU (jogo de volta)
  • 1987 – Peñarol-URU 1×0 América de Cali-COL (jogo desempate)
  • 1993 – Universidad Católica-CHI 2×0 São Paulo-BRA (jogo de volta)

 

O terror

Após a Copa do Mundo, os diversos jogos pela Libertadores e eventos políticos e festivos, o Estádio Nacional virou, em 1973, palco de crueldades jamais esquecidas pelos chilenos. Após o Golpe de Estado que derrubou Salvador Allende e instaurou no poder o general Augusto Pinochet, o local virou um imenso campo de concentração para presos políticos e pessoas contrárias à ditadura. Mais de 20 mil pessoas passaram pelo estádio entre 12 de setembro (um dia após o Golpe de 11 de setembro de 1973) e novembro de 1973. Elas permaneciam nos banheiros e galerias do estádio com quase nenhuma alimentação ou higiene, e eram interrogadas, torturadas ou mortas. Calcula-se que 2298 pessoas morreram e outras 1209 desapareceram.

Aquele ambiente interferiu até mesmo em uma partida do Chile pela repescagem das Eliminatórias para a Copa de 1974. Após empatarem em 0 a 0 com a URSS, em Moscou, os chilenos deveriam receber os soviéticos em Santiago, mas os europeus se negaram a disputar a partida de volta justamente por conta do regime opressor de Pinochet e pela já conhecida prisão na qual havia se transformado o Estádio Nacional. O pior é que membros da FIFA foram até o estádio fazer uma inspeção (?) e deram aval para a realização do jogo, simplesmente ignorando as pessoas que ainda estavam presas ali. Isso mesmo: membros da FIFA acharam “super normal” a realização de uma partida de futebol em um estádio com centenas de pessoas presas, torturadas, em condições insalubres e flertando com a morte. Isso porque os oficiais esconderam muitos dos presos em diversos locais do estádio e meio que orientaram os “fiscais” da FIFA durante a inspeção.

O “gol” chileno no jogo que não aconteceu, em 1973.

 

Gregorio Mena Barrales, preso político e sobrevivente da ditadura, disse anos depois que os oficiais da FIFA “caminharam pelo gramado, observaram com vistas grossas os presos e aprovaram a realização da partida”. O Chile acabou indo a jogo sozinho, mas com torcida – cerca de 17 mil pessoas – deu a saída, fez um gol simbólico e venceu a partida por WO. Minutos depois, o Santos-BRA, convidado pela federação para o caso de não haver partida, entrou a campo para disputar um amistoso contra a mesma seleção chilena e aplicou sonoros 5 a 0 nos anfitriões. Mesmo com aquelas questões políticas, o time brasileiro aceitou o convite por ser apenas mais um dos muitos jogos no exterior que fazia na época, sem se atentar muito aos detalhes sórdidos.

Imagem do Museu da Memória e dos Direitos Humanos mostra alguns presos no Estádio Nacional.

 

A Escotilha nº 8…

 

… Preservada até hoje no local.

 

Aquele episódio foi um duro golpe à ditadura de Pinochet e mostrou o quão selvagem era o regime do general. Ainda em novembro, o Estádio Nacional deixou de ser prisão e se deteve mais ao esporte. No entanto, o ambiente criado pela ditadura tornou o local “maldito” pelos chilenos por muitos anos. Em 2003, o governo chileno declarou o estádio um monumento histórico e protegeu oito áreas do estádio, entre elas o setor de arquibancadas da Escotilha 8, local onde os presos de 1973 podiam ver seus familiares do lado de fora, esboçando um singelo sinal de vida com acenos e olhares. Do lado de fora, um monumento foi construído para homenagear os oprimidos. E, no Museu da Memória e dos Direitos Humanos (passeio imperdível para quem visita Santiago), uma área especial conta com detalhes tudo o que aconteceu no Estádio naquela época.

 

Shows, visita ilustre e grandes jogos

Estádio Nacional recebeu mais de 85 mil pessoas na visita do Papa João Paulo II em 1987. Foto: La Tercera / Copesa.

 

Após os anos negros, o Estádio Nacional absorveu bons fluídos e virou referência esportiva e de entretenimento no país. Além de diversos eventos esportivos, vários shows musicais marcaram época tais como Julio Iglesias, Rod Stewart, Cyndi Lauper, Bon Jovi, David Bowie, Bryan Adams, Eric Clapton, B.B. King, Ramones, Guns n’ Roses entre outros, além do show Desde Chile… un abrazo a la esperanza”, realizado em 1990 pela Anistia Internacional para celebrar a volta da democracia no país e o fim da ditadura, com shows de Sting, Peter Gabriel, Sinéad O’Connor, New Kids on the Block, Jackson Browne, Luz Casal, Wynton Marsalis, Rubén Blades, Inti-Illimani, Congreso y Los Ronaldos.

Em 1987, o Papa João Paulo II visitou o estádio e fez uma série de orações para tentar amenizar e exorcizar o passado de dor que contornava o estádio. Ele fez um discurso bastante efusivo, condenando os atos de crueldade ali realizados. No futebol, o estádio voltou a ser palco de decisões da Libertadores, entre elas a finalíssima que coroou o Independiente campeão em 1974, o Cruzeiro, em 1976, o Peñarol, em 1982 e 1987, e o São Paulo, em 1993.

O Nacional lotado em uma partida do Chile, em 1998.

 

Palco da primeira taça Roja e referência de uma nova era

Nos anos 2000, o Estádio Nacional passou por reformas de segurança e ganhou assentos individuais, reduzindo sua capacidade de mais de 80 mil pessoas para pouco menos de 65 mil, número que foi reduzido anos depois com novas adequações e também por conta das áreas históricas preservadas pelo governo. Com uma amplitude notável, o estádio oferece plena visão de jogo aos espectadores, mas ainda não possui cobertura como muitos estádios atuais. Em 2008, o estádio foi renomeado como Estádio Nacional Julio Martínez Prádanos, em homenagem ao célebre jornalista chileno homônimo falecido naquele mesmo ano. Um ano depois, a presidente Michelle Bachelet anunciou um plano de remodelação do estádio, com instalação de placar eletrônico, novas tribunas de imprensa, melhorias nas arquibancadas, novo sistema de iluminação e um fosso de segurança entre as arquibancadas e a pista em volta do gramado. O estádio foi reaberto em 2010 com capacidade para quase 49 mil pessoas.

Interior do estádio ainda é bem clássico…

 

 

A cordilheira ao fundo.

 

 

No exterior, monumento recorda o passado de drama.

 

Fotos: Arquivo pessoal / IF.

Em 2015, o Coloso de Ñuñoa foi palco de todos os jogos da Seleção Chilena na Copa América, incluindo a finalíssima contra a Argentina, na qual a Roja venceu por 4 a 1 nos pênaltis e conquistou seu primeiro grande título

Em 2019, o estádio seria palco da primeira final única da história da Copa Libertadores, escolha natural a um local tão histórico e que já abrigou tantas partidas decisivas da mais tradicional competição sul-americana. No entanto, uma série de conflitos e protestos nas ruas de Santiago fizeram a Conmebol mudar o local da decisão, transferida para Lima, no Peru. Mesmo fora da grande festa do continente, o Estádio Nacional não se cansa de fazer parte da história, sempre recordando o passado para escrever um futuro de luz.

 

 

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