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Esquadrão Imortal – Bangu 1960

Grandes feitos: Campeão Invicto da International Soccer League de 1960. Conquistou um dos mais importantes títulos da história do clube.

Time-base: Ubirajara; Joel e Darci Faria; Ananias, Zózimo e Nilton dos Santos; Correia, Zé Maria, Luis Carlos (Décio Esteves), Ademir da Guia (Válter) e Beto. Técnico: Tim.

 

“Campeão do Mundo, à revelia!”

 

Por Pedro Henrique

 

Era 1960 e ninguém quis representar o Brasil num torneio internacional de ‘Soccer’ sediado na cidade de Nova Iorque, por medo de represálias das federações locais de futebol. Fluminense, Botafogo, Santos e Palmeiras renunciaram ao torneio e o Bangu, vice-campeão carioca em 1959, assumiu a missão de ser o embaixador do futebol em terras estadunidenses. Contra os interesses da federação de futebol do Rio de Janeiro e sob críticas dos jornalistas de plantão, o clube de Moça Bonita mandou seu jovem time para o torneio e colocou a equipe de juniores para disputar o campeonato carioca daquele ano. Um novato Ademir da Guia e o clube proletário foram as sensações do torneio numa campanha invicta contra grandes campeões do território europeu.

Para incentivar a prática futebolística nos EUA, o milionário americano fã de esportes William Cox criou a International Soccer League, um Torneio Mundial de Clubes realizado em Nova Iorque e disputado entre 1960 e 1965. A primeira edição foi realizada durante os meses de maio, junho e julho de 1960. Autorizada pela FIFA e sob a supervisão de Stanley Rous, então presidente da Associação Inglesa de Futebol, secretário-geral e vice-presidente da FIFA, o torneio teve como referência a Copa do Mundo de Seleções e foi jogado por boa parte dos campeões nacionais dos países que disputaram a Copa do Mundo de 1958, quando o Brasil se sagrou campeão pela primeira vez. Confira a seguir a trajetória de um campeão que encantou o público em terras estrangeiras.

 

Uma viagem à revelia

Zózimo, um dos principais nomes do time do Bangu em 1960.

 

Antes de qualquer coisa, vale explicar a mencionada infração do Bangu frente às determinações da Confederação Nacional de Desportos (CND) – órgão que regulava todos os esportes no Brasil na época e extinto em 1993. A CND proibia a participação dos clubes futebolísticos em eventos paralelos aos campeonatos locais e regionais. Não era permitido colocar o Campeonato Carioca e o Torneio Rio-São Paulo em segundo plano. Existia punição por meio de multa e o clube era julgado pela justiça desportiva para a definição de outras punições. O Bangu questionou as determinações, aceitou o convite para disputar o torneio e foi julgado.

Na época, leitores do Jornal dos Sports enviavam cartas com críticas ferrenhas ao clube proletário. Em duas delas, é possível entender parte das razões. A primeira, publicada em 04 de agosto de 1960, na página 03 do referido periódico, intitulada O Medo de Punir, um leitor discutiu e defendeu a punição do Bangu em prol da valorização dos campeonatos locais e da ordem estabelecida na CND. Porém, reconhecia que dificilmente o clube seria punido em razão da elasticidade das leis desportivas. Segundo o leitor, “é preciso impedir que o fato se repita. Ou pela penalização severa do Bangu, que parece difícil em face da elasticidade do Código Brasileiro de Football ou pela proibição que existe, mas sem punição prevista no regulamento da federação”.

Em outra crítica publicada no dia 05 de agosto de 1960, intitulada O Sentido do Campeonato, o leitor denunciava a desvalorização dos campeonatos locais pelos clubes em virtude das viagens para excursionar em vários países denominada por “excursões caça-níquel”. Tal atitude deixava os jogadores cansados nas vésperas da estreia nos campeonatos locais. Para o leitor, “o campeonato é a atividade sagrada dos clubes. Ou devia ser se fossem respeitados não só os regulamentos, como, principalmente, o ideal do esporte”. 

De certa forma, a denúncia era fruto de uma preocupação dos torcedores e dirigentes num contexto marcado pela emergência do futebol brasileiro após a sua primeira conquista mundial com a seleção brasileira na Copa do Mundo de 1958. Os clubes eram cada vez mais convidados para jogar fora do território nacional, o que gerava rendimentos financeiros para os mesmos, e isso poderia gerar a desvalorização dos tradicionais campeonatos locais. Para muitos, a atitude do Bangu foi considerada uma subversão do esporte, um desinteresse pela competição e o público local. Em razão disso, o clube foi julgado no dia 05 de agosto de 1960 e isentado de culpa. O caso foi considerado um problema administrativo da federação e seu regulamento.

Um novato Ademir da Guia, com a camisa do Bangu. Foto: Acervo / O Globo.

 

Na imprensa carioca, além das cartas enviadas pelos leitores, os colunistas do Jornal dos Sports travavam grandes debates sobre o acontecido. Muitos jornalistas consideravam que a aventura do jovem time do Bangu seria marcada por derrotas e prejuízos financeiros. Entretanto, outros reconheciam os feitos da equipe alvirrubra e elogiavam a campanha. Um exemplo era o jornalista Nelson Rodrigues. Apesar de críticas iniciais, Rodrigues publicou textos com destaques para a campanha do Bangu. No dia 04 de agosto de 1960, na coluna Dá Bom Dia, é publicado o texto intitulado A Estrela do Bangu, marcado por ideias ufanistas.

A equipe do Bangu e sua vitoriosa trajetória representava, juntamente com o primeiro título mundial da seleção brasileira, o rompimento do complexo de vira-latas e o sentimento de valorização de ser brasileiro. Segundo Rodrigues, “é nas partidas internacionais que o sujeito sente a conveniência de ser brasileiro. Agora mesmo, amigos, agora mesmo! O Bangu está nos Estados Unidos representando o nosso football. E não apenas o nosso football: — representando o Brasil. A meu ver, um team patrício no exterior é a própria pátria de calções e chuteiras, é a própria nação dando botinadas. E justiça se lhe faça. O Bangu anda realizando milagres, lá fora”.

 

Uma campanha extraordinária

Extraído do Jornal dos Sports, 05/07/1960.

 

Diante do contexto de polêmicas e elogios, precisamos destacar a excelente campanha do clube proletário da Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro. A equipe teve cinco vitórias e um empate com um time muito forte e competitivo, com destaque para nomes como o goleiro Ubirajara, o defensor Zózimo, os atacantes Zé Maria e Correia e Ademir da Guia, de apenas 18 anos. A International Soccer League foi disputada por 12 clubes divididos em dois grupos com seis times cada – a princípio, o torneio deveria contar com 20 times, mas, por causa de desistências, o número foi reduzido, bem como alocados outros participantes no lugar dos campeões nacionais que desistiram. Todos se enfrentaram entre si e os campeões de cada grupo fizeram a final.

No Grupo A, estiveram Burnley-ING (campeão inglês de 1959-1960), Nice-FRA (campeão francês de 1958-1959), Glenavon-IRN (Campeão da Irlanda do Norte em 1959-1960), Kilmarnock-ESC (vice-campeão escocês de 1959-1960), Bayern München-ALE (3º colocado no Campeonato Alemão de 1959-1960) e New York Americans-EUA (time convidado do país-sede). No Grupo B, os clubes foram IFK Norrköping-SUE (campeão sueco de 1960), Rapid Viena-AUT (campeão austríaco de 1959-1960), Estrela Vermelha-IUG (campeão iugoslavo de 1959-1960), Sporting-POR (vice-campeão português de 1959-1960), o Bangu, como vice-campeão carioca de 1959, e a Sampdoria-ITA (5ª colocada no Campeonato Italiano de 1958-1959).

Zózimo (à esq.) como capitão do time no duelo contra a Sampdoria.

 

A campanha dos cariocas iniciou-se no dia 04 de julho de 1960 com uma sonora goleada de 4 a 0 sobre a Sampdoria-ITA, com dois gols de Zé Maria e dois gols de Luis Carlos. Com a primeira rodada do torneio realizada, a imprensa local já colocava o Bangu e o Estrela Vermelha-IUG como os favoritos. O time de Belgrado também havia vencido o primeiro jogo com uma goleada de 5 a 2 contra o Rapid Viena-AUT, campeão austríaco de 1959-1960.

Em pé: Joel, Ubirajara, Faria, Ananias, Zózimo e Nilton dos Santos. Agachados: Correia, Zé Maria, Luis Carlos, Ademir da Guia e Beto.

 

Na segunda partida, o Bangu enfrentou o Rapid Viena no dia 10 de julho. O jogo foi marcado pelo nervosismo da jovem equipe alvirrubra, ao levar um gol no início da partida. Com os nervos em ordem, o time virou o jogo com gols de Zé Maria, Luis Carlos e Hugo e a defesa se manteve firme para garantir a vitória por 3 a 2. Essas duas primeiras vitórias romperam com o pessimismo do noticiário esportivo fluminense e despertaram elogios para a campanha alvirrubra. Boa parte deles foram direcionados ao meia Ademir da Guia, o artilheiro impetuoso Zé Maria e a defesa segura de Zózimo. Além de vitórias e gols, o Bangu atraía grandes públicos para as partidas. Nas duas primeiras, quase 40 mil pessoas presenciaram os feitos do time.

Extraído do Jornal dos Sports, 11/07/1960.

 

O terceiro jogo foi contra o vice-campeão português Sporting. Em duelo disputado no dia 16 de julho, o Bangu meteu 5 a 1, com gols de Zé Maria (2), Luis Carlos (2) e Beto. O time comandado por Tim jogou partida espetacular e teve Zé Maria como grande destaque. O público de Nova Iorque ficou fascinado com o virtuosismo, as infiltrações esfuziantes e os dribles que deixaram a defesa portuguesa bem confusa. De certa forma, a partida representou uma batalha vencida contra o futebol viril e ríspido dos portugueses naquele momento. No dia seguinte ao jogo, a edição 4.469 do Jornal dos Sports estampava na capa a grandiosa vitória.

Extraído da capa do Jornal dos Sports, 17/07/1960.

 

Foto publicada na capa do Jornal dos Sports, edição 9.470, de 19/07/1960.

 

Em comparação às vitórias anteriores, era a primeira vez que o periódico dava um destaque digno à campanha do Bangu na terra do Tio Sam. Um dado curioso da partida contra o Sporting foi a manifestação violenta do jogador português Hilário da Conceição após o quarto gol alvirrubro. Para os portugueses, o gol foi ilegal, mas confirmado pelo juiz. Imediatamente, o jogador chutou fortemente a bola em direção aos espectadores da tribuna e torcedores lusos invadiram o campo para pegar o juiz Ray Kraft. Com a polícia em campo, a partida foi restabelecida após alguns minutos para o Bangu completar o placar elástico.

Extraído do Jornal dos Sports, edição 9.473, de 22/07/1960.

 

Ao longo das três partidas, Zé Maria e Luis Carlos demonstravam grande poderio de ataque com gols em volúpia. O jovem Ademir da Guia orquestrava o time e deixava os adversários enlouquecidos com dribles e jogadas objetivas para o gol. Entretanto, é justo e verdadeiro colocar em evidência o comportamento da defesa e meio de campo compostos por Joel, Darci Faria, Zózimo, Ananias e Nilton dos Santos. A imprensa do torneio destacava o lado sóbrio e a liderança de Zózimo no bloqueio das equipes adversárias, características que levariam o defensor à titularidade da seleção na Copa do Mundo de 1962. Se a defesa não segurava as investidas adversárias, o grande goleiro Ubirajara estava pronto para afastar o perigo e garantir o resultado da equipe alvirrubra.

Uma das formações daquele Bangu: Zózimo atuava mais no centro do campo, enquanto Ademir municiava o ataque e também aparecia para finalizar.

 

Com três jogos disputados e três vitórias, o jovem esquadrão banguense era a verdadeira sensação do torneio em gols, belas vitórias e por atrair grande público ao estádio Polo Grounds. O time iugoslavo do Estrela Vermelha acompanhava a campanha do clube proletário e era credenciado como o grande adversário do Bangu na competição. O confronto direto contra o Estrela seria o último da primeira fase e era importante manter a pegada para enfrentá-los com moral. Mas, antes deles, o Bangu enfrentaria o IFK Norrköping. A partida terminou 0 a 0, e ficou marcada pela aplicação de um ferrolho viking, o que impediu o jogo mais alegre e técnico do Bangu. O grande destaque da partida foi o goleiro Ubirajara, com uma série de defesas portentosas. O time sueco foi um grande adversário com uma defesa bem postada e contra-ataques velozes. Para o Bangu, restou lamentar um pênalti mal cobrado por Décio Esteves, ratificando assim o empate, que quebrou a série de grandes vitórias e levou a definição do finalista do Grupo B para a última partida, contra os iugoslavos.

Enquanto isso, no Grupo A, já estava definido o finalista: o vice-campeão escocês Kilmarnock fez grande campanha e superou as dificuldades impostas pelos seus adversários — Burnley (campeão inglês), Nice (campeão francês), New York Americans (equipe anfitriã), Bayern München (3º lugar no campeonato alemão) e Glenavon F.C. (Campeão Norte-Irlandês).

 

Uma final antecipada

Extraído do Jornal dos Sports, edição 9.488, de 10/08/1960.

 

A expectativa era grande. Uma semana separavam o penúltimo jogo contra o IFK Norrköping e a última batalha da primeira fase contra os favoritos do torneio, o Estrela Vermelha. Nesse intervalo, além do descanso, o Bangu aproveitou para ganhar uma grana e viajou para Montreal para enfrentar uma seleção local. E venceu por 2 a 0, encantando os canadenses. Enquanto isso, o Estrela Vermelha sapecava o time sueco com um 4 a 0 e chegava bastante confiante para a última rodada. Afinal, um simples empate garantia sua vaga para a decisão.

Chega o dia 30 de julho. No entanto, chuvas torrenciais impedem a realização da partida, agora transferida para o dia seguinte. Em disputa, os dois grandes favoritos do torneio: Estrela Vermelha e Bangu, com campanhas impecáveis até o momento. Para a imprensa do torneio, o Bangu deveria temer o esquadrão iugoslavo. Afinal, eles foram campeões nacionais em seis oportunidades nos últimos 10 anos e tinham os melhores jogadores da seleção nacional.

Com 20.107 espectadores, o Bangu alcançou a vitória sobre os iugoslavos por 2 a 0, com gols de Décio Esteves e Zé Maria. O primeiro gol alvirrubro foi uma redenção para o jogador Décio após perder horrorosamente um pênalti no final do último jogo, contra o IFK Norrköping. A partida foi bastante disputada e aguerrida com momentos de conflitos entre jogadores de ambos os times. Para o clube carioca, um dos desafios foi jogar sem o seu principal jogador, o jovem Ademir da Guia, que não atuou na partida por causa de uma contusão.

Para a imprensa internacional, a vitória alvirrubra foi o grande acontecimento internacional do futebol naquele momento. Em crônica internacional publicada na edição 9.481 do Jornal dos Sports, em 02 de agosto de 1960, o jornalista Albert Laurence intitulou a notícia: Football brasileiro conquista mais um triunfo de relevo mundial com as proezas do Bangu no Torneio de Nova Iorque. No mesmo dia e jornal, em coluna do jornalista Luiz Bayer, a campanha vitoriosa em Nova Iorque é valorizada, porém, é lembrada a polêmica do campeonato carioca disputada por uma equipe de aspirantes – enquanto o Bangu dava show em terras estrangeiras, a equipe de juniores disputava o campeonato local com uma péssima campanha. O clube proletário era indiciado pela justiça desportiva e sofria pressões de outros clubes cariocas. Por exemplo, o Madureira pedia a punição do Bangu com a justificativa de abandono da competição e solicitava indenização pelo baixo público em jogo disputado semanas atrás. Já o Flamengo o apoiava e trabalhava nos bastidores para adiar a partida para uma data após o retorno da equipe banguense.

 

A Grande Final

De 4 a 31 de julho de 1960, o Bangu disputou cinco jogos com grandes potências futebolísticas do mundo, alcançando 4 vitórias e um empate. Com 14 gols pró e três contra. Uma campanha impecável com um ataque fulminante liderado por Zé Maria e Luis Carlos; um meio de campo habilidoso com o jovem Ademir da Guia e o experiente Décio Esteves; e uma defesa segura liderada por Zózimo e sob a guarda do bom goleiro Ubirajara. O futebol do Bangu encantou milhares de norte-americanos. A equipe chegava à final como favorita contra o descansado Kilmarnock, vice-campeão escocês na temporada 1959-1960. Sim, descansado, pois a equipe escocesa tinha disputado a sua primeira fase entre os meses de maio e junho de 1960 e só aguardava o seu adversário para a grande final.

Décio Esteves, um dos líderes do time do Bangu.

 

A imprensa brasileira valorizou a campanha banguense e rumou para as terras da América do Norte para cobrir o acontecimento histórico. Mais do que a final de um torneio, a primeira edição do International Soccer League representava o sucesso popular do “soccer” numa grande nação que, até aquele momento, não tinha demonstrado interesse no esporte mais praticado no mundo – com a vitória dos EUA sobre a Inglaterra na Copa de 1950 ainda como grande acontecimento do país na época. De certa forma, as equipes participantes foram os embaixadores do esporte nos Estados Unidos e arredores. A seguir, podemos assistir alguns lances da grande final.

Na final do dia 06 de agosto, o Bangu sagrou-se campeão com uma vitória tranquila de 2 a 0 sobre os escoceses. Os gols foram assinados pelo atacante Válter. Cerca de 25 mil pessoas presenciaram uma bela partida e se encantaram com o futebol alvirrubro. Apesar da expectativa antes da decisão, os jogadores Ademir da Guia e Luis Carlos não foram para o jogo por estarem machucados. Segundo a cobertura esportiva da final, o Bangu iniciou o jogo atacando cerradamente com passes curtos e rápidos, colocando o adversário na roda. Logo, aos três minutos de jogo, o atacante Válter faz o primeiro gol após uma jogada espetacular de Décio Esteves. Nem o “ferrolho” com passes longos do time escocês foi suficiente para brecar as investidas do Bangu. De certa forma, o empate sem gols contra o IFK Norrköping foi um aprendizado para superar o futebol-força dos europeus.

Apesar de ter sido a vedete do torneio, na final, a torcida apoiava o time escocês e se irritava com o amplo domínio brasileiro. Numa jogada isolada do Kilmarnock, o juiz James McLean marcou um pênalti contestável contra o Bangu. Porém, os escoceses foram parados pelas mãos de Ubirajara. A penalidade animou os escoceses e eles fizeram alguma pressão durante o segundo tempo do jogo. No entanto, o goleiro Ubirajara garantiu o resultado na defesa e o atacante Válter voltou a aprontar no final do jogo com um forte tiro no fundo das redes escocesas. Embora Válter tenha sido decisivo com seus gols, o craque da partida foi o meia Décio Esteves, capitão do time.

No final do jogo, o Bangu se consagrava como campeão da International Soccer League, que teve caráter de “mundial” por contar com equipes de vários países. Foram seis jogos, cinco vitórias e um empate, com 16 gols marcados e três gols sofridos. Zé Maria, com seis gols, e Luis Carlos, com cinco gols, foram os artilheiros da equipe na competição. Décio recebeu a taça e comemorou nos braços dos jogadores escoceses, que reconheceram a supremacia do clube do Rio de Janeiro. O jogo teve as duas equipes jogando para frente e levou à loucura os torcedores presentes. Infelizmente, um dos torcedores, chamado Alfredo Suarez, de 46 anos, não suportou a emoção e veio a falecer após um ataque cardíaco.

O feito do Bangu recebeu destaque na imprensa da época.

 

A glória do Bangu estampou as capas do New York Times e de outros jornais dos EUA. O radialista Orlando Batista viajou para Nova Iorque e transmitiu a partida para o território brasileiro através da Rádio Mauá. Em sua cobertura, Batista destacou o comportamento aguerrido e técnico do Bangu para alcançar a glória. Certamente, a impressão deixada pela equipe em terras do norte contribuiu para a ascensão do futebol por lá. A International Soccer League ainda teve outras cinco edições, vencidas por Dukla Praga-TCH (1961), América-RJ-BRA (1962), West Ham United-ING (1963), Zaglebie Sosnowiec-POL (1964) e Polonia Bytom-POL (1965).

 

O Jovem Ademir

Eleito o craque da primeira edição do International Soccer League por um júri de jornalistas e dirigentes, o jovem Ademir reforçou a estrela da família Da Guia no clube proletário da Zona Oeste carioca. Domingos da Guia, presente na recepção dos atletas, não escondia tamanha admiração e entusiasmo com o filho — mais um Da Guia a fazer história no clube proletário. A permanência de Ademir no Bangu foi curta, mas deixou um legado para os futuros torcedores do time. Do Bangu, ele foi para o Palmeiras e se tornou um dos maiores jogadores da história. Em 2017, além da lembrança do título mundial, o jogador foi homenageado com o lançamento de uma camisa retrô do Bangu, em edição comemorativa pelo título alcançado em 1960. Uma ação importante para homenagear os guerreiros que lutaram para manter a chama viva da memória banguense nos antigos e novos torcedores.

 

A recepção dos heróis da Zona Oeste

Uma grande festa foi preparada para receber a delegação do Bangu. A chegada em território brasileiro estava marcada para o dia 10 de agosto, quarta-feira, com desembarque no Galeão. No entanto, os primeiros a chegar foram o atacante Luis Carlos e o radialista Orlando Batista. Segundo a imprensa carioca da época, os “campeões do mundo” receberam um bicho respeitável, cerca de 30 mil cruzeiros de prêmio pelo título.

Numa pegada ufanista, a imprensa carioca glorificou o resultado do Bangu como a primeira grande ação do futebol brasileiro no mundo após a campanha vitoriosa da seleção brasileira na Copa de 1958. Após a chegada no aeroporto do Galeão, os campeões foram recebidos pela torcida e saíram em cortejo até a estação de Guilherme da Silveira. Uma grande festa foi realizada na Fábrica Bangu. Na capa do Jornal dos Sports de 11 de agosto, era estampada a alegria dos torcedores na chegada da equipe. A empolgação tomou conta dos corações alvirrubros. Era felicidade pura. Luiz Bayer, colunista do Jornal dos Sports, assim escreveu no dia seguinte:

 

“A cidade recebeu com todo afeto e com grande entusiasmo os jogadores do Bangu campeões da primeira taça da América. Foi uma acolhida simpática, justa porque o Bangu honrou o football brasileiro mostrando aos norte-americanos um estilo bonito que foi suficiente para demonstrar grande superioridade sobre grandes equipes do football europeu”.

 

Como pode ser visto, a recepção e a comemoração foi quilométrica, passando por diferentes bairros e esquinas da cidade. O capitão Décio Esteves era novamente carregado, agora, pelos torcedores do clube proletário que sentiam viva emoção. Cercado por amigos e familiares, o técnico Tim, visivelmente emocionado, bradava no cortejo: “o Bangu é uma coqueluche!”.

Cortejo para os campeões na Avenida Brasil. Extraído de Jornal dos Sports, edição 9.489, de 11/08/1960.

 

Na Fábrica Bangu, os jogadores foram recebidos por dirigentes, torcedores, operários da fábrica e moradores das cercanias para comemorar o título com banda de música, bandeiras e flâmulas. O patrono do clube, Dr. Guilherme da Silveira, assim descreveu o sentimento naquele dia: “Estou feliz, feliz pelo brilho do meu Bangu. Honramos em todos os setores o nosso football. Pela técnica e pela disciplina voltamos de cabeça erguida. Honra aos atletas e ao próprio football da nossa terra”, em entrevista para o Jornal dos Sports.

Para entender o efeito do Bangu “campeão mundial” naquele momento, recomendamos ler atentamente as homenagens escritas elaboradas pelos jornalistas Luiz Bayer, Vargas Neto e Nelson Rodrigues no dia da chegada do Bangu ao Rio de Janeiro (a seguir). Em 1961, o Bangu brigou pelo bicampeonato do torneio – disputado em turno único todos contra todos, mas acabou na quarta colocação.

 

 

Por fim, o reconhecimento

Reconhecer histórias é construir memórias que aproximam, emocionam e criam novos caminhos. Considerando a extraordinária história daquele esquadrão, é de extrema importância a luta do clube e dos seus torcedores pelo reconhecimento do campeonato de 1960 como um torneio com caráter “mundial”, dadas as devidas proporções e pelo cunho que teve na época com clubes de vários países. E um importante adendo: 11 das 16 nações que participaram da Copa do Mundo de 1958 estavam representadas na International Soccer League, incluindo os países finalistas, Brasil e Suécia. Todo o movimento é importante para manter a história viva de um esquadrão imortal.

 

Os personagens:

Ubirajara: multicampeão por onde passou, principalmente pelo Botafogo e pelo Flamengo, o goleiro brilhou também no Bangu e conquistou vários torneios entre 1957 e 1962, além do Campeonato Carioca de 1966. Dono de reflexos apurados e muita velocidade, foi um dos maiores goleiros do Brasil nos anos 1960. Disputou 537 jogos pelo Bangu entre 1956 e 1969.

Joel: revelado pelo Bangu, era muito forte fisicamente e se impunha perante os atacantes rivais. Jogou de 1957 até 1961 no Bangu, disputando 220 partidas. Jogava mais pelo lado direito da zaga. Acabou vendido para o Botafogo no início de 1962.

Darci Faria: zagueiro clássico que não brincava em serviço, fez uma notável dupla com Joel durante a campanha vitoriosa nos EUA. Jogou de 1956 até 1964 no Bangu e disputou 225 partidas.

Ananias: outra cria das bases do Bangu, Ananias podia atuar como zagueiro, volante ou lateral com muita eficiência e regularidade. Jogou de 1958 até 1963 no alvirrubro e se transferiu posteriormente para o Flamengo.

Zózimo: um dos mais completos defensores da história do futebol brasileiro, daquele que jogava de cabeça erguida, sério, elegante. Podia atuar como zagueiro ou mesmo volante com extrema qualidade. Inteligente e muito culto, era o único a falar inglês na delegação do Brasil na Copa de 1958, quando ele esteve entre os convocados, mas não foi titular. Estudava pedagogia e falava ainda francês e espanhol fluentemente. Jogou de 1952 até 1963 no Bangu e disputou 476 jogos, além de marcar 30 gols, muito fruto de sua função um pouco mais avançada em alguns jogos, no meio de campo. Pela seleção, disputou 37 jogos e foi titular na campanha do título mundial da Copa do Mundo de 1962, no Chile, jogando ao lado de Mauro Ramos. Um craque ímpar da história brasileira. Faleceu precocemente, aos 45 anos, em um acidente automobilístico.

Nilton dos Santos: ‘quase’ homônimo de Nilton Santos, a eterna Enciclopédia do Futebol, Nilton dos Santos jogou no Bangu de 1953 até 1965 e também atuava na lateral-esquerda e também como opção no meio de campo. Foram 517 jogos pelo clube de Moça Bonita. Compensava a baixa estatura – tinha 1,67m – com velocidade e boa colocação.

Luis Carlos: atacante oportunista, jogou de 1953 até 1963 no Bangu, marcando 118 gols em 260 jogos – é o 6º maior artilheiro da história do Bangu. Jogou no clube ao lado de seu irmão, o também atacante Beto. Foi decisivo na campanha do título de 1960 com cinco gols marcados.

Décio Esteves: meia de muita habilidade e faro artilheiro, é o 8º maior goleador da história do Bangu com 97 gols e o 4º que mais vestiu o manto alvirrubro – 383 jogos entre 1950 e 1961. Cria das bases, Décio era um dos mais completos jogadores de seu tempo, aparecia no ataque para finalizar, dava passes precisos e até ajudava a defesa quando necessário. Um grande ídolo da torcida, foi capitão do Bangu na saga nova iorquina e levantou a histórica taça de 1960 sendo carregado pelo próprio rival, um profundo sinal de reconhecimento ao seu futebol. Embora jogasse muito, não teve muitas oportunidades na seleção – disputou apenas três jogos.

Correia: ponta-direita, foi outro grande destaque do time na campanha vitoriosa de 1960, participando ativamente das jogadas ofensivas com passes precisos e tabelinhas. Jogou de 1957 até 1964 no Bangu e marcou 46 gols em 217 jogos.

Zé Maria: cria das bases, começou exatamente em 1960 sua trajetória no Bangu. E começou com tudo: marcou seis gols na campanha do título da International Soccer League e foi um dos principais nomes do time. Ficou até 1963 no alvirrubro e se transferiu para o futebol português.

Ademir da Guia: com apenas 18 anos, já dava mostras do que era capaz de fazer com a bola nos pés. Genial, cerebral e decisivo, Ademir foi um dos maiores nomes da história do futebol brasileiro. Logo após o título internacional de 1960, foi negociado a um preço irrisório ao Palmeiras e começou a lapidar sua laureada carreira. Leia mais sobre ele clicando aqui.

Válter: o atacante foi o grande herói do time na final contra os escoceses ao marcar os dois gols da vitória por 2 a 0 que deu o título da International Soccer League ao Bangu. O curioso é que ele havia tido poucas chances no time titular e ganhou uma vaga justamente em um momento decisivo. Felizmente, cumpriu seu papel e fez história. Jogou de 1958 até 1961 no Bangu, marcando 28 gols em 142 jogos.

Beto: irmão do atacante Luis Carlos, o habilidoso ponta-esquerda Beto foi outro grande nome do ataque do Bangu nos anos 1950 e 1960. Jogou de 1957 até 1965 no clube e marcou 72 gols em 240 jogos.

Tim (Técnico): Elba de Pádua Lima foi um dos maiores técnicos da história do futebol brasileiro, vencedor e notável por construir equipes competitivas e com foco no ataque. Teve várias passagens pelo Bangu, mas a de 1960 foi a mais importante pelo inesquecível título da International Soccer League. Tim dava chances para os jovens de suas equipes mostrarem seu valor e apostava bastante nas promessas. Além de brilhar no Bangu, ele levantou títulos no Fluminense, Vasco, Coritiba e no San Lorenzo-ARG, pelo qual faturou um Campeonato Argentino de maneira invicta em 1968, o primeiro na história do profissionalismo.

 

Créditos

O texto é fruto da pesquisa de Pedro Henrique, um torcedor do futebol carioca apaixonado pelos clubes do subúrbio e sua relação com seus respectivos bairros. As torcidas do Bangu inspiraram a elaboração dele, especialmente a Banfiel e a Castores da Guilherme — fanáticas pelo clube proletário.

 

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Comentários encerrados

2 Comentários

  1. Uma dica de texto: Paulista de Jundiaí (campeão da Copa do Brasil 2005) e o Blackburn Rovers (campeão da Premier League 94-95). Dois clubes “pequenos” que ganharam títulos de expressão. Forte abraço e continue com esses textos incríveis.

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