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Jogos Eternos – Hungria 4×2 Uruguai 1954

 

Data: 30 de junho de 1954

O que estava em jogo: uma vaga na final da Copa do Mundo de 1954.

Local: Stade Olympique de la Pontaise, Lausanne, Suíça.

Juiz: Benjamin Griffiths (País de Gales)

Público: 45.000 pessoas

Os Times:

Hungria: Grosics; Buzánszky, Lóránt e Lantos; Bozsik e Zakariás; Hidegkuti; Budai, Kocsis, Palotás e Czibor. Técnico: Gusztav Sebes.

Uruguai: Máspoli; Santamaría e Martínez; Rodríguez Andrade, Carballo e Cruz; Souto, Ambrois, Hohberg, Schiaffino e Borges. Técnico: Juan López.

Placar: Hungria 4×2 Uruguai. Gols: (Czibor-HUN, aos 12’ do 1º T; Hidegkuti-HUN, aos 2’, Hohberg-URU, aos 30’ e aos 41’ do 2º T. Kocsis-HUN, aos 4’ e aos 11’ do 2º T da prorrogação).

 

O Espetáculo Épico de Lausanne: Gols, Emoção e Parada Cardíaca (!)

 

Por Guilherme Diniz

 

Bicampeões do mundo e ainda com a aura do Maracanazo, os uruguaios ostentavam desde 1930 uma notável invencibilidade em Copas. Jamais haviam perdido um jogo de Mundial. Já eram 11 jogos, 10 vitórias e apenas um empate. E lá estavam eles em busca da terceira final. Da posse definitiva da Taça Jules Rimet. Mas, do outro lado, havia uma máquina húngara. Avassaladora. Que destroçava qualquer rival em qualquer terreno – a Inglaterra que o diga, derrotada por 6 a 3 em pleno estádio de Wembley um ano antes. Eles estavam invictos há 30 jogos – a última derrota datava de 1950. Não tinham Puskás, mas Hidegkuti, Kocsis e Czibor estavam lá. Favoritos plenos. O Uruguai também foi para o jogo sem um de seus principais nomes, o caudillo Obdulio Varela. Mas Schiaffino, Rodríguez Andrade e Hohberg estavam lá. Eram os campeões do mundo contra os melhores do mundo.

E o que se viu na cidade de Lausanne foi uma das partidas mais eletrizantes, empolgantes e inesquecíveis da história das Copas e do próprio futebol mundial. Como sempre fazia, a Hungria abriu o placar com menos de 20 minutos e ampliou para 2 a 0 no começo da segunda etapa. Valente e místico, o Uruguai não se entregou e foi para cima dos europeus até encontrar um gol e o empate faltando quatro minutos para o fim. O autor dos dois tentos celestes foi o mesmo: Juan Hohberg, argentino de nascimento, uruguaio de coração, que parou por alguns segundos após a emoção e exaustão que aquele empate significou a ele e à Celeste. Sim, ele sofreu uma parada cardíaca em pleno campo. Teve que ser ressuscitado pelo médico uruguaio Carlos Abate. Hohberg, por segundos, “morreu”.

Mas voltou para mais alguns minutos de prorrogação, contrariando os médicos em um ato insano. Era tudo pela pátria. Ele ainda acertou a trave dos húngaros. No entanto, os magiares fizeram dois gols com o artilheiro da Copa, o implacável Kocsis, e conseguiram impôr aos campeões mundiais sua primeira derrota. Mas foi a muito custo. Nas arquibancadas, o público aplaudiu, balançou lenços e agradeceu pelo espetáculo de futebol ofensivo protagonizado por duas seleções sensacionais. É hora de relembrar.

 

Pré-jogo

Hungria_1954_time
A Hungria de 1954. Em pé: Gyula Lóránt, Jenő Buzánszky, Nándor Hidegkuti, Sándor Kocsis, József Zakariás, Zoltán Czibor, József Bozsik e László Budai. Agachados: Mihály Lantos, Ferenc Puskás e Gyula Grosics.

 

A Copa de 1954 teve a maior média de gols da história – quase 5,4 gols por jogo! -, e isso teve grande contribuição exatamente de Hungria e Uruguai, que curiosamente se enfrentariam pela primeira vez na história naquela semifinal. Os europeus vinham de vitórias pirotécnicas sobre Coreia do Sul (9 a 0), Alemanha (8 a 3) e ainda um 4 a 2 sobre o Brasil na famigerada “Batalha de Berna”. Comandados pelo técnico Gusztav Sebes, os húngaros eram conhecidos como os “Mágicos Magiares”, uma seleção impressionante, exuberante, única. Eles quebraram estigmas táticos, foram os precursores do 4-2-4, procuravam marcar de um a dois gols nos primeiros 20 minutos de partida, valorizavam o aquecimento pré-jogo (algo ainda pouco difundido no futebol da época) e contavam com atletas excepcionais.

Béla Guttmann, lendário técnico de futebol, Kocsis (ao centro) e Puskás (à dir.): mitos da Hungria e ícones do futebol nas décadas de 1950 e 1960.

 

No gol, Grosics era regular e um dos melhores da posição no Velho Continente. O sistema defensivo, embora sofresse com o traço tático ofensivo, era coeso com Lóránt, Buzánszky e Bozsik. Mas era do meio para frente que o talento explodia. Zakarías era o dono do meio de campo, marcava e dava passes precisos. Budai podia atuar tanto mais recuado, protegendo o setor defensivo, como no ataque, participando das jogadas ofensivas. E Hidegkuti, Kocsis, Puskás e Czibor eram os mágicos, os expoentes, os grandes responsáveis pela quantidade de gols absurda que aquela seleção marcava. O quarteto aliava genialidade, técnica, consciência tática, preparo físico e muita regularidade.

O capitão Billy Wright (à esq.) troca de flâmula com Ferenc Puskás, da Hungria, em 1953, na vitória dos húngaros sobre os ingleses por 6 a 3 em pleno estádio de Wembley.

 

Campeões olímpicos em 1952 e invictos há 30 jogos – a série começou lá em 1950 -, os húngaros pareciam não ter rivais à altura. Mas o adversário daquela semifinal seria, de fato, o primeiro grande desafio da equipe europeia no Mundial. O Uruguai era o detentor do título e lutava pela terceira conquista da Copa do Mundo. Com a base campeã na Copa de 1950, a Celeste estava, para muitos, ainda mais forte. O goleiro era Máspoli, o mesmo guarda-metas do bi. Na zaga, o destaque ficava por conta do defensor Santamaría, que seria ídolo no grande Real Madrid multicampeão europeu naquela década de 1950, além de Rodríguez Andrade, sobrinho da “Maravilha Negra” José Leandro Andrade e presente no título de quatro anos antes, e William Martínez, reserva em 1950 e titular em 1954. No meio e no ataque, a Celeste tinha o capitão Obdulio Varela e nomes como Abbadie, Míguez, Ambrois, Schiaffino, Borges e Hohberg, isso sem contar nas opções no banco de reservas como Julio Pérez e Eusebio Tejera. A única ausência foi Alcides Ghiggia, que não foi convocado por na época jogar na Roma-ITA e não ser liberado pela Loba.

El Negro Jefe Obdulio Varela foi uma ausência muito sentida do Uruguai para aquela partida semifinal.

 

Mesclando experiência e juventude, o técnico Juan López tinha em mãos um timaço e provou isso nos jogos da Copa. Na primeira fase, mesmo em um grupo considerado difícil, os sul-americanos venceram a Tchecoslováquia por 2 a 0 e massacraram a Escócia por 7 a 0, com show dos ponteiros Borges e Abbadie, autores de três e dois gols respectivamente – Míguez fez os outros dois. Nas quartas de final, triunfo por 4 a 2 sobre a Inglaterra e manutenção da invencibilidade que a equipe ostentava em Copas desde 1930. Já eram 11 jogos, 10 vitórias, um empate e dois títulos (1930 e 1950) nos Mundiais disputados pela Celeste (que abdicou das disputas de 1934 e 1938). Era um retrospecto considerável que a Hungria deveria respeitar. E, levando em consideração o time que tinha e a façanha obtida no Maracanazo, tudo podia acontecer. E amenizava um pouco o tamanho do favoritismo que os húngaros possuíam.

Tchecoslováquia e Uruguai, na primeira fase.

 

Contra a Inglaterra, o Uruguai venceu por 4 a 2 e provou sua força em busca do tri.

 

Mas um fator que pendia mais para o lado húngaro era a quantidade de desfalques. Enquanto os magiares tinham como principal ausência o atacante Puskás, ainda com dores por causa da contusão sofrida no duelo contra a Alemanha na primeira fase, os uruguaios não teriam Varela, Abbadie e Míguez, todos lesionados após as pancadas sofridas pelos ingleses nas quartas de final. Com isso, o técnico Juan López colocou Carballo mais centralizado no meio de campo para preencher a vaga de Varela, Souto pela ponta-direita, no lugar de Abbadie, e o centroavante Juan Hohberg no lugar de Míguez. Por outro lado, o Uruguai continuava forte principalmente por causa da estreia de Hohberg, após o artilheiro (estrela do Peñarol desde o final dos anos 1940) se recuperar de uma lesão.

Ingresso para a partida histórica! Foto: FIFA Museum.

 

O Uruguai em campo. Em pé: Carballo, Rodríguez Andrade, Santamaría, W. Martínez, Máspoli e Cruz. Agachados: Souto, Ambrois, Schiaffino, Hohberg e Borges.

 

Com tantos craques, o duelo entre húngaros e uruguaios já era tido pela imprensa como “final antecipada” da Copa de 1954. Alemanha e Áustria, rivais na outra semifinal, eram meros coadjuvantes. E a expectativa para um grande jogo foi confirmada com o ótimo público presente no estádio de La Pontaise, em Lausanne, que recebeu mais de 45 mil pessoas, bem perto da capacidade máxima de 50 mil que o estádio comportava na época.

 

Primeiro tempo – Não tão avançados

Acostumada a pressionar seus rivais nos primeiros 20 minutos, a Hungria adotou a mesma tática naquele início de jogo e foi pra cima do time sul-americano. Com toques rápidos e jogadas pelas pontas, principalmente pelo lado esquerdo, com Czibor, a equipe europeia chegava constantemente ao ataque e dava muito trabalho ao goleiro Máspoli, que interceptou chutes de Palotás (substituto de Puskás no ataque) e Bozsik. Em uma dessas chegadas, Hidegkuti chutou cruzado da esquerda e a bola raspou a trave – Czibor chegou até a levantar os braços e gritar gol antes de tão perto que a bola passou! Mas não demorou muito para o primeiro gol dos magiares sair. Em ataque rápido, Hidegkuti levantou na entrada da área, Kocsis ajeitou de cabeça e Czibor esperou o quique da bola para chutar rasteiro no canto esquerdo do goleiro uruguaio para fazer 1 a 0, aos 12 minutos.

Lançamento de Hidegkuti…

 

… E o gol de Czibor.

 

O Uruguai tentou responder em chutes de fora da área, mas Grosics conseguia defender em dois tempos ou espalmar para escanteio, além de sair rapidamente do gol e atuar como um líbero nas tentativas sul-americanas de ataque por trás da linha defensiva da Hungria. Era um jogo totalmente aberto, com chances claras para ambos os lados e que surpreendia pelo equilíbrio que muitos duvidavam que existiria. A Hungria não dominava como nos jogos anteriores e sofria vários contragolpes dos uruguaios. Os goleiros se destacavam com grandes defesas, bem como os zagueiros, em especial Lantos e Lóránt, do lado húngaro, e Santamaría, do lado uruguaio.

Grosics (à esq.) sai do gol: goleiro atuou quase como um líbero em diversos lances da partida.

 

 

Os times em campo: a Hungria começou atacando bastante graças ao talento de Hidegkuti e aos pontas Czibor e Budai, mas sofreu com as investidas do Uruguai, que tinha em Schiaffino seu principal articulador, além da eficiência defensiva de Rodríguez Andrade.

 

Outro jogador que brilhava na partida era Rodríguez Andrade, impecável no lado direito com sua força, senso de colocação e habilidade para marcar e conter os avanços de Czibor, que, mesmo com o gol inaugural, não levava o perigo das partidas anteriores. A Hungria ainda teve uma boa chance de gol no finalzinho da primeira etapa com Kocsis, mas sua cabeçada à queima roupa foi muito bem defendida por Máspoli. Ao apito do árbitro, o público aplaudiu um ótimo primeiro tempo que não teve a dominância húngara, mas muitas oportunidades, velocidade e times jogando no ataque. O placar era magro demais para tantos lances. Mais gols deveriam sair nos 45 minutos finais.

 

Segundo tempo – O empate cardíaco

Hidegkuti, de peixinho, fez o segundo gol da Hungria. Foto: Getty Images.

 

A bola rolou poucos minutos em Lausanne até entrar no gol mais uma vez na etapa complementar. Budai avançou pela direita e cruzou para Hidegkuti aparecer livre, e, de peixinho, cabecear para o fundo das redes de Máspoli: 2 a 0. A vantagem no placar poderia sugerir uma Hungria ainda mais incisiva em busca de mais gols, mas foi o contrário. A equipe pisou no freio e deu ao Uruguai mais espaços. A Celeste dominou as ações, inflou a garra charrúa e se mandou ao ataque principalmente com Schiaffino, o principal articulador de jogadas da equipe uruguaia e com um controle de bola absoluto, praticamente impossível de ser desarmado.

Com velocidade, visão de jogo e experiência, o craque provou que era um dos melhores de seu país e do mundo na época. Até que, aos 31’, um passe errado dos húngaros originou um contra-ataque uruguaio. De pé em pé, a bola chegou em Schiaffino, que tocou no meio para Hohberg. Em jogada típica do Peñarol, o atacante escapou de Buzánszky e Lantos e chutou rasteiro na saída de Grosics para diminuir: 2 a 1. Em sua primeira partida na Copa, Hohberg deixava sua marca. Lesionado no começo do Mundial, ele fazia sua estreia exatamente naquela semifinal.

O primeiro gol de Hohberg.

 

O jogo pegou fogo (mesmo com a forte chuva que caía em Lausanne)! A Hungria tentou a resposta logo de cara em um bombardeio que só não resultou em gol porque a zaga uruguaia tirou em cima da linha. Com a bola nos pés, o Uruguai se mandava ao ataque e tentava o empate a qualquer custo, com o time todo na frente e quase sem responsabilidade alguma no setor defensivo. Tentando bolas alçadas, chutes de longe e de dentro da área, o Uruguai era todo ataque e encurralou a Hungria, que provava do próprio veneno naquele jogo. A torcida acompanhava aquilo maravilhada, tensa, olhando para o relógio e para o gramado a todo instante. A zaga húngara sofria para despistar Schiaffino e Hohberg, e, quando Grosics não conseguia defender, um zagueiro era obrigado a se atirar na bola para evitar o gol, ora Buzánszky, ora Lantos. Aquela avalanche celeste merecia uma recompensa. E ela veio.

Aos 41’, Hohberg recebeu no meio e ganhou a dividida com o goleiro Grosics. Assim como em vários outros lances do jogo, lá estavam Buzánszky e Lantos perfilados na linha do gol. Hohberg olhou, mirou e chutou no exato canto vazio para marcar o gol de empate, clássico, típico de matador: 2 a 2. O estádio explodiu. Grosics e Buzánszky instantaneamente levaram as mãos à cabeça. Para eles, era inacreditável levar o empate daquela maneira. Do lado uruguaio, a comemoração foi apoteótica. Jogadores corriam, pulavam e foram ao encontro do herói Hohberg, abraçado, beijado e empilhado pelos companheiros.

Porém, quando todos se levantaram, o atacante continuou ali, estatelado no chão. Ele havia desmaiado. Será que a avalanche humana foi tão grande que ele ficou sem ar? Mais do que isso. Hohberg sofreu uma parada cardíaca, algo que ninguém notou na hora. Bem, apenas uma pessoa: Carlos Abate, médico uruguaio que imediatamente deu duas doses de coramina ao atleta e fez massagem cardíaca para reanimá-lo. Hohberg ficou alguns segundos completamente sem pulso e inconsciente e “morreu” por 15 segundos. Não fosse a ação rápida do médico, o atacante uruguaio poderia falecer ali, em Lausanne e vítima do mesmo mal que havia levado seu pai anos antes.

O gol histórico de Hohberg…

 

… E as reações de desespero dos jogadores húngaros.

 

 

Desacordado, Hohberg foi atendido rapidamente pelo médico uruguaio.

 

Por muito pouco ele não perdeu a vida.

 

O Uruguai jogou os últimos minutos com dez jogadores em campo e manteve o empate no placar. Com isso, a vaga na final teria que ser decidida na prorrogação. Ainda meio grogue, Hohberg viu que mais 30 minutos seriam jogados e disse que precisava voltar. Os médicos ficaram loucos da vida com o atleta e não queriam permitir aquela insanidade. Mas Hohberg, argentino de nascimento, era uruguaio de coração. E, se tal coração havia voltado à vida, ele tinha que entrar em campo. Era tudo pela pátria. Tudo pela Celeste. Tudo pela Copa.

 

Prorrogação – Kocsis e a exaustão derrubam a Celeste

Quem esperava um tempo extra lento, com os times se estudando, viu totalmente o contrário. Os 30 minutos seguintes foram de pura arte, com futebol ofensivo e chances e mais chances de gol. A primeira delas veio, adivinhe, com Hohberg, de volta após alguns minutos de recuperação (e ressuscitação). O atacante recebeu a bola e arriscou um chute de fora da área que pegou no pé direito da trave de Grosics! No rebote, Schiaffino ainda tentou aproveitar uma bobeada da zaga para empurrar a bola para dentro, mas o goleiro húngaro, perfeito nas saídas de bola, conseguiu interceptar a investida do rival. A chuva foi cessando e a Hungria tomou a bola para si a medida em que o Uruguai ia ficando mais cansado. Era visível a exaustão dos sul-americanos, e Hohberg, apesar da grande chance no começo da primeira etapa, não conseguia mais levar o perigo de antes.

Aos 4’ do segundo tempo, a Hungria usou sua principal arma de ataque para tentar liquidar de vez o rival: a jogada aérea. Budai, jogando muito pela direita, cruzou na área e Kocsis, um dos maiores cabeceadores da história do futebol, ganhou na subida de Santamaría e testou no canto esquerdo do goleiro Máspoli para fazer 3 a 2. O gol abateu o Uruguai, que já demonstrava sinais de esgotamento. E, aos 11’, Bozsik avançou pela direita e cruzou no meio da área para Kocsis, em um lance bem parecido com o terceiro gol, testar no canto direito de Máspoli e fazer 4 a 2.

Mais alguns minutos se passaram e o árbitro galês Benjamin Griffiths apitou o final do jogo. A torcida, maravilhada, aplaudiu aquele espetáculo proporcionado por húngaros e uruguaios e acenou lenços brancos em profundo agradecimento. Estava sacramentado um dos maiores jogos da história das Copas. Disputado com profissionalismo, emoção, técnica, e, acima de tudo, coração. Dois timaços que demonstraram tudo do que eram capaz. Teve brilho coletivo e individual de diferentes personagens e as mais particulares histórias. Teve belos gols e jogadas trabalhadas. E provou que os húngaros eram de carne e osso e podiam sofrer um bocado. Ainda mais quando uma Celeste está do outro lado.

 

Pós-jogo: O que aconteceu depois?

Hungria: jogar 120 minutos tão intensos como aqueles custou caro ao time húngaro. Mesmo com o retorno de Puskás para a grande final da Copa, o Major ainda não estava bem fisicamente e a equipe magiar perdeu de virada para a Alemanha por 3 a 2, vendo ruir o sonho do primeiro título mundial no famoso “Milagre de Berna”, que na verdade nem foi tão milagre assim, como você pode ler neste texto. Mesmo sem a taça, aquela seleção húngara ganhou mais fama e reconhecimento do que a própria Alemanha pelo futebol aplicado e os números conquistados ao longo de quatro anos. Naquela Copa, a Hungria marcou 27 gols e levou 10 em cinco jogos, teve o maior saldo de gols da história (+17 gols), teve o artilheiro do Mundial – Kocsis, com 11 gols – e ostenta até hoje a maior média de gols da história das Copas – 5,4 gols por jogo, além de contribuir para o país ter a maior média de gols por jogo na história das Copas mesmo ausente de Mundiais desde a Copa do Mundo de 1986 – 2,72 gols por jogo (87 gols em 32 jogos). Os bailes de Kocsis, Hidegkuti, Czibor e Puskás foram eternos e inesquecíveis. Como foi aquela semifinal de Lausanne em 30 de junho de 1954. Leia mais sobre essa Hungria clicando aqui!

Os capitães Fritz Walter e Ferenc Puskás antes da grande final.

 

Uruguai: abatidos após sofrerem sua primeira derrota em Copas, os uruguaios não demonstraram interesse na disputa do 3º lugar e foram derrotados pela Áustria por 3 a 1. O gol de honra da Celeste foi anotado por Hohberg, que superou o susto da semifinal para entrar em campo três dias depois do jogo épico contra a Hungria. Em virtude de suas atuações, o uruguaio despertou o interesse de vários clubes europeus, em especial Juventus e Roma, mas o Peñarol-URU, dono do passe do jogador, declarou seu atacante “intransferível”. Tempo depois, Hohberg sofreu outro susto: um acidente de carro impossibilitou o atleta de jogar futebol por longos meses e ele só voltou aos gramados em 1958. Só jogou mais dois anos até se aposentar em 1961, mas não antes de ser campeão da primeira Copa Libertadores da história, em 1960, pelo grande Peñarol daquele começo de década.

Hohberg virou treinador e comandou a seleção uruguaia na Copa do Mundo de 1970 e a Celeste chegou até mais uma semifinal. No entanto, outra vez Hohberg teve pela frente uma seleção avassaladora: o Brasil de Pelé, Jairzinho, Tostão, Rivellino, Gérson e companhia. O Uruguai até abriu o placar, mas deu Brasil: 3 a 1. Na disputa do terceiro lugar, derrota para a Alemanha por 1 a 0. O coração de Hohberg só parou em 30 de abril de 1996, 42 anos depois de sua “ressurreição” em Lausanne.

Hohberg jogou a disputa do terceiro lugar e marcou mais um gol!

 

Extra:

Veja lances desse jogo eterno.

 

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Comentários encerrados

5 Comentários

  1. Mais um excepcional texto da equipe, já é meu site de análise de futebol favorito!!! Sobre esse jogo, parei para refletir: a dificuldade imposta pelos uruguaios ao esquadrão magiar (que eu soube que existiu, mas que só tive noção melhor da dificuldade húngara depois de ler esse ótimo texto) mostrou o quanto foi justa a conquista da Copa de 1950 (foi surpresa só para os amadores brasileiros mesmo, Itália e Espanha levaram muitos grandes jogadores da Celeste ao longo da década de 1950, o Uruguai era mais reconhecido que o Brasil para produzir jogadores). No fim, o Uruguai mostrou um futebol que encantou na Copa, e pelo talento e solidez, poderiam perfeitamente ter levado o título. Dois gigantes da história…

  2. Que texto, Imortais! Fiquei chocado com a parte em que o Hohberg ficou no limbo entre a vida e a morte lá mesmo no gramado.

    Sobre a Hungria, dá para ver que a situação atrapalhou o time na final e permitiu à Alemanha realizar aquele “milagre”. É chato ver o quanto ela sumiu nos anos seguintes.

    Parabéns de novo Imortais! Jogos assim não podem ser esquecidos! Abraço e sempre de olho!

      • Belo texto: Por favor nesta mesma categoria escreva sobre a alucinante semifinal da UEFA Champions League de 2012, Barcelona 2 x 2 Chelsea, com tudo de mais pirotécnicas e alucinante de que se existe de direito. Expulsão de John Terry, Barcelona abrindo 2 x 0, Ramires marcando um gol lindo de cobertura em passe magistral de Frank Lampard na saída do arqueiro Victor Valdes, Messi Desperdiçando pênalti com a bola explodindo no ferro da baliza, pressão absurda do Barcelona e no final Fernando Torres enfatilha um contra ataque fatal, dribla Victor Valdes e sacramenta a classificação dos azuis de Londres para a Semifinal da UEFA Champions league da temporada 2011/2012. Isso foi um aperitivo para aquela final histórica de Munique entre Bayern x Chelsea. Obrigado

Craque Imortal – José Manuel Moreno

Seleção dos Sonhos da Itália