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Seleções Imortais – Brasil 1949-1950

Em pé: Barbosa, Augusto, Danilo Alvim, Juvenal, Bauer e BIgode. Agachados: Friaça, Zizinho, Ademir de Menezes, Jair Rosa Pinto e Chico.
Em pé: Barbosa, Augusto, Danilo Alvim, Juvenal, Bauer e Bigode. Agachados: O massagista Johnson, Friaça, Zizinho, Ademir de Menezes, Jair Rosa Pinto, Chico e o massagista Mário Américo.

 

Grandes feitos: Campeã do Campeonato Sul-Americano (atual Copa América) de 1949 e Vice-campeã da Copa do Mundo da FIFA de 1950.

Time-base: Barbosa; Augusto e Juvenal (Mauro Ramos); Bauer (Ely), Danilo Alvim (Ruy) e Bigode (Noronha); Friaça (Maneca / Tesourinha / Cláudio), Zizinho (Baltazar), Ademir de Menezes (Nininho / Octávio), Jair Rosa Pinto (Orlando Pingo de Ouro / Alfredo II) e Chico (Simão / Canhotinho). Técnico: Flávio Costa.

 

“Os Injustiçados”

 

Por Guilherme Diniz

 

Foram 12 anos sem Copas. Anos de tensão, guerras, bombas, medo. Após o fim da 2ª Guerra Mundial, eis que a luz voltou a brilhar no esporte. Novos tempos, aptos para a volta do futebol como o conhecíamos. E da Copa do Mundo. A sede? O Brasil, que se preparou como nunca e fez questão de construir um colosso de concreto que seria o maior do planeta: o Maracanã. Flávio Costa convocou 22 jogadores com a certeza de que era possível vencer o primeiro mundial para o Brasil jogando em casa. E não havia momento ideal. Eram atletas fantásticos, que compuseram em boa parte dos anos 1940 esquadrões fabulosos. O Brasil era um timaço, do goleiro ao centroavante. Jogo após jogo, o favoritismo foi sendo confirmado. Jogos espetaculares. Multidões aos borbotões iam ao Maracanã e faziam festas jamais vistas em uma Copa. Dava gosto de ver. Aquele time já merecia louvor. Honrarias. Medalhas. Eles conseguiram dar ao Brasil pela primeira vez a chance de levantar o maior dos títulos. 

Até que chegou o dia 16 de julho de 1950. E, antes de a bola rolar, tudo começou a dar errado. Foi feito o errado. O jogo final começou a ser perdido na véspera, com o favoritismo exacerbado e a falta de tranquilidade aos jogadores. Em campo, o título mundial chegou às mãos do Brasil aos 2’ do segundo tempo, no gol de Friaça. Resvalou minutos depois, no empate do Uruguai. E caiu no gol de Ghiggia. Os que seriam idolatrados, respeitados, venerados, foram execrados. Uma tremenda injustiça. Ferida na alma do brasileiro, que viu o Maracanazo como a maior tragédia de seu futebol. Só que aquilo só seria compreendido muito tempo depois, em 2014, quando todos viram o que era um vexame de verdade. A seleção de 1950 foi, sim, uma das maiores equipes que o Brasil já teve. E, por causa de uma derrota, nunca teve seu devido reconhecimento e muitos nem sequer sabem de sua verdadeira história. E é isso que o Imortais espera reverter e elucidar a seguir.

 

Anos de ouro

Tesourinha, Zizinho, Heleno de Freitas, Jair Rosa Pinto e Ademir de Menezes: grandes talentos do Brasil em 1945.

 

Enquanto a Europa vivia tempos difíceis por conta da 2ª Guerra Mundial – o que acabou afetando vários campeonatos nacionais e o desempenho de clubes oriundos dos países que participavam de maneira mais assídua do conflito bélico -, o futebol brasileiro se desenvolveu de maneira considerável com o surgimento de esquadrões que entraram para a história do nosso esporte. Os principais destaques foram o Rolo Compressor do Internacional, hexacampeão gaúcho e com craques como Nena, Tesourinha e Carlitos; o Flamengo tricampeão carioca de Domingos da Guia, Jaime de Almeida, Biguá, Zizinho, Pirillo e Vevé; o Rolo Compressor do São Paulo multicampeão paulista de Ruy, Bauer, Noronha, Leônidas da Silva e Mauro Ramos; e, sobre todos, o “Expresso da Vitória” do Vasco de Barbosa, Ely, Danilo Alvim, Jorge, Chico, Ademir de Menezes e companhia

O São Paulo de 1949. Em pé: Ruy, Savério, Mauro Ramos, Mário, Bauer e Noronha. Agachados: Friaça, Ponce de León, Leônidas, Remo e Teixeirinha.

 

Em pé: Barbosa, Rafagnelli, Danilo, Jorge, Wilson e Ely. Agachados: Djalma, Maneca, Friaça, Lelé e Chico. Uma das escalações do Vasco campeão sul-americano de clubes em 1948 no Estádio Nacional. Foto: Centro de Memória Vasco da Gama.

 

A quantidade de craques disponíveis para o escrete brasileiro era notável e sem dúvida a melhor que o país já havia tido em sua história. A seleção era comandada desde 1944 por Flávio Costa, que treinava também o grande Vasco daquele final de década. Ele conduziu o Gigante da Colina aos títulos dos Cariocas de 1945, 1947 e 1949 (todos de maneira invicta!) e do Campeonato Sul-Americano de Clubes de 1948 (torneio precursor do que viria a ser a Copa Libertadores). Obviamente que Costa começou a levar para o time nacional os maiores craques do elenco cruzmaltino e também o que de melhor outros times brasileiros tinham a oferecer, embora fosse acusado de privilegiar mais os atletas do Rio, em tempos de grande rivalidade entre paulistas e cariocas na seleção, nos duelos entre clubes e no Campeonato Brasileiro de Seleções – a Seleção do Rio também era dirigida por Flávio Costa…

Foi assim que o Brasil venceu a Copa Roca de 1945 com vitórias marcantes contra a poderosa Argentina, com um 6 a 2 em São Januário no dia 20 de dezembro de 1945 (com dois gols de Ademir, um de Leônidas, um de Zizinho, um de Chico e um de Heleno de Freitas) e um 3 a 1 três dias depois, com gols de Heleno, Eduardo Lima e um contra de Juan Fonda. E, ano após ano, a seleção foi ficando mais forte e ganhando mais aportes do Expresso, entre eles Ely, Danilo Alvim, Barbosa e Augusto. No entanto, a tal safra acabou não rendendo tantos títulos por causa da própria Argentina, que também contava com craques do mais alto escalão e praticamente dominou a Copa América na época com os títulos de 1941, 1945, 1946 e 1947.

Só em 1949 que o time brasileiro conseguiu reverter a situação. Diante da imensa greve que parou o futebol argentino e acabou impedindo a seleção albiceleste de disputar o torneio, o Brasil sediou a Copa América (conhecida como Campeonato Sul-Americano na época) daquele ano e aproveitou a ausência do rival para tentar reconquistar um torneio que ele não vencia desde 1922. Flávio Costa convocou nomes já consagrados do Vasco (Barbosa, Ely, Danilo Alvim, Wilson e Augusto) e do São Paulo (Mauro Ramos, Ruy, Bauer e Noronha), além de feras do Flamengo (Zizinho), Corinthians (Cláudio), Portuguesa (Simão e Nininho), Fluminense (Bigode e Orlando Pingo de Ouro), Palmeiras (Canhotinho e Jair Rosa Pinto), Botafogo (um ainda novato Nilton Santos) e Internacional (Tesourinha, que em 1949 iria para o Vasco).

Sem os hermanos no páreo, o Brasil não encontrou dificuldades e faturou o torneio continental jogando em casa, com seis vitórias e uma derrota em sete jogos, sendo 39 gols marcados e sete sofridos. O Brasil massacrou Equador (9 a 1) e Bolívia (10 a 1), venceu o Chile por 2 a 1, goleou a Colômbia por 5 a 0, fez 7 a 1 no Peru, impôs um categórico 5 a 1 no Uruguai e perdeu para o Paraguai por 2 a 1. No jogo desempate, contra os mesmos paraguaios, vitória brasileira por 7 a 0, com três gols de Ademir, dois de Tesourinha e dois de Jair Rosa Pinto. A seleção dominou a lista de artilheiros: Jair Rosa Pinto anotou 9 gols e estabeleceu um recorde jamais superado na competição até hoje, enquanto Ademir e Tesourinha fizeram 7 gols cada. Com a conquista de um troféu que não vencia desde 1922, o Brasil aumentou ainda mais as expectativas para seu próximo desafio: a Copa do Mundo da FIFA de 1950.

 

Preparativos e os encontros com a Celeste

Zizinho, Ademir de Menezes e Jair Rosa Pinto.

 

Por conta das dificuldades logísticas e financeiras ao longo da década de 1940, o Brasil realizou amistosos e partidas oficiais apenas contra seus vizinhos sul-americanos. Isso gerava certa incerteza quanto ao desempenho do time contra os europeus, mas o retrospecto da seleção foi muito bom. Entre 1938 e o início de 1950, foram 49 jogos oficiais, com resultados ruins apenas contra a Argentina: 12 jogos, três vitórias, um empate e oito derrotas. Nas outras 37 partidas foram 24 vitórias, sete empates e seis derrotas, sendo apenas uma para o Paraguai, na Copa América, e as outras cinco para o Uruguai, que foi derrotado pelo Brasil em oito oportunidades no período.

A média de gols da seleção beirava os quatro gols por partida e comprovava o imenso poder ofensivo do esquema de jogo de Flávio Costa, um dos primeiros técnicos estrategistas do futebol brasileiro e que utilizava bastante em suas equipes a “diagonal”, que fazia com que a equipe fosse mais ofensiva de um lado e mais defensiva do outro. Com isso, o camisa 10 tinha a função de ponta-de-lança e o camisa 8 exercia mais a tarefa de armador quando os rivais adotavam uma tática inversa, por exemplo. Era um estilo moderno e Costa fazia o Brasil (e também o Vasco) jogar o futebol-espetáculo, saindo do estilo mais sóbrio que prevalecia na época.

Já em 1950, Flávio Costa decidiu viajar até a Europa para conferir alguns dos possíveis rivais do Brasil na Copa – foi a primeira vez que um técnico da seleção viajou com esse intuito na história. Costa acompanhou os jogos entre Espanha e Portugal, nos dias 02 e 09 de abril, e o duelo entre Inglaterra e Escócia no dia 15 de abril, todos válidos pelas Eliminatórias. Os espanhóis se garantiram no Mundial com uma goleada de 5 a 1, em casa, e empate em 2 a 2 na volta. Já os ingleses venceram a Escócia por 1 a 0 em plena cidade de Glasgow e também carimbaram a vaga na Copa. Flávio Costa elogiou o futebol dos classificados, mas ele sabia que o time do Brasil era forte o suficiente para vencer tanto espanhóis quanto ingleses.

Manchete destaca vitória do Brasil sobre o Uruguai por 1 a 0. Que bom seria se fosse na Copa…

 

De volta ao Brasil, o técnico montou um elenco com 38 atletas com o intuito de disputar partidas contra o Paraguai, pela antiga Taça Oswaldo Cruz, e Uruguai, pela Copa Rio Branco. Como alguns jogos eram simultâneos, Costa teve que formar dois times e o titular foi escalado para encarar a Celeste. O primeiro duelo aconteceu no Pacaembu e o Brasil saiu derrotado: 4 a 3, com o Uruguai jogando com Máspoli, Matías González, Rodríguez Andrade, Obdulio Varela, Julio Pérez, Oscar Míguez e Juan Schiaffino, além de Gambetta e Ghiggia, todos atletas que estariam também na Copa do Mundo. Os gols da Celeste foram de Schiaffino (2), Míguez e Pérez. Nesse jogo, o zagueiro Mauro Ramos acabou marcado por causa de falhas que cometeu durante a partida e acabaria de fora da Copa. 

O troco do Brasil veio nos dois jogos seguintes, ambos em São Januário: vitória por 3 a 2, em 14 de maio, e outra por 1 a 0, resultados que garantiram o título aos brasileiros. Nesta última vitória, o Uruguai atuou com uma formação que seria bem conhecida no Mundial – e apenas um “intruso”, o atacante Villalba: Máspoli; Matías González e Tejera; Gambetta, Varela e Rodríguez Andrade; Ghiggia, Julio Pérez, Míguez, Schiaffino e Villalba (este seria substituído por Morán na Copa). Já o Brasil foi com Barbosa; Juvenal e Nilton Santos; Ely, Danilo Alvim e Bigode; Friaça, Zizinho, Baltazar, Ademir de Menezes e Chico, com destaque para Ademir de Menezes, autor de cinco dos sete gols brasileiros naqueles três jogos.

Após alguns cortes de jogadores contundidos e com mau condicionamento físico, o grupo foi reduzido a 27 atletas. Outro que deixou a seleção foi o zagueiro Píndaro, do Fluminense, que pediu dispensa por não ter sido escalado em nenhum dos jogos preparatórios. Após analisar os jogadores, Flávio Costa enviou à FIFA a convocação final, que saiu apenas 20 dias antes da estreia. Para chegar aos 22 atletas, Costa deixou de fora Mauro Ramos (São Paulo), Brandãozinho (Portuguesa), Pinga (Portuguesa), Tesourinha (Vasco) e Ipojucan (Vasco). O corte mais sentido foi de Tesourinha, titular absoluto da equipe, mas que sofreu uma séria lesão nos meniscos. Pinga foi deixado de fora muito por causa da confiança que Flávio Costa tinha na recuperação de Zizinho, que havia sofrido uma torção no joelho em um jogo-treino pelo Flamengo (antes de se transferir para o Bangu) e estaria recuperado durante o Mundial. Os convocados foram:

 

Goleiros: Barbosa (Vasco) e Castilho (Fluminense); 

Zagueiros: Augusto (Vasco), Bigode (Flamengo), Ely (Vasco), Juvenal (Flamengo), Nena (Internacional) e Nilton Santos (Botafogo); 

Meio-campistas: Bauer (São Paulo), Danilo (Vasco), Noronha (São Paulo), Ruy (São Paulo) e Zizinho (Bangu);

Atacantes: Adãozinho (Internacional), Ademir de Menezes (Vasco), Alfredo (Vasco), Baltazar (Corinthians), Chico (Vasco), Friaça (São Paulo), Jair Rosa Pinto (Palmeiras), Maneca (Vasco) e Rodrigues (Palmeiras).

 

Foram 13 atletas de clubes do Rio, 7 de São Paulo e dois do Rio Grande do Sul. Depois de definidos os jogadores, o Brasil realizou mais alguns jogos: venceu a seleção gaúcha por 6 a 4, bateu a seleção paulista de novos por 4 a 3 e goleou o America-RJ por 6 a 1. Nessas partidas, porém, as contestações sobre a defesa brasileira ganharam força. Temeroso quanto ao estilo de jogo dos rivais na Copa, Flávio Costa decidiu sacar a linha média do São Paulo (Ruy, Bauer e Noronha) e colocou Ely, Danilo e Bigode, algo que gerou novos atritos na imprensa paulista, que considerava a linha média do tricolor mais técnica e criativa do que a carioca, mais viril, em especial com Bigode pela esquerda. No Mundial, Bauer acabaria ganhando a vaga de Ely, com Noronha e Ruy escalados em apenas um jogo. Na zaga, Costa tirou Nena, zagueiro clássico, e colocou Juvenal, mais viril, enquanto o ataque, ponto forte, permaneceu o mesmo.

 

O nascimento do “maior do mundo”

Em apenas dois anos, o Maracanã tomou forma.

 

Milhares de trabalhadores participaram de uma das maiores obras do país.

 

Com o Brasil como sede da primeira Copa do Mundo do pós-guerra, o governo decidiu construir um estádio à altura do maior espetáculo futebolístico mundial: o Maracanã. Após várias reuniões, o Distrito Federal do Rio de Janeiro decidiu começar o projeto na zona norte da cidade, contrariando a vontade de Carlos Lacerda, deputado federal e ferrenho crítico do Marechal Ângelo Mendes de Moraes, prefeito da cidade na época. Lacerda queria que o estádio fosse erguido em Jacarepaguá, mas o local acabou sendo uma tradicional área destinada à corrida de cavalos, o Derby Club, ligada a uma estação ferroviária. O projeto arquitetônico vencedor foi de autoria de Antônio Augusto Dias Carneiro, Orlando Azevedo, Pedro Paulo Paiva e Rafael Galvão.

As obras começaram em 02 de agosto de 1948 e foram comparadas à construção do Coliseu de Roma por Jules Rimet, presidente da FIFA à época. Cerca de 1500 trabalhadores estiveram envolvidos nos trabalhos, com um pico de 6600 (há relatos de 11 mil!) nos últimos meses de trabalho. A área coberta do estádio atingiria 150 mil m2 e seu formato oval característico de 317 metros lhe davam uma altura de 32 metros. O estádio tinha dimensões enormes, para fazer jus ao seu propósito de ser mesmo o maior. O gramado tinha 110mx75m, um fosso que separava o gramado das cadeiras inferiores de três metros de profundidade, cinco vestiários e 20 cabines de transmissão. Seriam mais de 173 mil lugares, número que dava ao Maracanã a fama de maior estádio do mundo, superando Wembley, na Inglaterra, e Hampden Park, na Escócia. Em sua volta, havia o Ginásio Gilberto Cardoso (conhecido como “Maracanãzinho”), o Estádio de Atletismo Célio de Barros, o Estádio Aquático Júlio Delamare e um estacionamento.

O Maracanã em 1950: megalomania e ainda com andaimes.

 

A inauguração aconteceu apenas dois anos depois do início das obras, no dia 16 de junho de 1950, em um amistoso entre as seleções do Rio e de SP, com vitória dos paulistas por 3 a 1. Para tranquilizar a população de que ele aguentaria o primeiro jogo devido a rapidez das obras, mais de três mil funcionários pularam simultaneamente nas arquibancadas para provar a resistência do colosso de concreto. Ele resistiu, claro! Quem teve a honra de marcar o primeiro gol do estádio foi o lendário Didi. Ainda sim, o estádio não estava totalmente pronto. Isso só aconteceria mais de uma década depois, em 1965. Mesmo assim, o gigante seria o palco principal da Copa do Mundo. E local onde a seleção poderia levantar seu primeiro título mundial.

 

Do início capenga aos shows

Ademir estufa a rede mexicana: Maracanã viu grandes jogos do craque naquele Mundial.

 

O sistema da Copa de 1950, como de praxe, era bem confuso. Seriam quatro grupos, dois com quatro equipes, um com três e um com apenas duas (o do Uruguai…). Os melhores de cada grupo disputariam um quadrangular final, onde o primeiro colocado ficaria com o título. A chave brasileira tinha México, Suíça e Iugoslávia, adversários relativamente fáceis e que poderiam ajudar o técnico Flávio Costa a encontrar o esquema de jogo ideal e ainda possibilitar a plena recuperação física de Zizinho. A estreia do Brasil foi no dia 24 de junho, diante de mais de 81 mil pessoas no Maracanã. Com Ely, Danilo e Bigode no meio e um ataque formado por Maneca, Ademir, Baltazar, Jair e Friaça, o Brasil venceu facilmente o México por 4 a 0 (dois gols de Ademir, um de Jair e outro de Baltazar), em um jogo que mais serviu para afastar o natural nervosismo de estreias em grandes torneios do que um desafio em si. 

Jogo do Brasil contra Suíça, pela Copa do Mundo de 1950, no estádio do Pacaembu. Foto: Divulgação/Veja SP.

 

O jogo seguinte foi contra a Suíça, no Pacaembu. A fim de tentar apaziguar os ânimos da torcida paulista e da imprensa, Flávio Costa mudou o time e colocou a linha média do São Paulo (Ruy, Bauer e Noronha), manteve o corintiano Baltazar no ataque e só não escalou Jair Rosa Pinto por causa da lesão que o palmeirense sofreu no segundo tempo do jogo contra o México – Alfredo entrou em seu lugar. Com apenas dois minutos, Ademir recuperou uma bola na linha de fundo, cruzou, Baltazar furou e a bola sobrou para Alfredo, na meia-direita, que chutou forte e cruzado para fazer 1 a 0. No entanto, a zaga suíça se recompôs rapidamente e adotou seu clássico ferrolho, com dois zagueiros na sobra, quatro médios marcando na linha da grande área e mais dois meias no combate. Esperando um erro defensivo brasileiro, a Suíça o encontrou 15 minutos depois, quando Fatton aproveitou falha de Juvenal na pequena área e empurrou a bola pro gol: 1 a 1.

Na sequência, o Brasil foi todo ao ataque e conseguiu seis escanteios a seu favor. Em um deles, Baltazar, o Cabecinha de Ouro, fez jus ao apelido e testou firme para fazer 2 a 1, aos 32’. Na segunda etapa, a seleção jogou para administrar o resultado ao invés de buscar mais gols. Mas, como diria o profeta, “a bola pune”. E puniu. Aos 43’, um cruzamento de Bickel foi interceptado por Augusto, mas a bola saiu fraca e parou no meio da área. Fatton, outra vez livre, chutou e decretou o empate em 2 a 2. Dois minutos depois, a Suíça ainda raspou a trave brasileira em chute de Friedlander. Com isso, não teve jeito: as vaias soaram como nunca no Pacaembu para o desempenho bem abaixo do esperado da seleção brasileira. De volta ao Rio, Flávio Costa não hesitou em sacar Ruy e Noronha da linha média e escalar mais uma vez os cariocas, além de já poder contar com Zizinho para o último jogo da primeira fase, contra a Iugoslávia.

O time no duelo contra a Suíça. Em pé: o massagista Johnson, Ruy, Barbosa, Augusto, Bauer, Noronha e Juvenal. Agachados: Alfredo II, Maneca, Baltazar, Ademir de Menezes, Friaça e o massagista Mário Américo.

 

A seleção precisava da vitória e a temerosa imprensa temia pela eliminação precoce do time brasileiro. Mas, em campo, não teve susto algum. Logo aos 4’, Bauer deu um belo passe para Ademir, dentro da área e de costas para o gol. O Queixada girou e bateu de perna direita sem chance alguma para o goleiro: 1 a 0. Os europeus foram pra cima, mas Barbosa fez ao menos três defesas espetaculares e impediu o empate. Na segunda etapa, Zizinho comandou as ações ofensivas, marcou um gol e fez um jogo absolutamente perfeito. Ele driblou, lançou, correu freneticamente e acertou todos os passes durante o jogo. O Maracanã aplaudiu de pé a atuação de gala do craque que fez tanta falta nas partidas anteriores da seleção. 

Zizinho foi o maestro do Brasil no último jogo da primeira fase.

 

Depois daquele jogo, Zizinho recebeu elogios rasgados do jornalista italiano Giordano Fattori, da Gazzetta dello Sport, que disse: “O futebol de Zizinho faz recordar Da Vinci pintando alguma obra rara”. Foi o bastante para o craque ganhar o apelido que tanto o consagrou: Mestre Ziza. Com ele de volta, o Brasil crescia no momento certo. E estava pronto para a próxima fase, de turno único, com quatro seleções. Quem fizesse mais pontos seria a campeã do mundo.

 

Apoteose e “Tourada”

Depois de uma semana de descanso, o Brasil entrou no Maracanã no dia 09 de julho, diante de 139 mil pessoas, para o primeiro duelo da fase final, contra a Suécia, que tinha jogadores talentosos como Skoglund e Sundqvist. Com a mesma escalação da partida anterior, a seleção pressionou desde o início e teve um gol de Zizinho anulado aos 10’, quando o árbitro alegou que a bola cruzada por Ademir havia passado a linha de fundo. Aos 14’ e aos 15’, o ponteiro Sundqvist conseguiu superar na corrida o médio-esquerdo Bigode por duas vezes e em ambas o brasileiro teve que cometer falta para suprir a falta de cobertura de Juvenal. Aquele setor era, de fato, o ponto fraco do Brasil. E Flávio Costa não conseguia consertá-lo (e o tempo ia passando…). 

Até que, aos 17’, Ademir fez 1 a 0 e trouxe alívio para a torcida. Nos minutos seguintes, as duas equipes se alternaram no ataque até os 35’, quando Sundqvist outra vez passou por Bigode e chutou cruzado. A bola passou por toda a pequena área e foi pra fora. A torcida emudeceu um pouco, mas Ademir tratou de arrancar gritos daquela multidão dois minutos depois, quando recebeu de Jair – em lance idêntico ao do primeiro gol – e fez 2 a 0. Foi o bastante para abrir as porteiras suecas. Aos 39’, Chico fez 3 a 0 e o Brasil criou outras três chances de gols. Na segunda etapa, Ademir, aos 7’, recebeu de Zizinho, invadiu a área, driblou Svensson e tocou para o gol vazio: 4 a 0. 

Aos 14’, Ademir fez o quinto. Aos 22’, a Suécia diminuiu de pênalti, mas o Brasil fez o sexto gol com Maneca, aos 40’, e o sétimo com Chico, aos 43’. Final: Brasil 7×1 Suécia, na maior goleada (aplicada…) da seleção em Copas e ainda o jogo com maior número de gols de um só jogador brasileiro em um Mundial: Ademir, com quatro gols. O show brasileiro aumentou ainda mais as expectativas e rendeu vários elogios na imprensa internacional, a ponto do jornalista inglês Brian Glanville dizer que o estilo de jogo brasileiro era “o futebol do futuro, quase surrealista”. O Brasil deu 31 chutes a gol e acertou a trave três vezes. Se o placar fosse 11 a 1 (contando as bolas na trave e o tento anulado de Zizinho), não seria nenhum exagero.

O Brasil de 1950: força do ataque era notável e provou isso em campo. A defesa levou poucos gols, mas tinha fragilidade no setor esquerdo contra adversários mais rápidos. Flávio Costa tinha peças para “consertar” esse problema, mas o treinador preferiu manter o mesmo 11 da segunda fase até o fim.

 

O adversário seguinte era a Espanha, do goleiro Ramallets, do grande defensor Parra, do ponta Basora e do prolífico atacante Telmo Zarra, maior artilheiro do Campeonato Espanhol e da Copa do Rei no século XX. Como a Fúria vinha de um empate em 2 a 2 com o Uruguai, a partida contra o Brasil era essencial para as pretensões do time europeu, pois, em caso de derrota, os espanhóis já não iriam mais brigar pelo título. Com exceção de Maneca, que sentiu uma lesão na coxa no duelo contra a Suécia e não poderia mais jogar no Mundial, Flávio Costa escalou o mesmo time, com Friaça na ponta-direita. E, após os primeiros minutos de algum equilíbrio, as mais de 167 mil pessoas no Maracanã viram um show espetacular do Brasil. 

Aos 15’, Ademir chutou da entrada da área, a bola desviou em Parra, mudou de trajetória e entrou no gol: 1 a 0. Até hoje, a FIFA considera o tento como contra. Mas, em outras fontes, o gol é creditado a Ademir de Menezes. Aos 21’, Jair chutou de fora da área, o goleiro Ramallets não segurou e a redonda foi parar no fundo do gol. Aos 31’, após bate e rebate, Chico aproveitou a sobra do goleiro e fez 3 a 0. No segundo tempo, Ramallets evitou gols certos de Friaça e Ademir, mas não conseguiu fazer nada aos 10’, quando Chico chutou no ângulo direito e fez 4 a 0, no gol de número 300 da história das Copas. Na saída de bola, a Espanha perdeu a posse e o Brasil contra-atacou. Bauer tocou para Zizinho, que cruzou para Ademir, este deu um leve toque para vencer Ramallets e fez 5 a 0. 

O Maracanã vivia uma festa. E, sem nenhum roteiro pré-definido, a torcida começou a cantar a marchinha “Touradas em Madri”, composta em 1942 por João de Barro, o “Braguinha”, e Alberto Ribeiro. Tremulando lenços brancos, as milhares de pessoas começaram a cantar:

 

“Eu fui às touradas em Madri

E quase não volto mais aqui

Pra ver Peri beijar Ceci.

Eu conheci uma espanhola

Natural da Catalunha;

Queria que eu tocasse castanhola

E pegasse touro à unha.

Caramba! Caracoles! Sou do samba,

Não me amoles.

Pro Brasil eu vou fugir!

Isto é conversa mole para boi dormir!”

 

Foi um dos momentos mais épicos da história das Copas. Zizinho ainda fez o sexto gol, após passe de Ademir, e a Espanha diminuiu, em gol de Igoa, mas o show dos 26 minutos até o final foi todo da torcida, que cantou e cantou nas arquibancadas do Maracanã, prosseguindo com aquela festa pelas ruas do Rio. 

A goleada de 6 a 1 pegou de surpresa a todos, afinal, a Espanha era o adversário mais temido de todos. E, colocada na roda daquela maneira e com tanta intensidade, fez o Brasil se tornar o favorito disparado ao título mundial. “Ouvi várias vezes as ordens do Flávio Costa para que a gente voltasse um pouco e não se excedesse. Mas não havia ordem que nos segurasse ali. Era a gente jogando e os gols acontecendo”, comentou Danilo Alvim ao jornalista Geneton Moraes Neto no livro “Dossiê 50”, anos depois, sobre a força ofensiva do time brasileiro. E era assim mesmo. A fragilidade no setor esquerdo da defesa passava despercebida diante de tanto talento no ataque. Não havia chance alguma daquele time perder o título, acreditavam todos. E essa perigosa crença começou a fazer o Brasil perder a Copa a partir do dia seguinte…

 

Teremos final! E o perigoso “já ganhou”

 

 

Embora a Copa de 1950 não tivesse uma decisão propriamente dita pelo fato de a fase final ser em turno único, os resultados da segunda rodada tornaram o duelo entre Brasil e Uruguai a final do torneio. O time brasileiro, com quatro pontos, precisava apenas de um empate para ser campeão (as vitórias valiam dois pontos na época). Já o Uruguai, com três pontos, tinha que vencer, pois havia empatado contra a Espanha em 2 a 2 e vencido a Suécia por 3 a 2. Antes do jogo decisivo, o clima de “já ganhou” e a festa da torcida foram claros e explícitos no país. Todos tinham a certeza de que o Brasil sairia do Maracanã com a taça de campeão do mundo. Os jornais do dia do jogo davam até mesmo cartões postais da “Seleção Brasileira – Campeã Mundial”. 

Essa atmosfera toda de festa culminou com uma desastrosa preparação dos atletas brasileiros, que saíram da concentração para o turbulento estádio de São Januário, que vivia cheio de políticos que se aproveitavam do momento da seleção e da Copa para aparecer. Lá, os jogadores mal puderam almoçar direito nem ao menos descansar, indo ao Maracanã logo em seguida e ficando concentrados por horas dentro do vestiário, naquela tensão pré-jogo terrível e sobre-humana. Do lado uruguaio, o oba-oba foi utilizado como arma para mexer com os brios dos jogadores.

Quem também não estava em boas condições físicas era o atacante Ademir de Menezes. Um dia antes do jogo, o craque visitou um garoto em um hospital no Rio que iria passar por uma cirurgia delicada. O jovem era fã de Ademir e, após beijar o artilheiro, perdeu todo o medo que tinha da operação e disse “pode operar, doutor”. Ademir ficou pasmo com aquilo e pensou consigo mesmo se ele era santo ou um deus para aquele garoto. Aquilo o deixou impressionado e o fez passar a noite em claro, sem dormir. No dia seguinte, dia da grande final, Ademir e seus companheiros foram acordados bem cedo, tiveram que ficar ajoelhados e em pé por horas em São Januário e nem sequer se alimentaram direito. “Ali, começamos a perder o Mundial”, disse Ademir anos depois.

Barbosa teve um mau pressentimento no dia do jogo.

 

Quem também percebeu que o dia não era do Brasil foi o goleiro Barbosa. Na entrada dos times em campo, o goleiro notou que a bandeira brasileira estava de ponta-cabeça e assim mesmo foi hasteada. Aquilo era um mau sinal. Para piorar, na hora de os capitães escolherem os lados do campo, o Brasil perdeu na moedinha pela primeira vez naquela Copa e teve de jogar do lado oposto ao que estava acostumado. Outro mau presságio… Em campo, era visível a tensão nos jogadores brasileiros e um leve relaxamento nos uruguaios (com exceção de Julio Pérez, que sofreu uma incontinência urinária e se aliviou ali mesmo, no campo…), muito bem comandados pelo capitão Obdulio Varela, que mexeu com seus companheiros e disse para “não olharem para cima”, a fim de os jovens da equipe Celeste não se intimidarem com os 200 mil torcedores daquela tarde de 16 de julho, o maior público na história de uma partida final de Copa em todos os tempos. Para se ter uma ideia, 10% de toda a população do Rio de Janeiro à época estava no Maracanã naquela tarde.

Os capitães de Brasil e Uruguai, Augusto e Obdulio Varela.

 

Além de toda essa pressão, todo o peso de ser campeão e todo o oba-oba criado pela imprensa, o discurso do prefeito do Rio na época, Ângelo Mendes de Moraes, devastou de vez qualquer resquício de tranquilidade que ainda poderia existir nos jogadores brasileiros. Suas palavras foram como jogar todos os sacos de cimento, toneladas de ferro e estruturas do Maracanã na cabeça de cada atleta. Veja abaixo:

 

“Vós, brasileiros, a quem eu considero os vencedores do Campeonato Mundial! Vós, jogadores, a que menos de poucas horas sereis aclamados campeões por milhões de compatriotas! Vós, que não possuís rivais em todo o hemisfério! Vós, que superais qualquer outro competidor! Vós, que eu já saúdo como vencedores! […] Cumpri minha promessa construindo esse estádio. Agora, façam o seu dever, ganhando a Copa do Mundo! Jogadores do Uruguai: o desporte no Brasil os saúda com o coração aberto! Jogadores do Brasil: 52 milhões de brasileiros esperam pelo título mundial! Não frustrem essa esperança!”

 

Sim, ele disse isso antes da bola rolar. Você tem noção do que isso pode causar em um atleta? Em uma final de Copa? Diante de DUZENTAS MIL pessoas? Pois é. 

 

Maracanazo

Ademir tenta o chute: Queixada não conseguiu deixar sua marca na final.

 

O jogo começou e o Brasil foi quem deu os primeiros chutes e as primeiras chegadas ao ataque, mas sem grandes sustos. Ao longo do primeiro tempo, a seleção deu 17 chutes a gol, contra apenas cinco do Uruguai, que estava frio como gelo e sem sentir a pressão. Uma mostra disso foi o número de faltas: cinco do Uruguai contra 12 do Brasil. A Celeste conseguia anular a jogada do meio de campo do Brasil, Zizinho, Ademir e Jair não conseguiam cumprir seus papéis e os uruguaios ganhavam sobrevida. Pelas pontas, Gambetta e Matías González anulavam Friaça e Chico. Esse “ferrolho” durou até o primeiro minuto do segundo tempo, quando, enfim, o Brasil abriu o placar. Ademir recebeu de Zizinho e tocou na medida para Friaça, pela direita, chutar rasteiro, sem chance para Máspoli: 1 a 0. O barulho foi ensurdecedor e a alegria geral. Aquele resultado dava o caneco ao Brasil. Mas, naquele gol, começaria o pesadelo brasileiro.

O Maracanã transbordando gente na final. Foto: AP.

 

O gol de Friaça…

 

…E o placar Brasil 1×0 Uruguai: sonho… 🙁

 

O capitão Obdulio Varela, como forma de ganhar tempo e assustar a torcida, deixou o jogo mais de um minuto parado pedindo impedimento no lance. Depois do gol, ao invés de liquidar o adversário, o Brasil diminuiu o ritmo e só foi dar mais um chute a gol aos 11 minutos. Com isso, o Uruguai cresceu e passou a usar sua jogada mais perigosa: os lançamentos pela direita, explorando a velocidade de Ghiggia e a já conhecida fragilidade do setor esquerdo brasileiro. O Uruguai chegou ao empate aos 21´, quando Varela passou para Ghiggia na intermediária, perto da lateral. O ponta escapou de Bigode, correu, correu e tocou rasteiro para Schiaffino, que chutou alto, sem chances para Barbosa. A torcida emudeceu, para em seguida continuar a incentivar a seleção. Mas aquele gol mostrou ao time Celeste o caminho para a consagração.

Schiaffino empata o jogo contra o Brasil: era o início do Maracanazo.

 

Aos 34 minutos da segunda etapa, Julio Pérez passou pela marcação brasileira e tocou para Ghiggia, sempre pela direita. Ele devolveu ao companheiro e partiu em velocidade, para receber nas costas de seu marcador, Bigode. O goleiro brasileiro Barbosa pressentiu que a jogada do primeiro gol poderia se repetir e se afastou da trave esquerda. Livre de marcação, pois Juvenal estava indo em direção a Schiaffino, Ghiggia correu e, ao invés de cruzar como no primeiro gol, chutou forte, rasteiro, exatamente no canto que Barbosa havia deixado: Uruguai 2×1 Brasil. 

Ghiggia correu, correu e conseguiu ser o “primeiro homem a calar o Maracanã”. Depois dele, só Frank Sinatra e o Papa…

 

Silêncio no Maracanã. Faltando pouco mais de 11 minutos para o fim do jogo, o time Celeste conseguiu o que muitos acreditavam ser impossível. O Brasil não teve forças para empatar e, aos exatos 45´, com a bola na área do Uruguai e Jair Rosa Pinto a centímetros de fazer um gol, o juiz inglês George Reader cumpriu a pontualidade britânica e apitou o final do jogo. Era o fim. O Uruguai, 20 anos depois, conquistava a Copa do Mundo, se igualava à Itália e era bicampeão mundial. O Brasil, favorito, com o melhor ataque da competição e jogando em casa, ficava como vice. 

Um raro registro de Obdulio Varela recebendo o troféu de campeão do mundo de Jules Rimet, já sob o cair da noite no Maracanã. Foto: Arquivo Diário Associados / Acervo IMS.

 

O meio-campista Danilo Alvim ficou inconsolável após a partida.

 

Estava sacramentado o Maracanazo, como ficou conhecida a vitória uruguaia diante do Brasil. E, a partir dali, começariam as injustiças contra os atletas brasileiros. Barbosa passou a vida taxado como culpado pelo gol de Ghiggia e se tornou o atleta mais injustiçado do nosso futebol. Bigode e Juvenal foram responsabilizados pelas falhas na marcação dos dois gols e Bigode acusado também de ter se acovardado e levado um tapa de Varela. Pura bobagem, como o próprio defensor disse ao jornalista Geneton Moraes Neto no livro “Dossiê 50”:

 

“Não houve agressão nenhuma de Obdulio Varela. A injustiça maior foi essa, contra mim. É uma covardia o que fizeram. Uns dizem que Obdulio Varela cuspiu. Outros que foi um tapa e que não reagi. É uma calúnia. Não houve reação porque não houve agressão. Obdulio Varela deu um tapinha em mim pelas costas, para pedir calma. Eu tinha dado uma pancada em Julio Pérez, um jogador que tinha uma habilidade desgraçada. Para dizer a verdade, a máquina do Uruguai era Julio Pérez, não era Obdulio Varela. Dei uma entrada violenta. Se minha entrada pegasse o tornozelo, se Julio Pérez saísse de campo, a gente ganharia o jogo fácil. Porque o Uruguai se desarticularia totalmente. Neste momento, quando dei a entrada, Obdulio Varela veio me dizer: ‘Muchacho, calma!’. Fiquei olhando para o juiz com medo da expulsão”.

 

Porém, não existe uma só pessoa culpada como acreditaram os torcedores e grande parte da imprensa da época. O revés começou a ser construído lá antes do jogo, nas cantorias de “já ganhou”, nas manchetes de jornal estampando as fotos dos “campeões mundiais”, na concentração (?) em São Januário, nos bu(r)rocratas que tanto azucrinaram os atletas com discursos vazios e sem nexo algum, na tensão dos vestiários, e na falta de eficiência do setor esquerdo da defesa não consertado pelo técnico Flávio Costa, que insistiu no mesmo time.

Os times na final: a velocidade do ataque brasileiro sucumbiu diante dos frios e raçudos uruguaios. Na zaga brasileira, vários buracos e o lado esquerdo totalmente livre para Julio Pérez e Ghiggia fazerem a festa.

 

Aquela seleção era formidável no ataque, mas tinha seus defeitos, não era perfeita como muitos pensavam. E foi feito pouco caso do Uruguai, que era um timaço e havia derrotado o Brasil várias vezes ao longo dos anos 1940 como você leu no começo desse texto – inclusive naquele 4 a 3 no Pacaembu semanas antes do Mundial. E a marcação feita pelos uruguaios sobre as estrelas Zizinho e Ademir mostrou-se o grande caminho para a vitória, além de o time Celeste atuar mais compacto, a exemplo da Suíça, que também não perdeu para o Brasil.

 

Eles foram imortais

A derrota na final de 1950 mexeu com a vida de todos os atletas brasileiros, principalmente os titulares. Quase todos foram martirizados e grande parte do que fizeram em suas carreiras foi praticamente esquecido por muita gente, como se eles não tivessem vencido títulos por seus clubes, marcado gols históricos ou conduzido o Brasil a sua primeira real chance de ser campeão do mundo. As histórias envolvendo alguns atletas, em especial Barbosa e Bigode, beiram o absurdo. Certa vez, Barbosa chegou a ser apontado na rua por uma senhora para o filho de 10 anos: “Olha, esse é o homem que fez o Brasil inteiro chorar”. Com toda calma do mundo, o goleiro vascaíno respondeu: “Minha senhora, talvez se fosse seu filho que estivesse no meu lugar, você não dissesse isso agora para ele”. Ela emudeceu.

Bigode também foi perseguido por décadas pela final. “Ainda escuto na rua sobre o que aconteceu. Quando sou apresentado a alguém na rua, dizem: ‘É Bigode, um dos que perderam a Copa do Mundo de 1950…’ Ninguém diz que fomos campeões sul-americanos pouco antes da Copa. Ninguém diz que fui campeão pelo Fluminense, bicampeão pelo Atlético, campeão brasileiro de seleções. Já esqueceram de tudo. Só veem a Copa de 1950”.

O meio-campista Danilo, de tantas vaias que recebeu quando voltou para casa, teve que deixar o Rio e ir para Miguel Pereira, município a mais de 100km da capital fluminense. Quando se aposentaram dos gramados, alguns atletas tiveram que buscar emprego na área pública. Barbosa, Jair e Chico foram funcionários da ADEG, responsável durante muito tempo pela administração do Maracanã; Augusto foi censor da Polícia Federal; Danilo, burocrata do Ministério da Agricultura; Zizinho, agente fiscal e Ademir relações públicas do Instituto Brasileiro do Café.

Porém, os jogadores de 1950 nunca tiveram o devido reconhecimento. Eles formaram uma das mais fantásticas gerações de futebolistas da história do Brasil. Foram campeões sul-americanos em 1949 e encantaram multidões durante a Copa. A “maior derrota de todos os tempos da seleção” só foi suplantada em 2014, quando o timeco brasileiro perdeu de 7 a 1 para a Alemanha, em casa, na semifinal da Copa do Mundo, aquele sim um vexame histórico e digno de repulsa. E sabe o que é mais curioso? Nenhum dos envolvidos no 7 a 1 de 2014 foi execrado como os jogadores de 1950 foram. Por quê? Pois é… 

Os heróis de 1950, já veteranos. Em pé: Barbosa, Augusto, Danilo Alvim, Juvenal, Bauer e Bigode. Agachados: Friaça, Zizinho, Ademir de Menezes, Jair Rosa Pinto, Chico e o massagista Mário Américo.

 

Os jogadores de 1950 foram heróis. Jogaram futebol. Tiveram o infortúnio de uma péssima preparação antes do jogo. Sofreram nas mãos de políticos, imprensa e ufanismo exacerbado. O Brasil terminou a Copa com quatro vitórias, um empate e uma derrota em seis jogos. Marcou 22 gols – média de 3,66 gols por jogo, uma das mais altas em toda a história dos Mundiais e o 3º melhor ataque da história das Copas – e sofreu seis. Ademir foi o maior artilheiro brasileiro em uma Copa com 9 gols (considerando o que ele anotou e desviou no zagueiro Parra, contra a Espanha). Além de tudo isso, podemos dizer que a seleção de 1950 abriu o caminho para a Era de Ouro do futebol brasileiro, que começou em 1958, no título mundial, passou pelo bicampeonato em 1962 e foi até 1970, no tricampeonato do México

Foi a seleção que mostrou aos europeus um futebol vistoso, rápido e prolífico, com a malícia dos dribles e do improviso, algo que tanto vimos a partir de 1958, com jogadores ainda melhores e que transformaram de vez a seleção brasileira na maior do mundo e sinônimo de futebol-arte. Tudo isso só foi possível graças aqueles atletas, aqueles craques tão importantes para seus clubes, tão sublimes até o dia 15 de julho de 1950 e tão injustiçados depois do dia 16 de julho de 1950. Obrigado Barbosa. Obrigado Augusto. Obrigado Juvenal. Obrigado Bauer. Obrigado Danilo Alvim. Obrigado Bigode. Obrigado Friaça. Obrigado Mestre Zizinho. Obrigado Ademir de Menezes. Obrigado Jair Rosa Pinto. Obrigado Chico. Obrigado Flávio Costa. Vocês foram imortais para a história e o progresso da seleção brasileira de futebol.

 

Os personagens: 

Barbosa: foram 27 anos de carreira e glórias eternas. Títulos e mais títulos pelo Vasco. Jamais usou luvas em suas mãos. Confiava mais em seu tato do que naquelas coisas estranhas na hora de defender a bola. E como defendia. Elástico, seguro, arrojado, corajoso, aquele goleiro pulava nas pernas dos atacantes sem medo de se machucar, dava saltos incríveis e pegava cruzamentos com uma mão só. Seu objetivo era um só: não levar gols. Tanta voracidade lhe rendeu 11 fraturas nas mãos, seis na esquerda e cinco na direita. Mas ele não ligava. Nunca ligou. No entanto, as glórias e o talento que Moacir Barbosa conquistou e ostentou em toda sua carreira jamais foram repetidas com a camisa da seleção brasileira, principalmente depois do dia 16 de julho de 1950. Todos se esqueceram das defesas milagrosas, dos títulos, de sua regularidade. A suposta falha enterrou toda uma carreira brilhante. 

Não havia desculpa. Não havia apelação. Nenhum advogado poderia livrar Barbosa da pena máxima: 50 anos, maior que a habitual por essas bandas, de 30. Mas todos aqueles que crucificaram Barbosa é que deveriam ser condenados por tamanha injustiça, a maior já cometida contra um jogador de futebol no Brasil. Leia mais sobre a carreira e as histórias por trás de um dos maiores goleiros do esporte nacional clicando aqui.

Augusto: capitão do Brasil na Copa de 1950, Augusto era preciso no posicionamento, na marcação e no desarme e foi o dono do lado direito da equipe brasileira na época. Ídolo no Vasco, pelo qual venceu cinco Estaduais e o Campeonato Sul-Americano de 1948, era o único jogador da seleção com emprego fora dos gramados: trabalhava na Polícia Especial do Rio (anos depois, foi para a PF). Não tinha tanta técnica ou velocidade, por isso, não se deslocava muito da zaga.

Juvenal: zagueiro que se destacava mais pela presença física do que pela técnica, ganhou a vaga no time titular após o corte de Mauro Ramos e fez uma Copa regular. Na final, acabou presa fácil para os ótimos atacantes uruguaios e não conseguiu impedir Ghiggia e Julio Pérez de construírem as jogadas dos dois gols. Teve passagens pelo Brasil de Pelotas, Cruzeiro-RS, Flamengo, Palmeiras, Bahia e Ypiranga-BA.

Mauro Ramos: de estilo refinado, passes precisos e senso de colocação pleno, foi um dos maiores zagueiros da história do futebol brasileiro. Sua classe imperava em campo e se tornou um símbolo do futebol bem jogado. Jogou no São Paulo de 1948 até 1959 e participou de quatro conquistas do Campeonato Paulista. Pela seleção, foi capitão do time bicampeão do mundo em 1962 e jogou no lendário Santos de Pelé. Só não foi para a Copa de 1950 por causa das falhas que cometeu nos duelos contra o Uruguai dias antes do Mundial. Uma pena, pois ele iria agregar bastante ao time brasileiro. Em sua cidade natal, Poços de Caldas (MG), existe uma estátua em sua homenagem.

Bauer: mais jovem do elenco no Mundial, o meio-campista foi um dos poucos afetados pelo Maracanazo a ponto de ganhar o apelido de o “Monstro do Maracanã”, pelo nível técnico e grandes partidas realizadas ao longo daquela Copa do Mundo de 1950. Ídolo do São Paulo entre 1944 e 1957, período em que venceu cinco títulos paulistas, disputou 400 jogos e marcou 18 gols pelo tricolor. Tinha um domínio de bola impecável e matava a redonda no peito como poucos. Sua categoria contribuiu demais para a fama da linha média tricolor dos anos 1940. Ajudava o setor ofensivo com suas passadas largas e cruzamentos. Pela seleção, Bauer disputou mais de 25 partidas e foi capitão do escrete canarinho na Copa do Mundo de 1954.

Ely: ao lado de Danilo e Jorge, compôs a famosíssima linha média do Expresso da Vitória do Vasco, responsável por municiar o ataque do time com passes primorosos, construir jogadas fabulosas e abusar da técnica com a bola nos pés. Ely era a raça pura da linha, com vigor físico e muita disciplina, ganhando o apelido de “xerife”. Foi um dos principais líderes do time naquele período e também da seleção brasileira campeã da Copa América de 1949 como titular do meio de campo ao lado de Danilo e Noronha. Podia jogar no meio, na zaga e como lateral. Ganhou ainda a medalha de Ouro nos Jogos Pan-Americanos de 1952 pela seleção.

Danilo Alvim: ganhou o apelido de “O Príncipe” tamanho estilo refinado que tinha em campo. Danilo Alvim era a criatividade pura no meio de campo do Vasco e da seleção, capaz de dar passes milimétricos, dribles fabulosos e ainda marcar gols. Disputou 25 jogos pelo Brasil entre 1945 e 1953 e foi o último a deixar o gramado do Maracanã após o revés para o Uruguai. A imagem do jogador chorando copiosamente após a derrota é uma das mais comoventes da história das Copas. Ídolo vascaíno, Danilo é nome certo em qualquer lista de melhores da história do clube. Um craque.

Ruy: com categoria no domínio de bola, cerebral, técnico e arquiteto de grandes jogadas, foi um dos maiores meio-campistas da história do São Paulo. Podia jogar, também, como zagueiro, compondo o setor defensivo nas investidas dos adversários. Ganhou espaço na seleção com várias convocações e jogos como titular. Integrou a equipe campeã da Copa América de 1949 e disputou uma partida no Mundial de 1950, o empate contra a Suíça.

Bigode: João Ferreira foi um dos principais jogadores dos anos 1940 no futebol brasileiro e fez carreira principalmente no Fluminense, pelo qual conquistou um título Carioca e a Copa Rio de 1952. Atuava como lateral-esquerdo e também no meio de campo e costumava parar as jogadas rivais com falta. Fez uma Copa regular e, como não tinha muita velocidade, acabou sofrendo com as investidas dos uruguaios na decisão da Copa de 1950, algo que o técnico Flávio Costa deveria ter corrigido com a escalação de Noronha ou mesmo o novato Nilton Santos. Bigode foi o segundo jogador que mais sofreu após o Maracanazo por conta das histórias criadas contra ele.

Noronha: atuava pelo lado esquerdo e fechava a linha média mais famosa da história do São Paulo. Incansável, marcador pleno e com uma vitalidade impressionante, foi outro que virou símbolo daquele timaço e ganhou espaço na seleção, pela qual foi titular na conquista do título Sul-Americano de 1949. Seria uma escolha mais acertada para o duelo contra o Uruguai, mas acabou preterido por Flávio Costa.

Friaça: dono de um chute poderoso e muito veloz, o ponta-direita já vinha de muito sucesso no ataque do Expresso da Vitória do Vasco quando chegou ao São Paulo, em 1949, para ser campeão paulista e artilheiro do torneio naquele ano. Friaça carimbou sua vaga na Copa de 1950 e ganhou a posição de Maneca após este se lesionar. Marcou apenas um gol pela seleção: exatamente na decisão contra o Uruguai.

Maneca: ponta-direita arisco, Maneca fazia muitos gols e era um dos endiabrados do ataque fulminante do Vasco. Fazia ótimos lançamentos e seria titular ao longo da Copa de 1950 não fosse a lesão que o acometeu contra a Suécia.

Tesourinha: sem dúvida alguma um dos maiores pontas da história do futebol brasileiro e lenda do Internacional, Tesourinha brilhou na conquista do título Sul-Americano de 1949 com 7 gols marcados e grandes atuações. Só não foi para a Copa por causa de uma lesão, caso contrário, seria titular absoluto do ataque. Foram 23 jogos e 10 gols com a camisa do Brasil.

Cláudio: maior artilheiro da história do Corinthians e ídolo do Timão, Cláudio esteve na seleção campeã sul-americana de 1949 e poderia ter sido convocado para a Copa após o corte de Tesourinha, mas acabou preterido pelo técnico Flávio Costa.

Zizinho: ele foi (e é) o ídolo de Pelé. E todos, sem exceção, admiravam sua valentia, seu talento e sua genialidade em atacar, armar jogadas, cabecear, chutar e ver o jogo como ninguém poderia ver. Na Gávea ou no Maracanã, dava aula e se exibia para todos com seu jeito arisco de ser. Zizinho foi um craque que ditava as ações do meio de campo e não tirava a perna nas divididas. Mestre Ziza conseguiu espaço em um time de feras do Flamengo na década de 1940 e teve a honra de jogar ao lado de craques como Domingos da Guia e Leônidas da Silva. Deixou a Gávea em 1950, magoado, para brilhar no Bangu e, já experiente, no São Paulo campeão paulista de 1957. 

Com a camisa do Brasil, venceu apenas um Campeonato Sul-Americano, em 1949, e teve o vice da Copa de 1950 como o grande drama de sua carreira. Mesmo assim, Zizinho conseguiu escrever seu nome na história como um craque completo, ídolo e imortal, além de ter feito jogos sensacionais naquele Mundial após se recuperar de uma lesão e marcar dois gols. Leia mais sobre ele clicando aqui!

Baltazar:  um dos maiores cabeceadores da história do futebol brasileiro, Baltazar ganhou o apelido de “Cabecinha de Ouro” muito graças aos cruzamentos do companheiro Cláudio no Corinthians. Ele mesmo reconhecia não ser tão bom com os pés, mas, com a cabeça, “nem Pelé era melhor do que ele”, segundo palavras do próprio Baltazar. O atacante jogou no Corinthians de 1945 até 1957 e se tornou o segundo maior artilheiro da história do clube com 267 gols em 402 jogos. Pela seleção, foram 31 jogos e 17 gols, sendo dois deles na Copa de 1950.

Ademir de Menezes: ninguém podia com suas arrancadas, muito menos com seus chutes potentes vindos de ambas as pernas. Os zagueiros tinham seus pontos fracos decifrados em pouquíssimo tempo e eram simplesmente destruídos por aquele atacante virtuoso e imponente. Dentro da área, era um definidor pleno. Fora dela, não encontrava adversários à altura para evitar o que mais gostava de fazer na vida: gols, seja com a camisa que ele tanto amou, a do Vasco da Gama, seja com a branca com toques azuis da Seleção Brasileira. Tivesse sido campeão do mundo na Copa de 1950, aquele goleador de queixo avantajado teria alcançado um status estratosférico de gênio, lenda.

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Mas, para aqueles que realmente entendem e dignificam os méritos e o talento de um atleta, Ademir de Menezes foi um dos maiores atacantes de toda a história do futebol pelos títulos, pelos gols, pelo jeito de jogar e por tudo o que fez dentro de campo. Ele era uma verdadeira máquina e um pesadelo para qualquer defensor. Ademir marcou época no futebol sul-americano nos anos 1940, foi campeão com todas as camisas que vestiu e um dos primeiros camisas 9 de sucesso na Seleção, além de ter sido um dos poucos que se livraram das críticas no fatídico Maracanazo. Foram 39 jogos e 32 gols pela seleção e a histórica artilharia na Copa de 1950. Leia mais sobre ele clicando aqui!

Nininho: foi o centroavante da Portuguesa entre 1945 e 1954 e marcou 132 gols pelo clube, se consagrando como o terceiro maior artilheiro da história da Lusa. Participou da campanha do título da Copa América de 1949 pela seleção brasileira, mas não foi convocado para a Copa do Mundo.

Octávio: se destacou no Botafogo e ajudou o alvinegro a vencer o Campeonato Carioca de 1948, interrompendo momentaneamente a hegemonia vascaína no torneio. Suas atuações o levaram à seleção, pela qual venceu a Copa América de 1949. Por causa da concorrência no ataque, não foi convocado para a Copa do Mundo. Habilidoso e intelectual, é tido como um dos criadores do futevôlei nas praias cariocas, formou-se em arquitetura – participando inclusive do projeto da Granja Comary, centro de treinamento da seleção – e até compôs algumas músicas nos anos 1960.

Jair Rosa Pinto: foi, sem dúvida, um dos maiores meias da história do futebol brasileiro e um craque sensacional dos anos 1940 e 1950. Após ser revelado pelo Madureira e brilhar no Expresso da Vitória do Vasco, teve uma breve passagem pelo Flamengo até se consagrar de vez no Palmeiras com gols, passes, raça e amor à camisa. Integrou o timaço alviverde no começo dos anos 1950 que venceu a histórica Copa Rio de 1951, o Torneio Rio-SP do mesmo ano e ainda o Paulistão de 1950. Venceu a Copa América de 1949 com a seleção brasileira marcando 9 gols, recorde até hoje jamais superado na competição. Em 1950, marcou dois gols e integrou o All-Star Team da Copa. O craque lamentou profundamente um lance no final do jogo em que não alcançou a bola e por pouco não fez o gol de empate do Brasil. O depoimento dele ao jornalista Geneton Moraes Neto no livro “Dossiê 50” reflete bem o sentimento:

“A cada vez que entro no Maracanã eu volto no tempo. Vejo aquele lance de novo. A bola passou por mim. Eu e o goleiro do Uruguai saltamos. Mas sou baixo. Tenho certeza: se Baltazar estivesse ali no meu lugar, a bola teria entrado. O meu drama é esse. Fiz de tudo para alcançar. A bola passou raspando meu cabelo. Pensei em Baltazar, um emérito cabeceador. Se aquela bola entrasse, se o papai do céu tivesse me ajudado, o Maracanã ia cair. Eu seria o salvador da pátria, o melhor jogador do mundo. Mas só me lembro de todo mundo chorando. É a única desgraça que levo. Porque fui campeão de tudo. Só faltou uma Copa do Mundo. Sempre, antes de dormir, eu pensava no gol que não fiz, aos 45 do segundo tempo. Eu sonhava assim: o Brasil com um time daqueles não ganhou a Copa do Mundo? A derrota é que tinha sido um sonho. Acordava espantado. Olhava ao redor – e o Maracanã estava ali, na minha frente”.

Orlando Pingo de Ouro: ídolo do Fluminense e um dos maiores artilheiros da história do clube com quase 190 gols marcados, o meia-esquerda foi convocado para a Copa América de 1949 e disputou três jogos, marcando dois gols. Rápido e oportunista, se colocava muito bem. Outro que acabou não indo para a Copa por causa da concorrência no setor ofensivo.

Alfredo II: era um dos mais polivalentes daquela seleção e podia jogar como lateral, volante, meia e até atacante. Alfredo II tinha técnica e muita garra e jogou no Vasco praticamente toda a carreira, de 1937 até 1956, com uma rápida passagem pelo Flamengo, em 1949. Foi convocado para a Copa por causa da contusão de Tesourinha e disputou o jogo contra a Suíça, marcando um gol no empate em 2 a 2.

Chico: ponta-esquerda do super ataque vascaíno dos anos 1940, Chico era um velocista valente, ótimo com as duas pernas e dono de uma notável visão de jogo. Foi peça mais do que crucial para o sucesso do Expresso da Vitória, além de compor a espinha dorsal da seleção brasileira na Copa de 1950. Marcou quatro gols e brilhou na campanha brasileira. 

Simão: consagrado na ponta-esquerda do ataque da Portuguesa no começo dos anos 1950, Simão era muito veloz, driblador e decisivo, seja com gols (a maioria de chutes fortes de fora da área ou de falta), seja com assistências milimétricas. Foi campeão sul-americano em 1949, mas não foi chamado para a Copa de 1950.

Canhotinho: ponta-esquerda ídolo do Palmeiras, era muito habilidoso e compôs o elenco brasileiro campeão sul-americano de 1949 – ele marcou um gol na goleada de 5 a 0 sobre a Colômbia. Não foi para a Copa por causa da concorrência com Chico.

Flávio Costa (Técnico): estrategista e multivencedor, mas ao mesmo tempo polêmico, sem papas na língua e que não aceitava interferência alguma em seu trabalho. Flávio Costa foi um dos maiores técnicos do futebol brasileiro nos anos 1940 e 1950 e seus títulos são a prova máxima da eficiência de seu trabalho. Ele venceu cinco títulos cariocas com o Flamengo – um deles um tricampeonato – e comandou o maior esquadrão da história do Vasco, o Expresso multicampeão carioca e campeão continental em 1948. Levantou a Copa América de 1949 pela seleção e teve em mãos uma safra única de craques que ele conseguiu fazer jogar partidas sensacionais na Copa do Mundo.

Porém, Flávio Costa falhou em não apostar mais em atletas como Mauro Ramos, Nilton Santos (que só ficou no banco) e Noronha, nomes que poderiam dar mais força ao lado esquerdo da equipe contra adversários mais fortes. As atuações estupendas contra Suécia e Espanha na reta final deram a falsa impressão de que tudo estaria resolvido contra o Uruguai. Só que a Celeste era forte exatamente pelo lado do campo onde o Brasil era mais frágil. E isso Flávio Costa não soube perceber e preferiu escalar o mesmo time. A derrota não diminui sua história nem seu legado por onde passou. Sobre o Mundial, Costa sempre disse que os jogadores não conseguiram reagir por causa dos gols do Uruguai e o silêncio no Maracanã. Eis alguns trechos do que ele disse ao jornalista Geneton Moraes Neto no livro “Dossiê 50”:

 

“A verdade é que o Brasil nunca foi inferior ao Uruguai em lance nenhum. O Brasil apresentou um futebol rápido, alegre, ligeiro. Deu ao mundo uma demonstração de que era um povo civilizado, capaz de cultivar o futebol com um carinho enorme. Além de tudo, construir o Maracanã naquela época foi uma demonstração de arrojo. O problema é que a vitória estava consignada antes do jogo. Veio, então, a decepção. Ora, jogos são ganhos dentro do campo. Não há outra solução. Houve um silêncio enorme no Maracanã nos gols uruguaios. O público se decepcionou – e transmitiu a decepção aos jogadores. A Seleção sentiu o choque. Traumatizados, os jogadores não ficaram habilitados a reagir diante do Uruguai. […] 

 

A partida foi vencida e perdida dentro do campo! […] Eu, pessoalmente, não perdi nada. Só perdi a possibilidade de não ser incomodado o resto da vida por causa da Copa de 1950. Eis a coisa mais importante que perdi. Se alguém perguntar a Zizinho ou a Ademir o que é que eles iriam ganhar, é possível que eles tivessem pensado em ganhar até o Pão de Açúcar. […] Não ganhamos nada. Não ganhei nem carta de agradecimento da CBD. Eu trabalhava com o ordenado que ganhava no meu clube”.

 

Flávio Costa comandou a seleção de 1944 até 1950. Foram 41 jogos (dois não-oficiais), 26 vitórias, seis empates e nove derrotas, aproveitamento de 70,7%. No total, contabilizando suas outras passagens pós-50, Flávio Costa treinou o Brasil em 60 jogos, com 35 vitórias, nove empates e 12 derrotas, aproveitamento de 65,8%.

Barbosa, Augusto, Danilo Alvim, Juvenal, Bauer, Ademir de Menezes, Zizinho, Jair Rosa Pinto, Chico, Friaça e Bigode. Foto: Bob Thomas/Popperfoto/Getty Images.

 

 

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Comentários encerrados

9 Comentários

  1. A Seleção de 1950 é indiscutivelmente uma das maiores da HISTÓRIA do futebol brasileiro.

    Chegou como MÁXIMA favorita ao título daquela Copa e já era considerada o melhor time do MUNDO desde o ano anterior, quando ganhou a Copa América de 1949 passando POR CIMA de todos os adversários.

    Na própria Copa de 50, aplicou goleadas vexatórias em diversas seleções.

    Era um TIMAÇO formado por CRAQUES históricos, como Zizinho, Jair Rosa Pinto, Ademir de Menezes, Danilo Alvim, Barbosa… jogadores que brigariam por vaga na seleção de TODOS OS TEMPOS do Brasil.

    Infelizmente, a perda do título apagou o brilho de um dos maiores esquadrões que o futebol brasileiro já viu em toda sua história.

    Tivesse vencido, seria colocada hoje na mesma prateleira de seleções como as de 58, 62 e até a de 70.

  2. Tanto essa seleção do fim da década de 40 como a seleção do fim da década de 90 ficaram mais marcadas pelas Copas que perderam do que pelos grandes times, e grandes jogadores, que tinham. E uma outra coincidência é que ambas as seleções tinham sérios problemas defensivos.

    Mesmo assim, nada se compara ao que esses jogadores enfrentaram. E com direito a um discurso populista da pior espécie. Teve de acontecer um Vexame de Verdade (com V maiúsculos, mesmo) para que o pessoal, enfim, pudesse reconhecer a grandiosidade deles.

    E para terminar, faço minhas as palavras do Miguel Oliveira, esse foi um dos textos mais importantes daqui do blog. Até me emocionei um pouco lendo o texto.

    • Verdade, Lucho! E mandou bem ao se lembrar da seleção do final da década de 90! O Brasil de 1950 e o de 1998 eram grandes times, mas tinham sérios problemas defensivos e foram mais lembrados por perderem na final! Acho que Flávio Costa e Zagallo se mostraram muito teimosos ao não corrigirem a parte da defesa cada um.

      Uma pena que precisou acontecer um Vexame de Verdade (que eu não preciso adivinhar qual foi!) para mostrar como grande foi o Brasil 1949-1950. Que bom que o Imortais não deixa esses detalhes passarem! Mas é sempre bom ficar de olho!

  3. Acho que esse foi um dos textos mais importantes que Imortais já fez. O Brasil 1949-1950 tinha, sim, grandes jogadores e devia ter ganho a Copa, mas acho que o oba-oba e esse clima de “já ganhou” afetaram e causaram uma pressão desnecessária e o resultado foi: o Maracanaço. Uma pena muitos lembrarem desse Brasil de forma tão negativa. Mas há quem diga a expressão “há males na vida que vem para o bem”, porque, depois disso, o Brasil passou a jogar com a icônica amarelinha, passou a revelar mais jogadores e virou Pentacampeão, enquanto o Uruguai “congelou” no Bi (dizem ser um castigo por calarem o Maracanã!). Para continuar, o Brasil, nos últimos anos, começou a pipocar demais e veio uma derrota (muito, mas muito) pior: o Mineiraço! Quando o Brasil vai se reerguer de vez? Não sabemos! Só resta torcer que a Canarinho consiga superar essas tempestades e fazer as duas feridas citadas cicatrizarem!

    Termino dizendo a respeito do Barbosa, grande goleiro que foi condenado por algo que nem foi culpa dele. Ele não falhou no gol do Ghiggia! Dizem que o Barbosa foi vingado com a derrota de 7 a 1 no Mineirão, mas a “absolvição” devia ter acontecido muito antes. Quem gosta de futebol, sabe (ou precisa saber) que Barbosa foi um dos maiores goleiros de todos e que o Maracanaço nunca deletou a grande história dele! Pelo menos, para mim, ele é eterno! E um legítimo Imortal do Futebol!

  4. Extraordinário o seu trabalho a frente deste blog, Guilherme. Os heróis de 50, execrados por tantos, estão sendo redescobertos pela recente historiografia do futebol brasileiro. Sem dúvida, o Maracanazo foi o evento mais doído da história do futebol brasileiro, justamente porque o título escorregou entre os dedos. O 7 a 1 foi infinitamente mais humilhante, inaceitável, abjeto, risível e absurdo, claro. Mas não foi mais doloroso. Não tenho dúvidas que doeu muito mais para o Brasil assistir a vitória da celeste do que o massacre germânico. Enfim, faltou apenas dizer que todo o sofrimento da perda da Copa, foi como que suplantado pela alegria do título mundial do Palmeiras no ano seguinte.

  5. Parabéns pelo texto, pelas colocações certeiras, pela contextualização e pelos detalhes mínimos. A escrita mantém você preso até o fim, está impecável. Reflexão: espero que essa DECADÊNCIA (e digo isso com todas as letras) pela qual nosso futebol está passando faça com que jornalistas e torcida reparem a tremenda injustiça cometida contra esses jogadores (principalmente quanto ao pobre Barbosa). O Brasil infelizmente não tem memória fértil demais, e se o tem é para coisas negativas, vale lembrar que em 1994 o goleiro tentou visitar a seleção no Rio e foi barrado para não dar azar, veja você…
    Sugiro que faça um texto a respeito de um imortal cuja carreira também teve um final infeliz: Andoni Zubizarreta, a lenda espanhola e do Barça. A imagem dele na Copa de 1998, sozinho contemplando o gramado vazio foi uma das coisas mais tristes que já vi no futebol.
    Fique com Deus!

    • Muito obrigado pelos elogios e comentário, Cristiano! E sem dúvida o goleiro Zubizarreta terá lugar aqui no Imortais em breve! Abraço! 🙂

Técnico Imortal – Giovanni Trapattoni

Craque Imortal – Beckham